O sábado, 22 de agosto, marcou o Dia da Sobrecarga da Terra, data simbólica indicativa de que o consumo global de recursos naturais superou a capacidade de regeneração do próprio planeta e, a partir de então, passamos a utilizar e esgotar recursos futuros.
O cálculo traz uma importante revelação. O impacto da pandemia de Covid-19, que agravou uma nascente crise econômica global retardou essa data em apenas três semanas. Em 2019, foi em 29 de julho. Isso significa que todo o efeito das quarentenas, lockdowns e fechamentos de escritórios e comércios representou uma redução de 9,3% na pegada ecológica da humanidade. Ou seja, em vez de uma freada, o que houve foi uma beliscada do freio.
Essa, no entanto, é a maior variação anual desde que o cálculo começou a ser feito nos anos 70. A partir de então, com pequenas exceções, o aumento da população e do consumo per capita antecipa a data ano após ano. Segundo os cientistas da Global Footprint Network, a maior contribuição para essa queda foi nas emissões de CO2, cerca de 14,5% menores que no ano anterior. Compreensível pela forte redução dos deslocamentos de pessoas nos últimos meses.
A questão que se coloca é qual tendência virá a partir de agora. Uma reaceleração para recuperar o ano perdido? Ou a utilização desse aprendizado para voltar a andar de outra maneira?
A depender dos grandes formadores de opinião global, principalmente investidores e empresas com sede na Europa e na América do Norte, há uma percepção de que esta é a oportunidade para se estabelecer uma nova marcha, mais responsável e comprometida com o futuro. No entanto, essa ideia entra em choque com as políticas populistas de economias regionais importantes, como Estados Unidos, Reino Unido, Rússia e Brasil, mais preocupadas em conservar posições conquistadas.
No fundo, ambos querem conservar, mas com abordagens diferentes. Os, digamos, mais progressistas admitem que as transformações são inevitáveis e buscam a adaptação do capitalismo à nova realidade. Os mais conservadores negam a necessidade de mudança e querem reforçar as bases do presente e do passado recente.
Pode-se acrescentar que as mudanças de hábitos de consumo são invitáveis e acontecerão, quer progressistas e conservadores aceitem ou não. Por exemplo, o consumo de carne bovina vai cair – e mais por motivações de saúde do que por proteção ambiental. Mas, neste embate, consumidores, que também vestem o chapéu de eleitores, têm papel secundário, de referendo das próprias tendências. A decisão está com os detentores de capital e suas convicções quanto ao futuro.
A depender dos grandes formadores de opinião global, há uma percepção de que esta é a oportunidade para se estabelecer uma nova marcha, mais responsável e comprometida com o futuro
Neste grupo, também temos progressistas e conservadores, mas a ala dos progressistas parece estar em processo de aglutinação, isso vale para o mundo e para o Brasil. A próxima rodada de eleições é um bom momento para verificar se essa transição será mais rápida ou mais lenta. Veremos como será distribuído o apoio dos detentores de capital.
Enquanto isso, nós todos, como humanidade, vamos consumindo e reduzindo o estoque de recursos naturais. Somos vovôs gastões que deixarão um mundo mais difícil para nossos filhos e netos.
* Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
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