À primeira vista, o ministro da Economia Paulo Guedes era o homem certo no lugar certo. O mais preparado porta-voz do governo Bolsonaro e líder da prometida transformação econômica do País assumiu a tarefa de vender essa nova fase do Brasil à elite econômica global no Fórum Econômico Mundial, que começou nesta terça-feira 21, em Davos.
O ministro falou no painel “Shaping the future of advanced manufacturing”, perfeito para vender a ideia de que a agricultura brasileira é capaz de alimentar o mundo e que o país está se atualizando. No entanto, tropeçou nos argumentos: “O grande inimigo do meio ambiente é a pobreza”, disse. E completou: “[Pobres] Destroem porque estão com fome”.
Guedes era o homem certo, no lugar certo, com o discurso errado. Bastava ter feito o dever de casa e lido os sinais externos deste início de 2020. A começar pelo website da conferência, cujo tema deste ano é “Stakeholders for a Cohesive and Sustainable World”.
O professor Klaus Schwab, fundador e chairman do Fórum, explica os motivos na homepage: “As pessoas estão revoltadas com as 'elites' econômicas, pois acreditam terem sido traídas, e nossos esforços para manter o aquecimento global limitado a 1,5 °C estão ficando perigosamente reduzidos.”
Ao atingir 50 anos, o Fórum Econômico Mundial promete produzir o Davos Manifesto 2020, no qual, segundo Schwab, convocará empresas e governos a reimaginarem seus propósitos e objetivos diante deste mundo de tão críticos desafios. A direção é a mesma da apontada, uma semana antes, pela badalada carta do CEO da BlackRock, Larry Fink, que colocou a sustentabilidade e o risco climático como os futuros orientadores da gestão de investimentos.
Neste contexto de total atenção global ao risco climático e à necessidade de se evoluir na contenção do aquecimento global, tudo o que a imagem do Brasil não precisava era mais uma demonstração de desalinhamento – como já havia ocorrido na COP25, a Convenção sobre o Clima, realizada em dezembro, quando foi um dos responsáveis pelo não-acordo.
E o discurso de Guedes está totalmente desalinhado em relação à percepção global. Os especialistas em sustentabilidade são unânimes em afirmar que os pobres são as principais vítimas da devastação ambiental e serão os mais afetados pelos desequilíbrios climáticos que se intensificam ano após ano.
Tudo o que a imagem do Brasil não precisava era mais uma demonstração de desalinhamento
Afinal, não têm como protegerem-se de qualquer efeito extremo – frio, chuva, calor, o que vier. E mais: o dano ao meio ambiente provocado pela fome é infinitamente menor do que o causado pela exploração produtiva descontrolada.
É importante frisar que, sim, a pobreza é uma tragédia estrutural gravíssima, que inclusive neste momento está perigosamente em segundo plano em função da emergência climática. Davos tem sido confrontada anualmente com os dados da concentração econômica e de desigualdade produzidos pela ONG Oxfam.
Mais uma vez, neste ano, a Oxfam divulgou um relatório mostrando que a desigualdade econômica está fora de controle. “Em 2019, os bilionários do mundo, que somam apenas 2.153 indivíduos, detinham mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas”, aponta o estudo “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade.” Tudo indica que a elite econômica vai novamente olhar para essas informações com cara de preocupação, mas não irá atacar o problema.
Com tudo isso, a fala de Guedes é duplamente desconectada da realidade. De um lado, desconsidera toda a demanda externa por respostas do Brasil à crise climática e à proteção ambiental. De outro, não traz para o centro da discussão a importante questão do combate à pobreza e à desigualdade, o que seria impactante, mas desconexo da sua política econômica, bem como da linha de atuação de todo o governo federal. Optou por uma abordagem ortodoxa, desenvolvimentista, ultrapassada. Tomara que nas conversas que se seguiram, inclusive com Schwab, possa ter percebido qual é o espírito do nosso tempo.
* Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
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