A versão ambientalista do atual governo brasileiro chega um tanto atrasada. O discurso moderado do presidente Jair Bolsonaro na manhã da quinta-feira, dia 22 de abri, na Cúpula dos Líderes sobre o Clima, organizada pela Casa Branca, acontece após mais de dois anos de grande descaso e até oposição à agenda global sobre meio ambiente.
Entre os muitos exemplos está o veto presidencial em 2019 da inclusão dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Agenda global 2030, no Plano Plurianual 2020-2023, ou ainda a postura de bloqueio da agenda climática que o Brasil adotou na COP 25, em Madri também em 2019, ou a redução do orçamento do ministério do Meio Ambiente, que atualmente é menor desde o final do século passado.
Todas as conquistas e fortalezas apresentadas no discurso não foram alcançadas pelo atual governo, mas persistem apesar dele. O Brasil é realmente a maior potência global em biodiversidade, conta com uma matriz energética limpa (ainda mais com a queda da atividade econômica que mantém as termelétricas desligadas), desenvolveu uma alternativa em biocombustível e possui um Código Florestal moderno. Tudo desenvolvido antes do atual governo.
Estas fortalezas tornam o descaso ambiental dos últimos anos um descalabro ainda maior, pois realmente o Brasil tem condições invejáveis de ser uma potência global, impulsionada pelo uso sustentável de seus recursos naturais. No entanto, o que se vê é uma postura extrativista e desenvolvimentista, como a que ocorre nas novas iniciativas de mineração na Amazônia. Uma política similar à adotada nos anos 1970 ou 1980, quando ainda não se tinha a dimensão da extensão dos impactos ambientais bem como das oportunidades do uso sustentável dos seus recursos.
Por todo este contexto, a posição do governo Bolsonaro na Cúpula do Clima soa como um discurso sem lastro na realidade. No âmbito interno, a estratégia de criar uma narrativa que sustente a defesa por parte de seus aliados tem sido relativamente eficiente. No cenário global, esta alternativa não irá funcionar. Primeiro, porque o Brasil não possui aliados do ponto de vista ambiental que reverberem sua posição. Assim como na crise da Covid-19, na crise climática o Brasil está isolado como o mau aluno da classe.
Agora, não basta falar, é preciso provar que merece recuperar a confiança global. A bem da verdade, Bolsonaro jamais se preocupou com o que pensavam dele no Exterior, pois julgou suficiente contar com o apoio de Trump e de alguns outros parceiros comerciais, como Arábia Saudita e Israel. No entanto, desde a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, este anteparo ruiu e o Brasil ficou definitivamente isolado no campo ambiental.
O fato é que a crise econômica também é um elemento de pressão que agora leva ao governo Bolsonaro a mudar de postura em relação ao meio ambiente. Afinal, a porção consciente e moderna do agronegócio brasileiro não deseja que seus produtos estejam ameaçados por sanções comerciais, fruto das pressões geopolíticas que podem utilizar a agenda climática como justificativa.
A porção consciente e moderna do agronegócio brasileiro não deseja que seus produtos estejam ameaçados por sanções comerciais
Além dos riscos de penalizações e boicotes, há também as oportunidades, antes desprezadas pelo governo, mas que agora, com a crise inquestionavelmente instalada, surgem como tábuas de salvação. É o caso da defesa do pagamento de serviços ambientais, inserido no discurso de Bolsonaro, que claramente acena para ajuda externa como contrapartida ao esforço de conservação. Trata-se do mesmo governo que em 2019 esnobou recursos da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia e que agora abre a porta para receber por proteger os recursos naturais.
Para que a nova posição do governo brasileiro não se torne cerca de sete minutos de palavras ao vento, é necessário que o Brasil apresente ao final deste ano uma significativa evolução no combate ao desmatamento, bem como uma ação efetiva na redução das queimadas no período de seca, que logo chegará com o inverno. Que também avance a regulamentação do Código Florestal para que a sua aplicação seja uma realidade. Que proteja as terras indígenas diante da constante pressão dos garimpos ilegais. Enfim, que tenha uma prática de conservação e legalidade ambiental que seja condizente com o discurso.
Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do NeoFeed
* Álvaro Almeida é jornalista especializado em sustentabilidade. Diretor no Brasil da consultoria internacional GlobeScan, sócio-fundador da Report Sustentabilidade, agência que atua há 17 anos na inserção do tema aos negócios. É também organizador e curador da Sustainable Brands São Paulo, integra o Conselho Consultivo Global desta rede de conferências e participa da Comissão de Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).