O jornalista Milton Gamez era um cara da conversa afável, do tipo que gostava de contar história e sempre acompanhado de uma boa taça de vinho, uma cerveja – invariavelmente artesanal – ou uma xícara de café.

O café, aliás, tinha de ser expresso e sempre tirado separado – sem aproveitar o mesmo pó para abastecer duas xícaras. Ele dizia que o café tirado separado tinha um gosto único.

Esse era o Miltinho, cheio de manias e com um estilo que lembrava o de um degustador gourmet que gostava das coisas boas da vida e, sobretudo, de viver.

Lembro como se fosse hoje que depois de um almoço ao lado dos colegas e amigos de redação da Istoé Dinheiro, Márcio Kroehn e Ralphe Manzoni Jr., preguei uma peça nele.

Sem ele perceber, troquei a xícara de café e fiquei com a que havia sido tirada individualmente. Todos observaram ele degustar o café e começar a dizer. “A diferença entre esse café que estou bebendo e o de vocês é perceptível. É muito melhor.”

Quando ele terminou de falar, caímos todos da gargalhada e Miltinho, corado, caiu na gargalhada junto. Nunca esquecemos essa história e ele sempre protegia suas xícaras de café quando estava ao meu lado.

Se é para lembrar do Miltinho, que seja sempre desse cara bacana, que sabia rir dele mesmo, que era um grande ser-humano, que amava a sua mulher Suzana e os filhos Igor e Gigi incondicionalmente.

Miltinho tinha um coração tão grande que, muitas vezes, discutíamos no trabalho porque ele queria fazer a vontade de todos. Gamez era o diretor de redação da Istoé Dinheiro e eu o redator-chefe.

Sofria em ter de chamar a atenção de alguém que havia feito algo errado. E, muitas vezes, ele mesmo arrumava o que tinha de ser consertado em um texto. “Você é o bad cop e eu sou o good cop”, dizia aos risos. E era extremamente detalhista.

Esteve duas vezes na lista dos TOP 50 jornalistas de Economia, Finanças e Negócios do Brasil

Às vezes, passava mais de 30 minutos parado em frente à tela do computador para arrumar uma frase, apenas aquela única frase que o incomodava. E, no final, ficava bem melhor, muito melhor. “Olhe os detalhes”, dizia ele. “Não podemos deixar passar nem um erro!”

Miltinho era o que se pode chamar de jornalista raiz. Gastava sola de sapato atrás de uma boa história e tinha faro apurado para elas. Em 1997, quando foi a um evento do FMI no exterior, viu uma aglomeração de jornalistas ao redor do então presidente do Banco Central, Gustavo Franco.

Ele sabia que se estivesse ali no meio teria a mesma informação que todos. Enquanto observava, notou um senhor caminhando sozinho pelos corredores. Era o investidor George Soros, que tinha quebrado o Banco da Inglaterra, como havia ficado conhecido ao especular contra a Libra esterlina, em 1992 (Aliás, ninguém podia escrever libra em uma matéria. “É libra esterlina!”, dizia Miltinho).

E lá foi ele, atrás de Soros, de um grande personagem e de uma grande história que virou capa da Istoé Dinheiro naquele ano. Conseguiu a entrevista que ninguém havia conseguido. Ele lembrava de seus furos jornalísticos com orgulho e assim tinha de ser.

Não à toa, trilhou uma carreira brilhante e passou por alguns dos maiores veículos de comunicação do País. Trabalhou na Gazeta Mercantil, na Folha de São Paulo, no O Globo, no Valor Econômico, na Exame e na Harvard Business Review.

Milton permaneceu 15 anos na Editora Três, onde dirigiu as revistas Istoé Dinheiro, Dinheiro Rural e Motor Show por sete anos. Esteve duas vezes na lista dos TOP 50 jornalistas de Economia, Finanças e Negócios do Brasil. Nos últimos tempos, atuou na comunicação corporativa e trabalhou na FSB.

Na terça-feira, 23 de julho, seu corpo foi encontrado em uma represa de Ibiúna, onde ele havia entrado dias antes para nadar. Pregou uma peça enorme nos amigos e na família. Nos deixou sem chão, mas deixa um legado enorme para o jornalismo.

“Pense digital!”, dizia para todos na redação. Se pudesse encontrá-lo novamente, com certeza, diria com uma boa xícara de café em mãos: “Estou pensando, Miltinho! Estou pensando...”