“Quem, senão ele, poderia convencer a mulher parisiense a exigir vestidos feitos de plástico e metal? Quem, senão ele, poderia imaginar uma fragrância chamada Calandre –a palavra significa ‘grelha de radiador’— e transformá-la em um ícone da feminilidade moderna?”
José Manuel Albesa, presidente da divisão de beleza e moda do grupo espanhol Puig, pergunta e responde prontamente. Ele, no caso, é Paco Rabanne.
Uma das figuras mais criativas e revolucionárias da moda, o estilista e perfumista espanhol morreu nesta sexta-feira, 3 de fevereiro, aos 88 anos. Ele estava em sua casa, em Ploudalmézeau, comuna francesa na região da Bretanha. A causa do óbito não foi revelada.
Rabanne construiu um império na moda e na perfumaria. Desde 1986, a marca pertence à Puig. Em 2019, a estimativa era de que a grife Paco Rabanne faturava perto de 1 bilhão de euros dentro dos negócios da companhia espanhola, quase um terço das receitas anuais do grupo.
Fundada em 2014, em Barcelona, a empresa tem um portfólio recheado de marcas de luxo. Além de Paco Rabanne, Carolina Herrera, Nina Ricci, Jean Paul Gaultier e Dries Van Noten, entre outras. A Puig tem ainda as licenças de Christian Louboutin e Comme des Garçons. Presente em 150 países, a companhia conta com cerca de 7,2 mil funcionários.
O balanço de 2021 indica que o grupo alcançou receitas líquidas de quase 2,6 bilhões de euros – um aumento de 68% em relação a 2021 e de 27% sobre 2019. “O plano trienal apresentado em 2020 apontava para receitas de 3 bilhões de euros em 2023”, informa o relatório. “Graças ao crescimento alcançado em 2021, 2022 caminha para ultrapassar este valor um ano antes do previsto.” Os dados de 2022 ainda não estão disponíveis.
Destino Paris
Nascido Francisco Rabaneda-Cuevo, em 18 de fevereiro de 1934, na cidade de Pasaia, no norte da Espanha, Rabanne era filho de uma costureira basca, integrante do Partido Comunista e funcionária do ateliê de Cristobál Balenciaga. Seu pai, o general andaluz Rabaneda-Postigo, estava no comando do quartel de Guernica, em 1936, quando foi morto pelo exército do ditador Franco.
Três anos depois, a família – ele, um menino de 7 anos, a mãe, a avó e duas irmãs – se exilou na França. Em Paris, o garoto que adorava desenhar cursou arquitetura na Escola Nacional Superior de Belas Artes. “A moda me permitia ganhar a vida, mas não era bem o meu centro de interesse”, contou em entrevista, em 2005.
Na Paris da haute couture da década de 1960, Rabanne chegou a vender alguns de seus croquis para Christian Dior e Hubert de Givanchy. Mas, ousado e livre demais para a alta costura, Rabanne criou sua própria moda.
Se a Inglaterra tinha Ossie Clark e Zandra Rhodes, a França tinha Pierre Cardin e André Courrèges. Se Londres tinha a minissaia de Mary Quant, Paris tinha os vestidos futuristas, de plástico, fibra ótica, vinil e metal, de Rabanne. Coco Chanel o chamava de o “costureiro metalúrgico”.
Em 1966, o estilista inaugurou seu próprio ateliê. Batizada “Manifesto: 12 vestidos inutilizáveis feitos com materiais contemporâneos”, a primeira coleção estreou já fazendo história, com as famosas túnicas metálicas. As mulheres foram à loucura. O que é um vestido de 30 quilos, que impede sua dona de se sentar, se a peça leva a assinatura Paco Rabanne?
Em 1967, o estilista vestiu a cantora Françoise Hardy com um minivestido feito de placas de ouro e diamantes. No mesmo ano, desenhou uma das peças usadas pela atriz Audrey Hepburn, na comédia romântica Um Caminho para Dois, de Stanley Donen.
Convidado pelo diretor Roger Vadim, Rabanne criou uma das peças que Jane Fonda usou no filme de ficção científica Barbarella, de 1968. Quem esquece aquele traje verde, meio plastificado, colado no corpo da atriz americana?
No final dos anos 1960, com a mesma irreverência e criatividade, Rabanne se aventurou no mundo das fragrâncias. E, com o tempo, se revelou um perfumista de mão cheia.
Com chipre como nota básica, quando todos usavam essências cítricas, o Calandre, aquele da “grelha de radiador”, foi sua primeira criação. Novamente, um sucesso.
Quatro anos depois, ele lançaria o Paco Rabanne Pour Homme, no mercado até hoje. O perfume nasceu de sua experiência pioneira com samambaias aromáticas e resultou em uma fusão de fragrância de alfazema, artemísia e tomilho. Só sentindo o cheiro para entender.
Rabanne se aposentou em 1999. Sua última aparição em um evento público foi em 2014, nas comemorações do 100º aniversário da Puig. Hoje, a direção criativa da grife Paco Rabanne é do francês Julien Dossena, ex-Balenciaga.
Graças ao designer de 40 anos, a grife Paco Rabanne voltou ao radar fashion – e a dar lucro. Com a nomeação de Dossena, nas três primeiras temporadas, as vendas quadruplicaram.
No desfile primavera-verão 2018, o novo chefe homenageou Rabanne, em um espetáculo comemorado pela crítica de moda, sobretudo por sua fidelidade ao DNA da marca. Discos de platina, círculos de metal, peles falsas... minivestidos, saias e boleros... todas as peças traziam uma referência ao estilista espanhol.
“Eu adoro o fato de que ele [Rabanne] era um artesão e designer. Ele gostava de fazer roupas reinventado a moda com suas próprias mãos. Embora, é claro, eu queira criar um Paco Rabanne com os materiais de hoje”, afirmou Dossena, na ocasião.
Não poderia ser diferente. Afinal, como conclui Albesa, o executivo da Puig, em sua nota de pesar, “o espírito radical e rebelde o diferenciava: há apenas um Rabanne”.
Também em comunicado, o CEO do grupo, Marc Puig, disse: “Ele continuará sendo uma importante fonte de inspiração para as equipes de moda e fragrâncias da Puig, que trabalham juntas para expressar os códigos radicalmente modernos de Paco Rabanne”.