O empresário Antonio Setin, dono da Setin Incorporadora, não deu muita bola quando os jovens Thomaz Guz e Fabio Bertini bateram na porta de sua companhia propondo alugar duas dezenas de apartamentos que estavam em seu estoque. “Falei para o meu diretor, resolve isso aí com eles”, diz Setin ao NeoFeed. Mas não demorou muito para ele abrir os olhos.
Setin, um self-made man com faro para os negócios, no comando de uma empresa com R$ 650 milhões em Valor Geral de Vendas (VGV) neste ano, percebeu que a startup daqueles garotos, batizada de Uotel, estava resolvendo um problema que ele tinha em mãos. “Eu tinha muitos apartamentos em estoque e precisava vender. Com o serviço deles, passei a vender com mais facilidade para investidores que queriam locar os studios”, afirma Setin.
E o que era apenas uma parceria virou sociedade. Ele, que também é dono de hotel, como o Pullman Ibirapuera e o Ibis na Casa Verde, ambos em São Paulo, pediu para seu velho amigo Roland de Bonadona, ex-presidente da Accor na América do Sul, para olhar o negócio. “Bonadona avaliou e disse que também gostaria de investir na empresa”, diz Setin. “Mais do que um conselho, aquilo foi um aval.” A certeza foi reforçada quando Dany Muszkat, ex-presidente da construtora Even, entrou no circuito e se interessou pela Uotel.
Em janeiro deste ano, os três compraram 16,5% da Uotel e agora estão ajudando a estruturar uma nova rodada de investimentos na startup. “Podemos aumentar a nossa participação ou outros investidores podem entrar. Mas agora o cheque vai ser mais alto porque o negócio não é mais uma aposta, já é realidade”, diz Setin. Os fundadores estão conversando com fundos de venture capital e private equity para bater o martelo sobre os novos investidores.
O interesse na empresa tem aumentado na proporção de seu crescimento. Fundada em 2016, a Uotel tem um modelo de negócios que navega entre as lacunas de serviço de um Airbnb e os preços salgados de um hotel. Ela é, na verdade, uma plataforma de hospedagem que fica no meio do caminho entre um apartamento residencial e um quarto de hotel com serviços básicos como limpeza, cápsulas de café e Netflix. E hoje já movimenta 4 mil diárias por mês.
A Uotel aluga studios, em prédios descolados, com metragens que vão de 20 metros quadrados a 35 metros quadrados, decora com um padrão definido e subloca por dia. Os hóspedes reservam no site da empresa ou em plataformas como Expedia e Booking.com, recebem uma senha eletrônica e pagam, em média, R$ 215,00 de diária. Trata-se de um valor intermediário entre os R$ 100,00 de Airbnb e os R$ 350 dos hotéis em São Paulo.
“Contamos com 155 apartamentos em operação e adicionaremos mais 55 até o fim do ano”, diz Thomaz Guz, o CEO da empresa. “Vamos terminar o ano gerando 5,5 mil diárias por mês.” O plano dos fundadores é praticamente triplicar de tamanho em 2020, alcançando 600 apartamentos na base, e chegar a 1,5 mil unidades em 2021. “Diferente das startups que só focam no crescimento e queimam caixa, a Uotel sempre andou no equilíbrio”, diz Dany Muszkat.
O plano dos fundadores é praticamente triplicar de tamanho em 2020, alcançando 600 apartamentos na base, e chegar a 1,5 mil unidades em 2021
O modelo chama a atenção porque ele cobre várias pontas e resolve, como se diz na linguagem dos startupeiros, algumas “dores”. O proprietário do imóvel fica com uma renda garantida, não paga IPTU e nem condomínio; e a incorporadora, que construiu determinado prédio, consegue vender unidades com mais facilidade quando a operação está funcionando no edifício. “Temos uma ocupação média de 90%”, diz Fabio Bertini, COO da empresa. “O comprador desse tipo de imóvel é investidor e, quando ele vê que pode alugar, acaba comprando”, diz Setin.
Roland de Bonadona, um dos profissionais mais respeitados no universo da hotelaria, foi seduzido pelo projeto ao ver que o negócio era bem estruturado e eles tinham a intenção de digitalizar mais os processos. “Com isso, poderiam ganhar mais espaço”, diz Bonadona. Detalhe: num momento em que o turismo de negócios no País tem aumentado. De acordo com a Associação Brasileira de Viagens Corporativas (Abracorp), esse segmento cresceu 14,7% no primeiro semestre de 2019.
Com 20 funcionários, a Uotel usou o dinheiro dos investidores em tecnologia e, assim, poder escalar a operação. Atualmente, para operar em um prédio, a empresa precisa de no mínimo 20 unidades. A companhia criou uma empresa de limpeza e manutenção que dá suporte para todas as unidades e desenvolveu um aplicativo de escalas para as camareiras. Quando o hóspede deixa o apartamento, elas são avisadas automaticamente.
Na questão da segurança, um constante ponto de rusga entre moradores e proprietários de imóveis alugados em plataformas como Airbnb, a Uotel desenvolveu um processo para reduzir os riscos. Quando faz a reserva, o hóspede recebe uma mensagem pelo WhatsApp pedindo que ele faça o check-in online.
Ao preencher os dados com nome, RG e CPF, uma startup parceira chamada Idwall cruza essas informações, vê se há falsidade ideológica e se existe mandado de prisão para aquela pessoa. “Só depois disso, liberamos para a portaria do prédio, que conta com uma tela com o nosso sistema. E só entra com o CPF e o RG”, diz Thomaz. O hóspede já tem o número do apartamento e a senha. No horário de check-out, ele tem de sair e uma nova senha é gerada para o próximo hóspede.
Por mais que seja inovadora, a Uotel tem um competidor de peso nesse segmento. Trata-se da Housi, da Vitacon, do empresário Alexandre Lafer Frankel. Com 9 mil unidades disponíveis para locação, todos de prédios erguidos pela própria construtora especializada em moradias compactas, os apartamentos podem ser reservados tanto para uma noite como por períodos mais longos – tudo por meio de um aplicativo no celular.
É briga de gigantes. Mas nada que os faça tremer como aconteceu no início da operação, quando ainda não contavam com o suporte – e a experiência – de Setin, Bonadona e Muszkat. Na época, Thomaz e Fábio iniciaram a empresa alugando uma única unidade que pertencia ao pai de Fábio, um studio próximo do centro de convenções do Anhembi.
Para se diferenciar criaram a marca e passaram a adotar o nome Wotel. Seis meses depois, uma carta com cerca de 30 páginas do escritório de advocacia da rede W Hotels pedia que eles mudassem o nome. Caso se recusassem, seriam acionados na Justiça. “Em trinta segundos mudamos o nome”, diz Fábio.
Não perderam, entretanto, o ímpeto empreendedor. Na mesma época, uma mulher comprou sete unidades no mesmo prédio onde alugavam aquele primeiro apartamento. “Com frio na barriga, contatamos ela dizendo que alugaríamos os sete apartamentos pelo valor de mercado”, diz Thomaz. “Fomos para o risco e nossos pais se tornaram os fiadores. Alugávamos por R$ 1,4 mil e sublocávamos por R$ 5 mil.”
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