Como toda galinha poedeira, Golda foi criada para botar ovos. Mas, diferente das outras, Golda está programada geneticamente para só gerar descendentes fêmeas. É assim, com um exército de "Goldas", que os inovadores da startup israelense Huminn Poultry e pesquisadores do Instituto Volcani, em Tel Aviv, pretendem atacar um dos maiores problemas da avicultura global: a rejeição de 7 bilhões de pintinhos machos, todos os anos.
Diferente dos filhotes nascidos de aves para corte, os das poedeiras não têm nenhum valor para o mercado. Sob a ótica dos negócios, criá-los é perda de tempo e dinheiro. Tradicionalmente, os ovos são incubados por cerca de três semanas. Assim que os animais nascem, são separados um a um, conforme o sexo, por funcionários especializados nessa função.
Na maioria das granjas, em até três dias depois da eclosão dos ovos, os machos são exterminados. Esse processo custa a granjeiros de todo o mundo US$ 8 bilhões anuais.
A tecnologia desenvolvida pela Huminn consiste em editar um gene do cromossomo Z de poedeiras como Golda. Quando submetido a uma luz azul, o DNA alterado interrompe o desenvolvimento dos embriões machos. Terminado o processo, os ovos vazios podem ser transformados em adubo, por exemplo.
Entre as aves, ao contrário dos seres humanos, as fêmeas são heterogaméticas. Ou seja, possuem cromossomos sexuais diferentes (Z e W). E os machos, ZZ. Ou seja, o genoma das galinhas permanece intacto e elas seguem o processo natural de amadurecimento.
A manipulação genética dos alimentos sempre assustou os consumidores. Mas as técnicas de edição gênica em nada lembram a temida transgenia. Os métodos modernos não misturam material genômico de espécies diferentes. As chamadas “tesouras genéticas” permitem cortar e excluir, com muita precisão, trechos específicos da fita do DNA.
Durante três anos, os experimentos da Huminn foram acompanhados por especialistas da Compassion in World Farming (CIWF), ONG inglesa de defesa do bem-estar animal e o procedimento foi considerado seguro. O próximo passo é ampliar os estudos e, confirmados os resultados dos primeiros testes, escalar a tecnologia.
A startup de Tel Aviv não é a única na busca por esse tipo de solução. Fundada em 2016, a EggXYt, também de Israel, como a Huminn usa edição genética e luz para diferenciar os ovos com embriões fêmeas daqueles que carregam os machos.
A caminho da incubadora, os ovos passam por uma espécie de scanner. Se brilham, são de machos. E aí, conforme explica Yehuda Elram, cofundador e CEO da EggXYt, podem ser redirecionados para diversas indústrias, de ração animal e de cosméticos, por exemplo.
As ferramentas de edição gênica aplicadas à avicultura vêm atender à demanda de um mercado em transformação. Muitos países, como França, Alemanha, Suíça e Brasil, estudam proibir o descarte dos pintinhos machos. O governo francês, inclusive, pretende criar um fundo de 10 milhões de euros para ajudar os produtores a adotar as tecnologias de detecção do sexo dos embriões.
Há de se levar em conta ainda a mudança no perfil dos consumidores, especialmente os mais jovens. Ultraconectados, mais conscientes e exigentes, eles querem saber a origem dos alimentos em seus pratos. E, definitivamente, crueldade animal não entra no cardápio dos millenials e muito menos da geração Z.
Um exemplo da força dos novos consumidores é o ritmo de evolução do mercado de ovos orgânicos em comparação aos convencionais. Avaliado em US$ 3,4 bilhões, deve chegar a US$ 11,2 bilhões em 2030, a uma taxa de crescimento anual de 12,1%, indica a consultoria Allied Market Research. O avanço do setor de ovos tradicionais está calculado em 7%; indo dos atuais US$ 250 bilhões para quase US$ 300 bilhões, na avaliação da Research and Markets.