A empolgação do mercado com os criptoativos chegou ao mundo das artes e dos esportes. Os "criptocolecionáveis" estão chamando a atenção de artistas, como uma forma inovadora de produzir e distribuir seus trabalhos, e de investidores, pela lucratividade de um segmento em rápido crescimento.
Esses criptoativos também são conhecidos como NFTs, ou tokens não-fungíveis da sigla em inglês. Mas, ao contrário da maioria das moedas virtuais, você não pode trocar um NFT por outro, da mesma forma que faria com dólares, reais ou barras de ouro. Cada NFT é único e atua como um item de colecionador que não pode ser duplicado, o que os torna raros.
É como um quadro do pintor espanhol Pablo Picasso, em que a assinatura do artista é uma comprovação da autoria e do caráter exclusivo daquela peça. Neste caso, a assinatura é digital e usa a tecnologia blockchain, a mesma por trás da moeda digital bitcoin.
Versões de criptoativos únicos existem desde 2012, mas o formato se consolidou em 2017. E ganhou notoriedade especialmente nos últimos meses, na esteira da valorização do bitcoin, a criptomoeda mais popular, que se valorizou mais de 500% desde o começo de 2020.
"Essa valorização trouxe a reboque todo o desenvolvimento de um novo mercado de criptoativos", afirma Bernardo Quintão, crypto cientist no Mercado Bitcoin, ao NeoFeed. "De forma orgânica, investidores começaram a olhar para os NFTs".
Alguns lançamentos de artistas importantes também ajudaram a levar os criptocolecionáveis ao mainstream. A cantora e compositora Grimes, mulher de Elon Musk, colocou uma coleção inteira de obras de arte digitais à venda no Nifty Gateway, um marketplace exclusivo para a venda de criptoativos. A série de 10 peças arrecadou US$ 6 milhões.
Algumas eram únicas, como "Death of the Old", um vídeo em que imagens de querubins aparecem sobre uma canção original de Grimes, foi arrematada por US$ 389 mil. Outras foram lançadas em tiragens limitadas de até 10 mil cópias, vendidas a US$ 7,5 mil cada. Cada cópia é única, do ponto de vista de criptografia, mas a obra é a mesma.
Até o mercado tradicional de arte se rendeu ao formato. A inglesa Christie's, com 255 anos de história, será a primeira grande casa de leilão a oferecer um trabalho artístico totalmente digital. Até o dia 11 de março, ela aceitará lances na obra "Everydays - The First 5000 Days", do artista digital americano Beeple.
A obra consiste em um apanhado de 5.000 imagens, uma para cada dia da carreira de Beeple. A expectativa pelo leilão é alta. Na última semana de fevereiro, Beeple vendeu outro trabalho, "Crossroads", em formato NFT, por US$ 6,6 milhões, na Nifty Gateway. É, até agora, a obra digital mais cara do mundo. Mas com o mercado aquecido do jeito que está, a soma pode ser rapidamente superada.
O mundo dos esportes também está explorando de forma bastante lucrativa o mercado de NFTs. O principal exemplo é o NBA Top Shot. É uma espécie de versão virtual de cards esportivos. Pequenos vídeos de jogadas impressionantes de astros como LeBron James e Stephen Curry são transformados em tokens e liberados em edições limitadas.
Os tokens ficam disponíveis na plataforma e qualquer usuário pode acessar as jogadas, ver informações sobre a partida em que elas foram feitas e as estatísticas dos astros. Os donos daqueles tokens são listados ao lado e os interessados podem buscar cópias à venda.
Em pouco mais de oito meses de existência, o serviço já movimentou US$ 280 milhões em vendas, de acordo com o site CryptoSlam. A Dapper Labs, startup responsável pela plataforma de criptocolecionáveis usada pela NBA Top Shot, captou US$ 250 milhões em uma rodada realizada no fim de fevereiro, liderada pela gestora Coatue Management, do bilionário Philippe Laffont. Com a captação, ela foi avaliada em US$ 2 bilhões.
Ela não é a única startups a atrair a atenção dos investidores. A francesa Sorare, plataforma de cards colecionáveis de futebol em blockchain, captou US$ 50 milhões em uma rodada de investimentos liderada pela Benchmark e com aportes da Accel e da brasileira Go4it Capital, de Marc Lemann e Cesar Villares, além de diversos investidores-anjo, como o cofundador do Reddit, Alexis Ohanian, e do atacante do time de futebol espanhol Barcelona, o francês Antoine Griezmann.
Na música, a banda Kings of Leon acaba de lançar um disco novo, "When You See Yourself". E será a primeira a oferecer uma versão em NFT do trabalho. Além do token digital, os fãs que comprarem o criptocolecionável terão direito a objetos mais palpáveis, como vinis exclusivos.
Para ter acesso a seus tokens, os colecionadores precisam ter uma carteira digital. E já existe um mercado paralelo de revenda desses ativos, que alcançam valores muito maiores que os preços originais. Uma enterrada de Ja Morant, jogador do Memphis Grizzlies, por exemplo, foi vendida no NBA Top Shot por US$ 2,2 mil. Agora, uma cópia da jogada vale US$ 240 mil.
A febre das NFTs também levanta alguns questionamentos. O principal é sobre a escassez artificial desses ativos, já que muitos deles podem ser acessados de forma gratuita na web. Qual é o sentido de ter um token de uma jogada que pode ser assistida no YouTube ou de uma música disponível no Spotify?
"Uma vantagem é a capacidade do artista de monetizar seu trabalho", afirma Quintão, do Mercado Bitcoin. Há uma grande diferença em relação ao mercado tradicional de obras de arte. Com criptoativos, o artista pode receber royalties em cada transação feita.
O bilionário Mark Cuban, dono do time Dallas Mavericks, fez um post em seu blog em janeiro sobre essa febre, fazendo uma comparação com os cards de baseball. "O valor ainda é ditado pelas velhas leis de oferta e demanda", escreveu. A expectativa dos colecionadores é que, daqui a 20 anos ou 30 anos, esses itens sejam tão valorizados quanto cards raros da década de 1950.
Mas esses cards antigos – as famosas figurinhas raras – eram, de fato, raras. E seu dono não só as guardava em casa, como era o único que as podia ver. No caso dos criptocolecionáveis, eles estão disponíveis para qualquer um assistir na web. A diferença é que a tecnologia permite provar a propriedade de um item virtual graças ao blockchain.
Há também uma preocupação com o enorme gasto de energia envolvido na mineração de criptoativos, que exige a resolução de equações matemáticas complexas. No fim de fevereiro, o bilionário Bill Gates e a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, fizeram alertas contra a empolgação do mercado pelo bitcoin.
"A crítica é válida, mas é preciso fazer uma reflexão sobre as vantagens de usufruir os avanços tecnológicos", afirma Quintão. Para ele, uma maneira de reduzir o impacto é compensar as emissões por meio de tokens de crédito de carbono, por exemplo. "Usar o que há de mais moderno em tecnologia ambiental para combater as mudanças climáticas."