Com os temas de ESG cada vez mais em voga nas discussões políticas e econômicas, a Proparco, braço da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) dedicado a apoiar o setor privado em mercados emergentes, está em busca de empresas brasileiras que tenham projetos voltados para redução da desigualdade social e combate às mudanças climáticas.
E o interesse não é pouco. A agência, que é um braço do "BNDES francês" pode destinar mais de Є 200 milhões para financiar projetos ESG em 2023 no Brasil. O montante é uma fatia na casa dos 10% do que o organismo ligado ao governo da França deve investir no próximo ano, algo entre Є 2 bilhões e Є 2,5 bilhões.
"O Brasil é um país chave para a Proparco”, disse Françoise Lombard, CEO global do braço privado da AFD, ao NeoFeed, que visitou o escritório da agência no País, nesta semana. “Os desafios que o País precisa enfrentar estão completamente alinhados com os desafios que a Proparco quer endereçar em nossa estratégia de promover o setor privado.”
A Proparco estabeleceu três áreas como prioridade. Uma delas é o setor de saneamento, em que realizou apenas uma única operação desde que começou a atuar no Brasil, em 2007. Trata-se de um empréstimo de Є 39 milhões para a Aegea, em 2020.
Na visão de Philippe Serres, diretor da Proparco para a América do Sul, o momento é agora propício para aumentar os investimentos em saneamento básico, por conta da aprovação do Marco Regulatório do segmento, em 2020, que facilitou a entrada de companhias privadas em um segmento até então dominado por estatais.
Segundo estimativas da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), devem ser realizados 28 leilões de água e esgoto no Brasil entre 2022 e 2023, com a possibilidade de investimentos contratados de R$ 24,5 bilhões. Até o primeiro trimestre deste ano, foram realizados 16 certames, com R$ 46,7 bilhões de investimentos previstos contratados.
“Existem muitas concessões para acontecer, muitas empresas entrando no segmento”, afirmou Serres. “O BNDES e outros organismos de fomento brasileiros não vão conseguir financiar tudo isso sozinhos. É um setor aquecido e com investimentos interessantes para o futuro.”
Outro segmento em que a Proparco planeja entrar é o de transporte público. O diretor regional da Proparco afirmou que chegou a analisar o projeto da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo, uma Parceria Público Privada (PPP) atualmente tocada pela espanhola Acciona, mas decidiu não seguir em frente, sem entrar em detalhes.
“Transporte público nos interessa por conta do tema da mudança climática”, afirmou Serres. “Já estamos presente nessa área na Colômbia e gostaríamos de estar presentes aqui no Brasil, desenvolvendo novos projetos.”
A terceira área é a de energia limpa. Neste caso, a Proparco já realizou uma série de investimentos e a ideia é seguir investindo. O tema, inclusive, resultou no maior aporte do braço da AFD no Brasil até o momento.
Em 2017, ela aprovou um financiamento de Є 90 milhões para a Enel construir uma usina fotovoltaica. Localizada no município de Tabocas do Brejo Velho, interior da Bahia, a fazenda solar tem capacidade de gerar 550 gigawatts-hora por ano.
Brasil na dianteira
Com mais de 40 anos de existência, a Proparco concentra sua atuação em setores que considera chaves para o desenvolvimento social e ambiental de países em desenvolvimento, como saúde, educação, energia renovável, agronegócio e instituições financeiras.
No ano passado, a agência fechou acordos para investir Є 2,1 bilhões pelo mundo, com o continente africano recebendo 50% do valor. Em seguida ficou América Latina e Caribe, com 18%, Ásia, com 17%, e Oriente Médio, com 12%, e o restante espalhado por outros países.
Presente no Brasil há 15 anos, com um escritório em São Paulo que também cuida de investimentos em países como Argentina e Paraguai, a Proparco já investiu um total de Є 1,3 bilhão em projetos e empresas no País. Ela já financiou 35 projetos e, atualmente, conta com uma carteira de projetos da ordem de Є 460 milhões.
“O Brasil é a nossa maior posição no mundo”, diz Serres. “Você também tem uma estrutura bem estabelecida de PPPs [Parcerias Público Privadas], em que temos bastante incentivo para trabalhar. Tem países emergentes maiores que o Brasil no mundo, mas sem o mesmo nível de sofisticação que se vê aqui.”
Segundo Serres, quase metade dos recursos aplicados pela Proparco no Brasil é através de intermediação financeira, empréstimos a bancos ou aportes em fundos de private equity, para investir em temas e setores que se encaixam na estratégia da agência.
Por meio deste mecanismo, a Proparco fechou uma linha de crédito de Є 70,7 milhões com o Banco ABC, em 2020, para que o banco promova empréstimos a projetos nas áreas de eficiência energética, energias renováveis e biocombustíveis em pequenas e médias empresas.
Através da empresa de private equity Vinci Partners, ela investiu Є 12 milhões na Pró Infusion, uma empresa que oferece serviços de manipulação de medicamentos voltados para quimioterapia.
A companhia chamou a atenção da Proparco e do fundo de impacto social da Vinci por fracionar e distribuir doses exatas de tratamentos, reduzindo desperdício e custos para pacientes. Em maio, a Pró Infusion acabou adquirida pela Viveo, por R$ 256,7 milhões.
A Proparco também atua de forma direta. Um exemplo é a Tereos, do setor sucroalcooleiro, para quem realizou um empréstimo de Є 29,4 milhões, em 2021, para a construção de usinas de biogás, nas operações da companhia em São Paulo, que utilizam vinhaça, resíduo gerado pela produção de etanol, na produção de energia.
“Não queremos apenas promover o incremento de capacidade das empresas, mas gerar impactos sociais ou ambientais”, disse Serres. “Mais do que a empresa, estamos olhando o projeto que estamos financiando dessa empresa.”
Os empréstimos da Proparco são de longo prazo, geralmente entre sete e 12 anos, com um prazo de carência de até três anos. Após este período, além do retorno dos recursos, a Proparco exige um relatório a respeito do que foi feito e os resultados obtidos, seja na redução da emissão de gases poluentes e que contribuem com as mudanças climáticas, ou dos impactos sociais das iniciativas.
Sozinha, a agência pode investir até Є 100 milhões em empresas e projetos, por isso eventualmente recorre a outras agências de fomento europeia, formando sindicatos, para financiamento de valores elevados.
Por ser um organismo internacional, os juros dos empréstimos são estabelecidos levando em consideração a Libor, taxa de referência diária nas transações internacionais, mais uma margem que leva em consideração o risco do País e do projeto.
“O custo é muito baixo, porque os recursos vêm da França, da AFD, que tem pouco risco, então ela consegue captar recursos de longo prazo a custos muito baratos”, afirmou Serres. “Mas o objetivo da Proparco não é competir com os bancos brasileiros, é ser um recurso adicional.”