Uma coisa é provar os vinhos do Chateau Marojallia, a trinta quilômetros de Bordeaux, na França, em um bar, em qualquer restaurante ou na casa de quem quer que seja. Outra coisa é saboreá-los na própria vinícola, considerada a primeira “de garagem” da região do Médoc.
Trata-se de uma experiência restrita a quem se hospeda no castelo da marca — fundada por Philippe Porcheron, em 1999, ela deve muito à consultoria do célebre enólogo francês Michel Rolland. Para reservar as poucas habitações disponíveis, uma delas com direito a mobiliário à la Luís XVI e papel de parede vermelho, é preciso recorrer ao Airbnb.
As diárias custam R$ 949, ou quase o triplo do vinho mais caro da casa, o Marojallia Margaux. O rótulo mais em conta, o Benjamin de Margalaine Haut Médoc, sai por uns R$ 64 (falamos de preços cobrados na França, vale dizer).
Entre uma taça de vinho e outra, os hóspedes podem usufruir de uma irretocável piscina e perambular pelos vinhedos da propriedade. São cerca de quatro hectares repletos de uvas Cabernet Sauvignon e Merlot.
Não é de hoje que o Chateau Marojallia está listado no Airbnb. A partir de agora, no entanto, a plataforma sinaliza quais são as opções de hospedagem mais indicadas para quem é fã de vinhos.
A novidade faz parte de uma reestruturação lançada a tempo do verão no hemisfério norte. Se antes o Airbnb só permitia que os usuários se decidissem entre as cidades na hora de navegar pela plataforma, agora incentiva a pesquisa por meio de mais de 50 categorias — de parques nacionais e microcasas até opções para surfistas e para entusiastas de tintos e brancos.
“A forma de buscar por acomodações é a mesma há 25 anos: você insere um local e datas em uma caixa de pesquisa”, declarou a companhia californiana ao anunciar as mudanças. “A maioria das pessoas só consegue pensar em algumas dezenas de cidades para digitar na caixa de pesquisa, mas existem acomodações no Airbnb em 100.000 cidades ao redor do mundo”.
Agora, a plataforma indica 120.000 propriedades para quem é fã de vinhos. É o caso da Three Brothers Wineries & Estates, situada na região dos lagos Finger, no estado de Nova York (EUA).
Essa dispõe de uma cabana de estilo rústico-chique com capacidade para quatro pessoas — diárias a cerca de R$ 2.5 mil por noite. Os hóspedes têm direito a degustação gratuita de vinhos — um dos hits é o Cabernet Franc Lonesome Stony — e são convidados a explorar o vinhedo de 40 acres.
Na região italiana do Piemonte, sinônimo de Barolos e Barbarescos, a La Rocca encoraja os hóspedes a arregaçar as mangas para participar da pequena produção de vinhos da propriedade — seja na hora da vindima, seja durante o engarrafamento. Cinematográfica, a vinícola-pousada também oferece degustações. Diárias a R$ 554.
A aposta do Airbnb em propriedades ligadas ao universo do vinho não é fortuita. Com imóveis do gênero, a plataforma arrecadou quase US$ 31 milhões em 2021 e somente no Reino Unido.
De acordo com a plataforma Statista, o enoturismo movimentou globalmente US$ 8,7 bilhões em 2020 e a expectativa para 2030 é chegar a US$ 29,6 bilhões. Essas cifras envolvem de passeios a vinícolas até degustações (não incluem gastos com passagens e hospedagens ou com a compra de vinhos em mercados, restaurantes e afins).
Pelas contas da União Brasileira de Vitivinicultura, a Uvibra, o enoturismo verde-amarelo vinha crescendo de 10% a 15% ao ano até 2019. Naquele ano, só Bento Gonçalves (RS), que concentra a produção de vinhos nacionais, recebeu 1,5 milhão de turistas — desnecessário dizer o que motivou as visitas de toda essa gente. A entidade não divulgou dados a respeito da retomada do enoturismo no país.
No Brasil, sobretudo na Serra Gaúcha, o Airbnb lista centenas de hospedagens voltadas para os enoturistas. Convém esclarecer que nem todas as opções enquadradas na categoria “vinhedos” estão localizadas em vinícolas. A maioria, é verdade, situa-se nos arredores delas.
É o caso da Morada Reino Encantado, hospedagem com apenas um quarto e diárias a R$ 772. Encravada na Serra Catarinense, é recomendada para quem quer conhecer as vinícolas da região, a exemplo da Villa Francioni, na gélida São Joaquim (SC).
Resta saber se o Airbnb irá convencer todas as vinícolas que dispõem de algum tipo de acomodação a aderir à plataforma. Situada em Pinto Bandeira, na Serra Gaúcha, a Don Giovanni tem todos os atributos para isso. Com 17 hectares de vinhedos, dispõe de uma charmosa pousada inaugurada em 1997. São sete apartamentos em um casarão de 1930 mais uma cabana a 100 metros de distância — as diárias partem de R$ 690.
No ano passado, a Don Giovanni ganhou mais um atrativo, o restaurante Nature, que já virou um dos mais badalados da cidade. Moderninho, tem capacidade para 60 pessoas e serve pratos inventivos como penne com ragu de cordeiro e crocante de farinha Panko. Todos são harmonizados, obviamente, com os rótulos da vinícola, a começar pelo ótimo espumante Blanc de Noir.
Nômades digitais
A tentativa do Airbnb de cair nas graças dos entusiastas do vinho e de outros perfis de viajantes, como surfistas e esquiadores, também se deve ao modelo híbrido de trabalho — que muita gente enxerga como um dos poucos legados positivos da pandemia.
Com o fim da obrigatoriedade de ir aos escritórios, muita gente passou a conciliar turismo e trabalho sem nenhum conflito. É o que explica o fato de o Airbnb — conhecido pelas estadias curtas, sobretudo a passeio — ter registrado mais de 100.000 reservas de 90 dias ou mais entre setembro de 2020 e setembro de 2021.
No terceiro trimestre do ano passado, uma em cada cinco hospedagens duraram pelo menos 28 dias. E a metade delas foi de no mínimo uma semana, o que representa um crescimento de 44%.
Favorável à tendência, por motivos óbvios, a plataforma criou o que chama de Estadias Combinadas. Trata-se de um recurso que divide as estadias em mais de uma acomodação.
CEO da companhia, Brian Chesky aproveitou o anúncio desses dados para revelar que não tem mais endereço fixo desde janeiro. Ele pretende trocar de cenário de tempos em tempos, sempre se hospedando em imóveis listados na plataforma, e retornar só vez ou outra à sede da empresa, em São Francisco (EUA).
O que ele fez foi aderir ao chamado nomadismo digital. Cerca de 35 milhões de pessoas, estima-se, vivem de acordo com essa tendência atualmente. Nos Estados Unidos, a quantidade de adeptos saltou de 7,3 milhões, em 2019, para mais de 15,5 milhões.
Cerca de quinze países oferecem vistos específicos para estrangeiros que desembarcam com o intuito de se entregar ao turismo e trabalhar remotamente — o Brasil entrou para o grupo em janeiro.
Para quem quer trabalhar remotamente com vinhedos como pano de fundo, agora ficou bem mais fácil.