Quando tocou o sino da Bolsa de Nova York (Nyse), na cerimônia que marcou a abertura de capital da VTEX na bolsa de valores na manhã desta quarta-feira, 21 de julho, um jornalista colombiano observou Geraldo Thomaz, cofundador e co-CEO da plataforma brasileira de comércio eletrônico, olhando para o teto do ‘ballroom’.
“Eu estava realizando que a gente chegou em um lugar bastante imprevisível a partir de onde começamos. Eu estava começando a imaginar que outros lugares imprevisíveis a gente vai chegar daqui a cinco, dez anos”, disse Thomaz, ao NeoFeed, relembrando aquele momento.
Minutos depois de tocar o sino, as ações da VTEX começaram a ser comercializadas e subiram 36%. Depois recuaram e, por volta das 16 horas, estavam ainda em alta de mais de 20% - o valor de mercado, nesse patamar, era de US$ 4,5 bilhões, mais do que a brasileira Totvs, que negocia na brasileira B3.
Com uma demanda que superou o book em mais de 20 vezes, a captação de US$ 361 milhões, sem levar em conta o lote suplementar, teve lances inusitados. Um deles é que os principais investidores, como Tiger Global, Softbank, Constellation e Long Pine, fizeram novas alocações, em vez de venderem suas participações. “Todos entraram no IPO com força, vontade e convicção. Estamos muito felizes que teve um ‘extra commitment’”, diz Thomaz.
Nesta entrevista ao NeoFeed, Thomaz fala dos planos da VTEX a partir de agora. Ele diz que boa parte dos recursos vão ser usados na América Latina, mas que a companhia começa a plantar uma semente para ganhar o que ele chama de ‘momentum’ nos Estados Unidos daqui a cinco anos.
Uma amostra da importância do mercado americano é que tanto ele, como Mariano Gomide, o outro fundador da VTEX, mudaram-se para os Estados Unidos, de onde passarão a liderar a companhia.
“O Jeff Bezos (fundador da Amazon) disse uma coisa muito boa: a cabeça e as ações de um CEO e de um empreendedor estão cinco anos na frente”, afirma Thomaz. “Vamos errar aqui (nos EUA) à beça, vamos fazer um monte de besteira, mas vamos chegar a algum lugar.” Confira os principais trechos da entrevista:
A faixa de preço das ações da VTEX era entre US$ 15 e US$ 17 e saiu a US$ 19. Isso é um sinal de que a demanda foi muito alta. Quanto foi?
A demanda foi de mais 20 vezes. Foi bastante expressiva.
E quais foram os fundos que entraram?
O mais legal é que a maioria dos nossos atuais investidores comprou no IPO. Normalmente, se vende. Eles botaram ordem: a Constellation, o Softbank, a Tiger Global e Long Pine. Todos entraram no IPO com força, vontade e convicção. Estamos muito felizes que teve um ‘extra commitment’.
Quanto está entrando para o caixa da empresa?
Depois dos fees, deve entrar aproximadamente US$ 250 milhões.
Vocês tocaram o sino hoje na Nyse e festejaram. E agora?
Sim, festejamos muito. Agora, eu espero atrair mais talentos, ter financiamento mais barato, converter mais clientes por conta da credibilidade que isso vai trazer, com uma narrativa mais precisa do futuro que a gente quer criar, tanto para o investidor, tanto para as empresas, como para os clientes.
E como vocês pretendem gastar esse dinheiro?
Nós somos uma plataforma de comércio eletrônico para grandes empresas. A nossa próxima fase é ser uma plataforma no sentido de viabilizar conexões entre todos os participantes da rede. E vamos crescer organicamente, contratando talentos de vendas, marketing e de produtos, para ser a plataforma de referência na América Latina. E vamos criar as condições para começar o ‘momentum’ fora da América Latina. Inicialmente na Europa e nos Estados Unidos.
Hoje, a VTEX tem mais de 2 mil clientes e presença em 32 países. Mas a participação desses clientes ainda é majoritariamente na América Latina?
Sim, 94% da nossa receita vem da América Latina e 57% do Brasil.
Então, o desafio agora é a Europa e os Estados Unidos?
O desafio agora não é a nossa participação, mas o quanto a gente é relevante nesses mercados. Vamos ser mais relevantes na América Latina. É onde a gente está gastando a maioria dos nossos esforços da nossa próxima fase. De maneira disciplinada, vamos plantar a semente para criar ‘momentum’ fora. Estamos construindo a base para fora da América Latina.
A VTEX é conhecida por ser uma plataforma de comércio eletrônico. Vocês pretendem agregar novos recursos ou outras áreas para criar novas avenidas de crescimento? Estão nos planos serviços financeiros?
Não. Temos uma trilha muito monótona, por sinal. Quero dizer, monótona na estratégia. A gente segue a mesma estratégia desde 2010, que é ser uma plataforma de comércio eletrônico para grandes empresas. Vamos continuar nessa toada e, eventualmente, algum dia, a gente vai ser a mais relevante.
Com o dinheiro que está entrando no caixa estão previstas aquisições?
Sempre fizemos M&As quando encontramos times bons e talentosos. Mas isso nunca foi muito relevante no uso de nossos recursos. E vai continuar assim. A maioria dos recursos é para crescer o time. Hoje, temos um pouco mais de 1,3 mil pessoas. No começo do ano passado, era um pouco mais de 800 pessoas. Estamos crescendo o time rapidamente.
O Mariano Gomide, o outro fundador da VTEX, mudou-se para os Estados Unidos no ano passado. Onde você está baseado?
Eu estava no Rio de Janeiro e me mudei para os Estados Unidos esse ano. Eu e Mariano sempre trabalhamos muito separados geograficamente. Sempre foi uma divisão muito boa de responsabilidades. Eu entendo mais de produto. O Mariano, de vendas. Agora que crescemos, a gente acha importante que estejamos mais perto geograficamente para comunicarmos o futuro da empresa para todos os stakeholders de forma muito mais alinhada e precisa.
"Vamos criar as condições para começar o ‘momentum’ fora da América Latina. Inicialmente na Europa e nos Estados Unidos"
O fato de vocês dois estarem nos Estados Unidos não sinaliza que vocês querem ganhar relevância e mais participação nos Estados Unidos?
O Jeff Bezos (fundador da Amazon) disse uma coisa muito boa: a cabeça e as ações de um CEO e de um empreendedor estão cinco anos na frente. Vamos errar aqui (nos EUA) à beça, vamos fazer um monte de besteira, mas vamos chegar a algum lugar.
E o que vocês esperam do mercado americano daqui a cinco anos?
Daqui a cinco anos, esperamos começar a ter ‘momentum’ para daí acelerar, como estamos fazendo na América Latina, e ser a plataforma mais relevante. Os Estados Unidos são o mercado mais difícil. A fase de ganhar ‘momentum’ na Argentina, por exemplo, demorou quatro anos. Na Colômbia, quatro anos. Não vai ser mais fácil nos Estados Unidos. Então, vamos ganhar o ‘momentum” nos Estados Unidos nos próximos cinco anos. E daqui esperamos montar um grande ecossistema. Esse é o nosso sonho grande.
Por que vocês resolveram abrir o capital nos Estados Unidos?
Somos uma empresa que temos um pouco mais da receita no Brasil. Somos uma empresa de fato multinacional. E mais do que é isso: a nossa ambição é ser ainda mais multinacional. Então, nada mais natural do que abrir o capital onde as empresas multinacionais abrem.
A questão de classes de ações, em que vocês podem manter o controle da companhia sem necessariamente ter o controle econômico, influenciou na decisão?
Eu diria que se a gente tivesse considerado listar no Brasil, e não tivesse essa capacidade, não listaríamos no Brasil. Mas nem foi por isso que decidimos abrir o capital nos Estados Unidos. Viemos para cá para acessar os investidores que apostam em empresas globais. Esse é o maior objetivo. Essa questão do “supervoting” é muito importante para a fase que a empresa e que o mercado estão. Tem muita volatilidade que vai acontecer e muitas decisões que vamos ter de tomar, que não são óbvias. E a gente precisa desse reforço na governança para tomar as decisões ousadas sem gerar ruídos desnecessários na nossa operação.
Como foi seu dia hoje?
Teve um jornalista colombiano que estava aqui que me perguntou: eu vi você olhando o teto do ‘ballroom’ da Nyse. Eu estava realizando que a gente chegou em um lugar bastante imprevisível a partir de onde começamos. Eu estava começando a imaginar que outros lugares imprevisíveis a gente vai chegar daqui a cinco, dez anos. Foi um dia de criação de possibilidades.