BERLIM - Tão meteórica quanto a sua ascensão foi a queda da Research In Motion (RIM), empresa canadense de tecnologia pioneira no mercado de smartphones nos anos 1990. Toda a dramática trajetória da companhia, a primeira que conseguiu combinar telefone e computador no mesmo dispositivo, é revisitada agora no filme “BlackBerry”.
Um dos concorrentes ao Urso de Ouro nesta 73ª edição do Festival de Cinema de Berlim, o longa-metragem resgata um período de pouco mais de dez anos, de 1996 a 2007. O espectador acompanha o estouro da RIM, com os primeiros telefones capazes de enviar e receber e-mails, assim como mensagens instantâneas, até o seu icônico BlackBerry começar a sucumbir diante da concorrência.
“O celular que todo mundo tinha antes de comprar um iPhone”, resume um dos personagens do filme, que é funcionário da empresa. Com sede em Waterloo, na província de Ontario, a RIM chegou a responder por 45% de market share na América do Norte, mas acabou destronada. Parou de fabricar celulares em 2016, para focar em software, e fechou definitivamente as portas em janeiro do ano passado.
Ainda sem data para estrear no Brasil, o filme captura a transição tecnológica vivida na década de 2000. Embora o BlackBerry tivesse conquistado o coração de uma legião de fãs, sobretudo entre executivos e políticos, com o dispositivo que apresentava um teclado físico, ele foi ultrapassado. Primeiro com a chegada da tela sensível ao toque dos iPhones da Apple e, pouco depois, com os aparelhos das concorrentes que usam o sistema operacional Android, do Google.
O roteiro é baseado no livro lançado por Jacquie McNish e Sean Silcoff, em 2015, Losing the Signal: The Untold Story Behind the Extraordinary Rise and Spectacular Fall of BlackBerry. Na tradução: “Perdendo o sinal: a história não contada por trás da ascensão extraordinária e da queda espetacular do BlackBerry”.
“O livro fez a maior parte da pesquisa para nós, além de algumas outras fontes que consultamos”, conta Matt Johnson, o diretor de “BlackBerry”, em Berlim. Ele conversou com vários funcionários da RIM da década de 1990, antes de escrever o roteiro, em parceria com Matthew Miller.
“Mas há um pouco mais sobre a ascensão da RIM do que sobre a sua queda”, admite Johnson, em encontro com a imprensa, no hotel Hyatt. Natural de Toronto, o cineasta não esconde que o seu maior interesse sempre foi destacar a inventividade da empresa canadense.
Até porque muitos já tinham tentado criar um telefone capaz de acessar a internet. Mas ninguém no mundo da tecnologia tinha conseguido fazer isso de forma bem-sucedida – o que aumenta a importância da RIM, responsável por lançar o conceito de um aparelho inteligente.
A ação tem início no ambiente nerd e descontraído na companhia fundada por Mike Lazaridis (vivido por Jay Baruchel) e Doug Fregin (interpretado pelo próprio Johnson). A dupla está com uma invenção revolucionária nas mãos, capaz de mudar mundialmente a maneira como as pessoas se comunicam, mas eles não sabem como vendê-la.
O projeto só sai do papel graças ao envolvimento do empreendedor Jim Balsillie (Glenn Howerton), formado em Harvard. É ele quem traz investimento e a experiência comercial para fazer o novo dispositivo decolar. Balsillie também traz os melhores engenheiros da Microsoft para garantir o sucesso da operação.
É sob a pressão de Balsillie que os dois inventores finalmente conseguem montar um protótipo do dispositivo para apresentar aos CEOs das empresas de telefonia. Balsillie ainda toma frente quando surgem outros desafios, como a rápida expansão da base de usuários. “Durante o desenvolvimento do projeto, não procurei as três figuras centrais dessa história (Lazaridis, Fregin e Balsillie). Mas gostaria de saber a opinião deles, quando assistirem ao filme”, afirma Johnson.
Conforme “BlackBerry” recapitula nas telas, o sonho do trio chega ao fim, quando eles se recusam a acreditar que o mercado vai se dobrar diante da inovação da Apple, com uma tela sensível ao toque dos dedos e um browser mais eficiente – o que acabou atraindo o consumidor comum, indo além do segmento empresarial.
Por não estarem abertos a mudanças, inicialmente eles não querem fabricar dispositivos equipados com tela touch. Em parte, por teimosia, sobretudo de Lazaridis, que continua muito apegado à ideia do teclado físico que a marca lançou.
E quando finalmente a empresa aceita o inevitável e resolve se adaptar, ao se sentir ameaçada com o crescimento rápido do iPhone, já era tarde. O seu celular com tela touch, batizado de Storm, lançado em 2008, foi um fiasco. Um dos problemas foi que a RIM insistiu em dar ao usuário a sensação de que ele apertava uma tela (fazendo referência ao teclado físico), o que não deu certo.
É por isso que o anúncio daquela manhã de 9 de janeiro de 2007, quando Steve Jobs revela ao mundo o seu aparelho revolucionário, é relembrado no filme. Todos da RIM estão boquiabertos, enquanto assistem à apresentação da rival no telão do escritório. Mesmo que os personagens ainda não saibam, a chegada do iPhone será a sentença de morte do BlackBerry.