A transformação dos negócios pela revolução digital deixou de ser uma tendência e já é uma realidade. O desafio para uma empresa criada no mundo analógico, se deslocar para o digital, é enfrentar e vencer diversas barreiras, que vão do seu mindset e cultura, às mudanças, muitas vezes, significativas em seus modelos de negócio, organização e processos.
É uma jornada. A transformação digital não é um fim em si mesmo, mas o meio que irá permitir a empresa atuar de forma ágil, adaptável e flexível para atender às demandas de um ambiente de negócios altamente volátil, incerto, ambíguo e complexo.
O primeiro passo é avaliar quão digital ou analógica está a empresa. Por exemplo, seus ativos e produtos. Avalie quais são os mais importantes hoje e quão intangíveis (ou digitáveis) eles são ou poderão ser, e quanto de esforço (tempo e investimento) está sendo feito para o seu deslocamento do tangível para o intangível.
Um exemplo comum, mas aplicável, é a diferença nos modelos de negócio de hospedagem entre uma rede hoteleira tradicional como Hyatt e uma digital, a exemplo do Airbnb. Esta última é valorizada pelo seu ativo intangível, a capacidade de criar uma rede de conexões entre pessoas que querem usar um local e as que se dispõem a alugá-los.
A primeira barreira a ser ultrapassada é o modelo mental da organização. Uma empresa tradicional tem o mindset mais fechado, colocando-se no centro e vendo seus clientes como consumidores de seus produtos. Não os imaginam como cocriadores. Mantém uma organização em silos, muitas vezes com hierarquia rígida e modelos de governança de comando e controle.
Seu corpo executivo olha a tecnologia digital apenas como suporte às suas operações. A área de TI geralmente está no segundo ou terceiro escalão da organização e o CIO praticamente não tem acesso fácil e contínuo ao CEO e nem faz parte do board.
O corpo executivo define o budget de TI e depois solicita ao CIO que ele faça seu plano dentro do budget a ele alocado. Inovação é relegada a um segundo plano e novas ideias são quase sempre suprimidas pela hierarquia. Um modelo de negócio disruptivo é visto como heresia.
Um sinal de quão fechada é uma empresa é olhar sua declaração de missão: se estiver muito centrada em uma determinada indústria ou produto é claramente uma empresa fechada. Temos aí um longo e árduo trabalho de transformação.
Uma vez que a barreira do modelo mental começa a ser quebrada, é necessário definir uma estratégia coerente para o mundo digital. O mundo dos negócios está cheio de exemplos de empresas robustas que não enxergaram, ou mesmo enxergando, não reagiram a tempo de evitar mudanças no cenário de negócios que simplesmente a engoliram.
A Kodak é um exemplo. A empresa identificou claramente a transição para tecnologia digital (ela inventou a câmera digital), mas desenhou uma estratégia de manter seu bem-sucedido negócio tradicional, tentando retardar ao máximo a transição do mercado. Infelizmente, o mercado não esperou por ela. A Kodak existe hoje, mas não mais no negócio de fotografias.
A transição para o mundo digital demanda que a empresa aloque em sua estratégia investimentos e tempo para ações concretas e inadiáveis nesta direção. De maneira geral, a maioria das empresas mantém seus orçamentos estratégicos na manutenção dos modelos atuais, com muito pouco investimento nas transições para novos modelos.
Alocam continuamente os recursos aos mesmos negócios, ano após ano, dificultando em muito o redesenho estratégico da organização e qualquer mudança de rumo. É um risco à sua sobrevivência em uma era de mudanças abruptas.
Sem comprometimento da alta direção, nenhuma estratégia digital é proposta e muito menos colocada em prática
Mas, além da estratégia, para manter o ritmo de mudanças é fundamental que a liderança da corporação esteja plenamente engajada com a transformação digital. Sem comprometimento da alta direção, nenhuma estratégia digital é proposta e muito menos colocada em prática.
O líder do mundo digital tem que pensar diferente do modelo de controle e de organização top-down para ser mais aberto, exercendo papel de facilitador e não de comandante supremo. Os executivos devem ser fluentes digitais. Não significa que eles vão programar em Python, mas têm que ter a clara percepção dos impactos das tecnologias digitais nos seus negócios, e os riscos das decisões que tomarem em relação a elas.
A maioria dos CEOs já tem uma longa lista de prioridades, e relativamente poucos se sentem confortáveis o suficiente com a tecnologia digital para promover mudanças transformadoras nas suas empresas. Mesmo alguns CEOs que já estão sintonizados com a ameaça da disrupção digital e estão pensando em como suas empresas podem criar valor no mundo cada vez mais digital, tendem a desconsiderar a importância da função de TI nessa jornada.
Muitas vezes, os CIOs não são incluídos nas discussões estratégicas, onde poderiam ajudar a moldar o pensamento de outros executivos sobre como a empresa pode usar melhor a tecnologia. Os CEOs estão em uma posição ideal para corrigir isso. Nas empresas que conseguem fazer a transição para o digital com sucesso, os CEOs definiram um papel estratégico para a função de TI.
Isso implica que não é mais suficiente alinhar TI com o negócio, mas TI passa a ser o negócio. Ou seja, as discussões estratégicas passam pelo uso de tecnologias e seus efeitos nos processos e modelos de operação e negócio. Investimentos em tecnologia passam a ser discutidos com mais prioridade e questões antes relegadas a segundo plano, como plataformas tecnológicas modernas e contratação e retenção de talentos digitais adequados passam a ser discutidos nas estratégias.
O potencial da tecnologia digital para mudar a jornada e o consequente destino de uma empresa é simplesmente grande e importante demais para os CEOs não assumirem a plena integração da tecnologia com os negócios. Os CEOs que influenciam e moldam ativamente as funções de tecnologia de suas empresas podem posicioná-las para potencialmente serem bem-sucedidas em uma economia movida a bits.
Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.