Investir no cenário atual, de juros e inflação alta no Brasil e no mundo, não é tarefa simples para ninguém. Que o diga Eduardo Cotrim, gestor e sócio da JGP, gestora fundada por um dos principais traders do País, André Jakurski, e que tem mais de R$ 34 bilhões sob gestão.
Com 27 anos de experiência no mercado, Cotrim é um dos responsáveis pela gestão de estratégias de juros e moedas nos fundos multimercados da JGP e diz que nunca viu um cenário parecido.
Lá fora, as principais economias do mundo estão lidando, pela primeira vez em quase 40 anos, com inflação em alta. E o Brasil, embora acostumado com esse tipo de situação, está tendo que enfrentar os efeitos das medidas altamente estimulativas da política monetária, adotadas para ajudar a economia na pandemia.
“Temos tido muitas surpresas de inflação e isso tem atrapalhado bastante, a gente não consegue ter um call diante dos preços atuais”, diz Cotrim, ao NeoFeed.
Ele conta que começou o ano com uma estratégia que consistia em tomar juros no Brasil e apostar na valorização do dólar contra o real. Mas, com o Fed prometendo um duro ciclo de alta dos juros logo no começo do ano e a Rússia invadindo a Ucrânia, ele e seus colegas tiveram que reavaliar as posições e premissas.
Diante desse cenário atual, Cotrim está com uma visão favorável ao real. Segundo ele, mesmo com o dólar voltando a ser cotado na casa dos R$ 5,00, depois de ficar abaixo de R$ 4,60 no começo de abril, a moeda brasileira tem potencial de se valorizar frente à divisa americana, graças aos juros altos no Brasil e a alta dos preços das commodities.
“Tem o risco de o dólar forte ficar forte demais lá fora, com o real desvalorizando um pouco, tem alguma possibilidade de ruídos pré-eleição", diz Cotrim. "Mas, de maneira geral, a gente acredita que, nessa região de R$ 5,15 a R$ 5,30, parece ser mais interessante você ter real na sua carteira, com esse juros que a gente tem, do que ter dólar.”
Mesmo diante do cenário atual, a JGP vem conseguindo lidar com as dificuldades. No acumulado do ano, o JGP Strategy, principal fundo entre os multimercados da gestora, registra alta de 4,79%.
Na conversa com o NeoFeed, Cotrim também avalia a reação do Banco Central durante a pandemia e os esforços para baixar a inflação, que segundo ele está atingindo seu pico e deve começar a desacelerar daqui para frente.
Ele também comenta sobre as eleições presidenciais, vendo pouca aderência do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à agenda de controle de gastos, embora entenda que o atual mandatário tem uma agenda que agrada mais ao mercado.
Acompanhe os principais trechos da entrevista:
Qual a sua visão para a inflação e sobre o trabalho do Banco Central para baixá-la?
A gente enfrentou uma série de choques inflacionários de várias naturezas, domésticos e importados. Domesticamente, no ano passado, tivemos questões políticas que dificultaram a nossa moeda a apreciar. O câmbio ter ficado muito alto já atrapalhou um pouco o processo de condução da política monetária. Tivemos a crise hídrica, que teve impacto significativo no preço de energia. Tivemos ainda a La Niña, que fez com que o preço das commodities ficasse mais alto. Também tivemos uma taxa de juros muito baixa, com o medo de uma recessão que viria por causa da Covid-19, e que levou os juros para 2% ao ano, com medo que o pior acontecesse. O Banco Central fez bastante coisa. É inimaginável pensar que a gente estava com juros de 2% ao ano e que agora a gente está com juros de 12,75%, quase um ano depois. A gente não pode chamar o BC de leniente, ele está fazendo um trabalho muito grande, mas as surpresas inflacionárias recentes estão atrapalhando a gente ver o impacto do trabalho que o BC fez.
Você acha que o BC errou na política monetária? Muitos economistas criticam o fato de ele ter levado o juro real para o campo negativo no ano passado.
Eu brinco que a gente teve uma falta de sorte de entrar na pandemia com os menores juros que já tivemos na vida, porque quando os juros estavam a 4% ao ano, o BC poderia ter dito “olha, a minha parte eu já fiz”. Mas naquele momento de “coronavaucher”, com todos os BCs caindo, você não sabendo direito o que estava acontecendo, o BC tinha que dar a contribuição dele. Ele levou os juros a 2% ao ano e a gente sabe que, por consequência, visto depois que juros de 2% era muito baixo, fez com que a nossa moeda ficasse muito depreciada. E essa combinação de dólar acima de R$ 5 e juros acima de 2% resultou em pressões inflacionárias. Mas quando o BC reconheceu esta situação, o processo de retirada de estímulos, dentro do possível, foi um processo relativamente rápido.
Diante desta situação, o que vocês estão imaginando para a trajetória da Selic e da inflação neste ano?
Nós projetamos que a inflação deve estar fazendo pico por agora. Vimos uma série de surpresas inflacionárias, apesar de a atividade estar forte, de ter muita pressão de custos. Acreditamos que parte do trabalho que o BC fez nos próximos dois, três meses vai começar a surtir algum efeito. Não podemos esquecer que as piores expectativas de inflação para esse ano estão na casa dos 9%, por exemplo. A inflação do ano passado foi mais alta do que isso e a expectativa de inflação para o ano que vem é de 5,8% para baixo. A gente tem um processo, em princípio, de desinflação, mas a meta do ano que vem é uma meta de 3,25%, então, o BC vai demorar mais para reduzir os juros para que se comece a ter expectativas de inflação indo para a meta. Quando o BC estiver fazendo política monetária já olhando para o horizonte de 2024, vamos ver as expectativas ancoradas para um nível de juros bastante alto, então provavelmente vamos ter juros reais bastante altos e isso vai ajudar a segurar a inflação.
"A gente teve uma falta de sorte de entrar na pandemia com os menores juros que já tivemos na vida"
O real começou o ano com desvalorização, mas agora o movimento se inverteu. Acabou o encanto pelo Brasil que vimos no início do ano?
Essa recente piora que aconteceu do real foi acompanhada por um movimento forte do dólar no mundo, se fortalecendo contra outras moedas. Outras moedas se desvalorizaram bastante, como o yuan. Olhando para uma janela de mais médio prazo, o BC não deve reduzir os juros tão cedo. A Selic deve ficar alta por um bom tempo e isso ajuda bastante a moeda. Além disso, o cenário que a gente tem de commodities é de preços para cima. Nós somos exportadores de commodities e os termos de troca favorecem muito o Brasil atualmente. Tem o risco de o dólar forte ficar forte demais lá fora, com o real desvalorizando um pouco, tem alguma possibilidade de ruídos pré-eleição, mas de maneira geral a gente acredita que, nessa região de R$ 5,15, R$ 5,30, parece ser mais interessante você ter real na sua carteira, com esse juros que a gente tem, do que ter dólar. Entendemos que poderia ser mais para baixo a cotação do real.
No cenário internacional, temos a guerra na Ucrânia, a China fazendo lockdowns para conter a ômicron, o Fed realizando alta de juros. Como vocês analisam estas situações e quais as consequências para a economia global?
Eu tenho 27 anos de experiência no mercado, eu nunca vi inflação significativa em país desenvolvido. São praticamente 40 anos que não vemos inflação alta em país desenvolvido. A última vez foi no choque do petróleo, no fim dos anos 1970, e você teve na época o presidente do Fed, Paul Volcker, levando os juros nos Estados Unidos a 17%. Desde então, vivemos um período de grandes quedas nas taxas de juros. Tivemos a crise financeira de 2008, em que os bancos centrais realizaram todos os estímulos possíveis e imagináveis para tentar salvar as instituições financeiras, as economias, e a inflação não apareceu. Agora, em 2020, depois da pandemia, a gente está começando a ver inflação pela primeira vez. Tem questões estruturais e conjunturais, e essas questões conjunturais podem não levar seis meses, mas demorar dois ou três anos para se resolverem. Tem uma frase que costumo dizer que é, sem inflação, os bancos centrais fazem o que querem. Com inflação, eles fazem o que podem. É o que vimos aqui no Brasil. No começo do processo de subida da Selic, o BC disse que faria um ajuste parcial, e você achava que ele levaria os juros de 2% para 5%. Um ano depois, você vê que ele teve que levar os juros de 2% para 13% e não consegue parar, porque a realidade se impõe e é preciso fazer mais.
Você imagina um movimento à la Volcker, de forte aumento dos juros, vindo por aí?
Não, não imagino. A inflação americana parece ter feito pico em 8,5%, não imagino um processo de descontrole inflacionário, nem nada disso. A meta do Fed é uma inflação entre 2% e 2,5%, e eu acho que a inflação vai descer de 8,5% porque parte disso é um baita choque de energia, de alimentos, que vão se reverter em parte. Não imagino que a inflação americana seja “daqui para cima”, acho é “daqui para baixo”. Só que o “daqui para baixo” talvez seja de 8,5% para 4,5%. E isso não é o que o Fed quer. O que eu vejo é a inflação americana fazendo pico, descendo para uma região de 4% a 4,5% e o Fed vai ver que isso não é suficiente e vai querer baixar ainda mais a inflação e talvez tenha que fazer um processo de subida de juros um pouco mais longo que o imaginado hoje.
"Tem uma frase que costumo dizer que é, sem inflação, os bancos centrais fazem o que querem. Com inflação, eles fazem o que podem. É o que vimos aqui no Brasil"
Considerando este cenário, como a JGP está elaborando estratégias para juros, câmbio? O que vocês estão sugerindo, o que estão fazendo?
É muito difícil fazer um call, olhando para os preços de renda fixa, que os juros vão subir muito mais. Estamos há algum tempo tentando pegar o ponto de inflexão, quando todo esse trabalho feito pelo BC vai mostrar resultado, vai começar a gerar efeitos sobre a inflação e a inflação vai fazer “topo” e começar a cair. A gente acha que o mercado de juros está bem precificado e que não tem perspectiva de o BC reduzir os juros tão cedo. No câmbio, na região de R$ 5,15 a R$ 5,30, se o mercado internacional acalmar um pouco, a gente acha que o real pode ser uma boa aposta. E a gente tenta oportunamente ficar tomado em juros lá fora, à medida que o mercado permita. Eventualmente, se tiver alguns rebotes lá, a gente tem um viés de operar vendido nas bolsas americanas.
Voltando ao Brasil, as eleições estão se avizinhando e os dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, não estão fazendo discursos muito alinhados ao ajuste fiscal e ao controle das contas públicas. Isto é um risco para a situação fiscal do País?
A impressão que eu tenho é que o nível de populismo do Bolsonaro, principalmente com o Paulo Guedes ao lado dele, é mais contido que o nível de populismo de um governo de esquerda, de um PT, por exemplo. Não podemos dizer que o teto de gastos no último ano foi respeitado, mas podemos dizer que o arcabouço do teto de gastos foi super importante para conter esse ímpeto populista, de forma que o que nós estamos gastando a mais do que o teto original permitia é muito menos o que veio de surpresa com a arrecadação. Tanto que vamos terminar o ano com uma relação entre a dívida e o PIB de cerca de 80%, algo que há um ano e pouco imaginávamos que seria perto de 100%. A surpresa de arrecadação foi tão grande no último ano, um ano e pouco, que se não tivéssemos o arcabouço do teto de gastos, provavelmente os políticos de Brasília teriam caído muito mais em cima dessa arrecadação. O PT fala claramente em acabar com o teto de gastos e não ter isso. Não acho que vamos ter o mesmo regime fiscal que tivemos no final do governo Temer e começo de governo Bolsonaro até a pandemia [em 2023]. Mas parece que, dentro da agenda que o mercado gosta, Bolsonaro com Paulo Guedes ainda é uma agenda mais amigável para os mercados.
Em que patamar vocês acham que o câmbio fecha 2022?
Tem duas frases sobre o mercado de câmbio. A primeira é que o mercado de câmbio foi criado para dar humildade aos economistas. A segunda é que o mercado de câmbio, mesmo depois que ele acontece, é difícil explicar o que aconteceu. Vamos voltar um pouco e ver o que aconteceu. O câmbio começou o ano a R$ 5,50 no Brasil. Você não sabe o que acontece com o câmbio. Aí eu digo que, no primeiro trimestre, o Fed fez um discurso super altista e o mercado, que não precificava essa alta, começou a precificar um monte de alta de juros. A bolsa americana, que chegou a estar em 4,8 mil pontos num momento, no meio do trimestre, chegou para 4,6 mil pontos. Te digo que a Ucrânia foi invadida pela Rússia, que o preço do petróleo pulou para US$ 130 o barril. Aí eu te pergunto: para onde vai o câmbio no Brasil? Você não iria responder que terminou o trimestre em R$ 4,60, você diria que estava em R$ 6,20, R$ 6,60 e olhe lá. Mesmo se você me dissesse o aconteceu com todos os outros ativos, em 31 de dezembro, talvez o meu call de câmbio fosse errado, bem errado. [risos]