Após ter batido recorde em junho, quando superou a marca dos 130 mil pontos, embalado pelo otimismo com a vacinação, o Ibovespa engatou a ré. Desde então, o principal índice de ações da B3 acumula desvalorização de 17,6% e está de volta à casa dos 107 mil pontos.

Sinal de que a Bolsa está barata e é hora de comprar? A resposta é não, na opinião de gestores que participaram de um painel promovido pelo BTG Pactual no fim da tarde desta quinta-feira, 21 de outubro.

Para eles, os fatores que levaram o mercado a cair novamente devem continuar persistindo por mais tempo, como a alta dos juros para controlar a inflação, que deixa a renda variável menos atrativa, e a instabilidade política, que tende a piorar com a eleição presidencial cada vez mais próxima.

A última “pancada” que o Ibovespa tomou veio de Brasília. Na quarta-feira, 20 de outubro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou que planeja um auxílio de R$ 400 mensais para a população vulnerável até o fim de 2022 e admitiu que pode ser necessário criar uma "licença" para gastar mais e furar o teto dos gastos - o que aumentou o receio dos investidores com um novo período de descontrole fiscal, alimentado por interesses eleitorais.

"Era esperado que, em ano de eleição, com um governo de popularidade baixa e uma inflação rodando a 10%, houvesse alguma utilização do fiscal, mas não nessa velocidade e não dessa forma”, afirmou Leonardo Linhares, diretor da SPX Capital, gestora de Rogério Xavier e que tem mais de R$ 30 bilhões sob gestão.

Para Linhares, “a discussão mal começou e começou muito mal”, sem que haja uma perspectiva de melhora em 2022. “Se a gente não resolver essas incertezas - e provavelmente não vamos resolver, porque não vamos entregar reformas em ano de eleição - isso vai se perpetuar. Na relação de risco e retorno, temos de ser cautelosos.”

Com o aumento da percepção de risco fiscal e a aceleração da inflação, as projeções para a Selic estão cada vez mais altas. Entre economistas, as estimativas já chegam à casa dos 9%, como é o caso de Carlos Kawall, diretor da Asa Investments, e Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse no Brasil. No mercado de renda fixa, os contratos mais longos já operam com um juro acima de 10%.

O gestor Paolo Di Sora, diretor de investimentos da RPS Capital, que tem R$ 3 bilhões sob gestão, olha para esse cenário e se sente “desanimado” com o mercado de ações brasileiro. “Quando faço a conta dos juros, não acho que a Bolsa esteja barata”, diz o gestor, que tem preferido apostar em papéis de empresas estrangeiras.

No Brasil, ele acredita que as companhias ligadas a commodities conseguem fugir a regra geral e estão “muito baratas” em relação ao que podem valer. “Mas uma das maiores empresas é estatal (Petrobras) e não sabemos quem será o próximo presidente”, pondera.

Mas nem tudo está perdido. O gestor Márcio Roberto Correia, sócio da JGP Gestão, que administra cerca de R$ 30 bilhões e tem André Jakurski como um dos fundadores, concorda que, sob o ponto de vista macroeconômico, o cenário sugere uma postura pessimista. Ele, no entanto, ressalta que em uma análise microeconômica, há empresas de qualidade que foram deixadas de lado e estão "muito baratas", sem citar nomes.

Segundo ele, é comum que as projeções macroeconômicas se mostrem erradas com o tempo e isso fica claro quando se compara o desempenho de fundos com o Ibovespa em prazos mais longos. "Nós começamos em 2008 e estamos com uma performance de 800%, contra 30% para a Bolsa. E vários outros fundos também."

Ainda assim, Correia reconhece que o cenário pede cautela. Ao ser questionado pela plateia sobre que recomendações de alocação faria, ele disse que, para um investidor menos agressivo, é prudente manter uma boa parcela do dinheiro “em caixa”, esperando, sem pressa, que boas oportunidades apareçam.

“Um dos maiores investidores de longo prazo de todos os tempos, o Seth Klarman, tinha um retorno sensacional carregando 30% do dinheiro em caixa”, disse Correia.

Sora, da RPS, que também respondeu à pergunta, foi na mesma linha e recomendou empresas consideradas “defensivas”, ou seja, pouco relacionadas ao crescimento econômico.

“Evitaria ações de empresas que dependem de um consumidor otimista para comprar um carro ou um apartamento, que dependam de crédito”, disse. “Há um estrangulamento da renda disponível no Brasil.”

Enquanto os gestores locais se mostram cautelosos com o mercado brasileiro, os investidores estrangeiros vão na direção contrária. Em 2021, o fluxo de recursos externos na Bolsa acumula um saldo positivo de R$ 42,26 bilhões até setembro. “Todo dia me pergunto por que o gringo não para de comprar Brasil”, afirmou Di Sora.

Uma hipótese do gestor é que boa parte desse dinheiro vem de investimentos que precisam ir para emergentes, mas que estão evitando a China, que tem “assustado” mais os investidores após os recentes casos de intervenção do governo nos setores de tecnologia e imobiliário.

Para ele, porém, a China tende a voltar a ser um alvo preferencial, à medida que o receio do mercado vai se dissipando. “Estou começando a ver o retorno de algum apetite para a China. Então, o dinheiro que veio de lá para cá deve ir de cá para lá”, afirmou.

Linhares, da SPX, também acredita que deve haver uma fuga de capital em algum momento, quando a ficha cair para os estrangeiros. “Tem muito investimento que é feito sem uma compreensão macro do Brasil”,  disse. “Se houver uma percepção de que estamos piorando, há espaço para sair, sim.”