Maior rede de estacionamentos do Brasil, a Estapar quer abandonar a fama de ser uma empresa de... estacionamentos. Nos últimos meses, a companhia que administra mais de 400 mil vagas em 700 estacionamentos em 77 cidades brasileiras investiu na digitalização do seu negócio e passou a olhar com mais atenção para as próximas tendências tecnológicas. O resultado está sendo colhido agora.
O balanço financeiro do segundo trimestre deste ano divulgado pela empresa na noite de quarta-feira, 10 de agosto, mostra que a Estapar se recuperou do período ruim vivido na pandemia e atingiu receita líquida de R$ 273,7 milhões. O que chama a atenção é que 15,5% desta cifra foi obtida com as plataformas digitais desenvolvidas pela empresa. Isso representa mais de R$ 42 milhões.
“Queremos ir além de uma empresa de estacionamento. A Estapar já virou uma empresa digital”, diz André Iasi, CEO da Estapar, em entrevista para o NeoFeed. “A gente percebeu que precisava oferecer mais serviços para o motorista para obter novas receitas.”
A fatia de 15,5% pode ainda não representar um percentual tão grande, mas mostra um avanço da companhia no campo digital. Na média de todo o ano de 2020, apenas 2,9% da receita foi obtida com os serviços ofertados em plataformas virtuais. Já no ano passado, esta frente representou 12% do faturamento.
Este aumento já havia sido destacado de forma positiva no relatório do Banco Inter divulgado após as prévias dos resultados do segundo trimestre da Estapar. O analista Gustavo Caetano, que assina o relatório, por outro lado, lembrou que a receita líquida da empresa ficou abaixo das expectativas.
Para aumentar a participação neste trimestre, um dos esforços foi a aquisição da Zul Digital, startup responsável pelo aplicativo Zul+, que funciona como uma plataforma autotech para o gerenciamento de informações de veículos. No valor de R$ 75 milhões, o acordo de compra foi anunciado em novembro do ano passado e finalizado em abril deste ano.
O novo aplicativo adicionou uma base de 3 milhões de usuários para a frente digital da Estapar, que conta também com os aplicativos Vaga Inteligente (para a reserva e pagamento de estacionamentos da companhia) e Zona Azul São Paulo (para a busca e pagamento das tarifas necessárias para estacionar o veículo em pontos específicos da capital paulista). São mais de 5 milhões de usuários em todos os aplicativos.
Com o Zul+, a tendência é de que a receita obtida pela Estapar por meio das plataformas digitais aumente nos próximos trimestres. Isso porque, a partir de abril deste ano, a companhia vem adicionando novas funcionalidades à plataforma. Agora é possível pagar IPVA, multas e licenciamento, fazer o credenciamento de Zona Azul e ter acesso a cotação de seguros e contratação de crédito pessoal.
Para Douglas Carvalho Jr., CEO e sócio da consultoria Target Advisor, a estratégia de investir em frentes digitais da Estapar em busca de novas receitas foi acertada e veio num momento propício. “A pandemia fez com que muitas empresas perdessem contratos e quem não se reinventou, está sofrendo. Tem de digitalizar”, afirma.
Esses novos serviços são oferecidos em parcerias com outras empresas como Localiza (para o aluguel de automóveis) e Porto Seguro (para a cotação de seguros automotivos). “Temos outras oportunidades de receita, além do estacionamento, com os clientes B2B”, afirma Iasi.
Energia nova
Não só no ambiente digital a Estapar quer ir além dos estacionamentos. “A gente percebeu que os estacionamentos poderiam ter novas funções, como área de embarque e desembarque para passageiros de aplicativos e serviços de aluguel de carros”, afirma Iasi.
Neste sentido, o que vem chamando maior atenção são os passos da empresa em eletromobilidade. Nos últimos anos, a Estapar firmou parcerias com o objetivo de equipar seus estacionamentos com estações voltadas para o carregamento de veículos elétricos.
Isso começou ainda em 2020 quando, em parceria com a Enel X, a Estapar criou a Ecovagas, rede de carregamento de veículos elétricos que concentra mais de 200 estações de recargas em estacionamentos. Com contratos B2B, o serviço é oferecido para donos de veículos das fabricantes Volvo, Stellantis e Renault. O trio tem 51,4% de emplacamentos totais de veículos elétricos e híbridos no Brasil.
Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a Estapar anunciou um acordo de fusão da Ecovagas com a Zletric, especializada também em estações de recarga de veículos e a segunda maior empresa do setor (atrás apenas da Ecovagas). Em fevereiro deste ano, a Zletric tinha 170 estações instaladas em estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
O negócio permite a exploração conjunta do mercado nacional de eletromobilidade em estacionamentos de aeroportos, prédios comerciais, shoppings, arenas, hospitais e na esfera residencial. O valor e os detalhes do acordo foram mantidos em sigilo pelas partes.
Os movimentos da Estapar nesta frente elétrica estão alinhados com a expectativa de que o número de veículos movidos por eletricidade vá aumentar consideravelmente nos próximos anos no país. “Se existe uma certeza na indústria automotiva é que ela vai ser elétrica”, afirma Iasi. “Não dá mais para queimar combustível no mundo do futuro.”
Uma pesquisa da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) feita em 2019 projetou que a venda de carros eletrificados deve atingir 180 mil unidades por ano em 2030. A tendência é de que isso aconteça bem antes. No ano passado foram quase 35 mil unidades comercializadas (contando híbridos e elétricos). Para este ano, a expectativa do setor é de que 100 mil automóveis movidos por eletricidade sejam comercializados.
Já é um número relevante, mas ainda distante do total. Considerando carros movidos por gasolina, diesel e álcool, o Brasil teve mais de 1,9 milhão de emplacamentos realizados no ano passado, segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
Dívida e resultados
A adição de novas fontes de receita para a Estapar deve ajudar a companhia a conseguir melhorar seus números financeiros nos próximos trimestres. Além do recorde na receita líquida, a companhia destacou no balanço financeiro divulgado que o Ebitda ajustado foi de R$ 38,7 milhões, com margem de 14,2%. Acima do resultado de 2019, pré-pandemia, de R$ 37,3 milhões e margem de 13,8%.
Em outro indicador financeiro, a empresa informou que o prejuízo líquido foi de R$ 36,3 milhões, 39,9% menor do que o registrado no segundo trimestre do ano passado de R$ 60,5 milhões. A dívida líquida somou R$ 779,3 milhões contra R$ 850,7 milhões registrados há um ano.
“Há uma definição para diminuir a dívida e a alavancagem e esperamos terminar o ano com um múltiplo razoável”, afirma Iasi. O executivo lembra que a alavancagem foi elevada pelo empréstimo bancário feito para financiar o contrato de concessão da Zona Azul, vencido em um leilão realizado em 2019. “É um contrato de longo prazo e um excelente projeto.”
A alavancagem da companhia terminou o trimestre com a dívida líquida sendo 7 vezes maior do que o Ebitda gerencial. No fim do ano passado, este múltiplo era de 18,7.
Nas operações, a companhia aumentou em 13,2% o número de vagas ofertadas. Mas isso se deve principalmente às 67,6 mil vagas que a companhia passou a administrar com as operações da Zona Azul em oito novas cidades. Entre elas estão capitais como Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba.
Avaliada no fim de quarta-feira, 10 de agosto, em R$ 594,2 milhões, a Estapar ainda vem se recuperando no mercado após ver seu valor de mercado despencar por conta da pandemia. Ontem, as ações terminaram o dia sendo negociadas por R$ 2,84, alta de 4,8%. O valor precificado no IPO feito em junho de 2020 foi de R$ 10,50 por papel.
No último mês, as ações subiram mais de 71%. A alta foi impulsionada pela divulgação da prévia dos resultados operacionais da companhia no segundo trimestre, o que aconteceu no dia 20 de julho. Já no acumulado do ano há desvalorização de 35,4% no preço das ações sob o tíquete ALPK3.SA negociadas na B3.
A maior parte das ações da Estapar está sob o controle do bilionário André Esteves, que investiu na companhia através dos fundos FIP Maranello, Trampranillo e FIM Valbuena. Juntos, estes veículos detêm mais de 57,6% das ações. O restante está dividido entre a Equity International (26,4%), do empresário americano Sam Zell, e outros investidores (15,9%)