A indústria farmacêutica tem olhado com cada vez mais atenção para o mercado de startups buscando se antecipar às próximas tendências do setor. A Eurofarma, gigante com faturamento na casa dos R$ 6 bilhões, é uma delas.
A companhia está por trás de um novo aporte na JustForYou, beautytech fabricante de produtos de beleza personalizados para cabelos, através do Neuron Ventures, o braço de corporate venture capital da gigante farmacêutica.
Com o novo aporte, de valor não revelado, a companhia foi avaliada em mais de R$ 100 milhões, tornando-se uma das principais empresas do setor na América Latina. Esse foi o segundo investimento realizado pela farmacêutica na JustForYou. O primeiro foi concluído em 2020, também com o valor não divulgado.
O dinheiro será utilizado para a criação de novas linhas de produtos e para dar suporte ao crescimento da produção. Haverá ainda investimentos em tecnologia. A ideia é investir em ciência de dados para aumentar a forma de personalizar os produtos. O setor de marketing também vai receber uma injeção de recursos para impulsionar as vendas.
Fundada em 2018 por Caio de Santi, Alex Eduardo Domingos e Rodrigo Stoqui, a JustForYou utiliza técnicas de ciência de dados com inteligência artificial para desenvolver produtos como xampus e condicionadores com fórmulas personalizadas para cada tipo de cabelo.
“Criamos um algoritmo em que é possível cruzar informações do usuário. Isso vai desde o tipo do cabelo até a alimentação e ainda passa por questões como se a pessoa está grávida, se mora na praia e por aí vai", diz Santi, cofundador e CEO da JustForYou, ao NeoFeed. "Tudo isso é usado para criar um produto personalizado.”
Para fazer isso, a startup coleta informações do consumidor, que é convidado a responder um questionário no e-commerce na hora em que vai comprar algum produto. As perguntas são sobre o tipo de cabelo (liso, ondulado, cacheado...), o comprimento, a oleosidade, a frequência no uso de secador ou chapinha, entre outras questões.
Há também perguntas que envolvem hábitos diários como a prática de atividades físicas e a dieta alimentar, além da faixa etária e do nível de estresse. Por fim, o consumidor responde o que mais busca no produto (prevenção contra queda, controle de oleosidade e brilho). Ele ainda pode personalizar a embalagem e o nome.
O preço do xampu individual no frasco de 300 ml sai a partir de R$ 67,46. Por causa do processo de personalização dos produtos, as vendas são realizadas somente pelo site da companhia, que atua sob o conceito de DNVB (Digitally Native Vertical Brand).
“A Just oferece uma linha de produtos que complementam a estratégia da Eurofarma. O modelo de negócio inovador, com uma marca nativa digital, também é complementar”, diz Helton Pinheiro de Carvalho, diretor de Empreendedorismo e Digital da Eurofarma.
Desde a fundação, a JustForYou já produziu mais de 2 milhões de xampus com fórmulas diferentes. Além do xampu e do condicionador, a startup também comercializa produtos como máscara capilar e finalizadores. Tudo personalizado.
Em números, a operação com sede em Vinhedo, em São Paulo, obteve receita próxima de R$ 20 milhões no ano passado, mais do que o dobro do registrado em 2020, quando o negócio faturou R$ 8 milhões. Com dinheiro em caixa, a previsão para a startup é ter receita de cerca de R$ 40 milhões neste ano.
Negócio complementar
O Neuron Ventures, braço de corporate venture capital da Eurofarma, foi lançado em 2019 com a intenção de investir R$ 45 milhões em novos negócios de tecnologia que fizessem sentido para a estratégia da companhia.
Desde que o fundo entrou em vigor, mais de 300 startups já foram analisadas para um possível investimento. Um filtro leva em consideração o estágio da operação, o setor em que o negócio atua (precisa ser ligado ao mercado de saúde) e como a possível investida pode ter sinergia com a operação da Eurofarma.
“A indústria farmacêutica está migrando de produtos químicos para biológicos e o resultado disso é uma redução de P&D e um aumento exponencial de M&A. Esse novo modelo é uma alavanca bastante interessante para corporate venture capital específicos”, diz Guilherme Hug, sócio da Fuse Capital, uma gestora de venture capital.
Até agora a Neuron investiu em oito startups, a maior parte delas ainda no estágio inicial dos negócios. Em aportes recentes, como os realizados nas startups Ocean Drop e Psicologia Viva, o valor injetado variou entre R$ 4 milhões e R$ 6 milhões.
A aposta de maior destaque talvez tenha sido a feita recentemente na Medway. Na semana passada, a edtech que atua com cursos voltados para profissionais de medicina anunciou o recebimento de um aporte de Série A de R$ 75 milhões liderado pelo SoftBank Latin America Fund e com participação dos fundos GFC, EquitasVC, Aggir Ventures, Scale-Up Ventures, Allievo Capital, GrãoVC, além da Neuron Ventures.
Em relação a JustForYou, o interesse da Eurofarma pode ser explicado em dados. Uma pesquisa da Euromonitor realizada em 2020 apontou que 41% dos consumidores no mundo já buscam produtos personalizados para cabelo. Outro dado é que 19% dos consumidores buscam marcas que existem apenas no ambiente digital.
Gigantes e startups
Estratégias de corporate venture capital (CVC) estão sendo cada vez mais discutidas dentro de gigantes da indústria. Empresas como Ambev, Vivo, Itaú, Multilaser, Arezzo, entre outras, já possuem programas para acelerar startups. Recentemente foi a vez da Renner entrar nesta dança.
De acordo com uma pesquisa feita em 2021 pela BR Angels Smart Network, associação de investimento-anjo, 47% das empresas nacionais pretendem adotar em algum momento uma estratégia de corporate venture capital própria para identificar investimentos promissores no mercado de tecnologia.
Outro estudo, este realizado pela Distrito, ecossistema independente de startups no Brasil, revelou que pelo menos 398 investimentos em startups já foram realizados por iniciativas de CVC no Brasil no ano passado.
Em relação a dados financeiros, mais de US$ 662 milhões foram injetados em empresas de tecnologia via corporate venture capital em 2021. Para efeito de comparação, os investimentos via venture capital no Brasil somaram US$ 8,8 bilhões no período.
“A pandemia acelerou a digitalização da sociedade e da economia e, com isso, impulsionou a transformação digital das empresas. Neste cenário, o CVC é uma importante ferramenta para entendimento das tendências de mercado, identificação de oportunidades e relacionamento com o mercado”, afirma Gustavo Gierun, CEO da Distrito.
Em geral, há uma tendência para que os aportes realizados por corporate venture capital sejam feitos em estágios iniciais das operações, mas isso não é uma regra escrita em pedra e podem surgir eventualmente aportes realizados em rodadas de séries C, D e E, por exemplo.