Assim como o mercado de venture capital, a ressaca também atingiu em cheio os corporate venture capital (CVCs), fundos corporativos estruturados por empresas para investir em startups.
No auge, em 2021, eles investiram US$ 1,3 bilhão em 87 rodadas de investimento. No ano passado, aportaram US$ 400 milhões, uma queda de cerca de 73% em relação a 2022, segundo o relatório Corporate Investments in the Brazilian Ecosystem 2023, desenvolvido pelas plataformas Sling Hub e Alya Ventures, em parceria com a EY e a Associação Brasileira de Corporate Venture Capital (ABCVC).
Neste ano, há sinais de recuperação, mas longe do patamar dos tempos áureos – um indicativo de que há um novo normal no mercado. No primeiro semestre deste ano, os fundos de CVCs participaram de 15 negócios no Brasil, totalizando US$ 198,2 milhões em investimentos, uma alta de 12,5%, segundo a Distrito.
“Nós vemos que o mercado continua com viés de crescimento, o que significa que novas corporações estão abraçando as iniciativas e lançando os seus próprios fundos”, afirma Richard Zeiger, sócio da MSW Capital, gestora especializada em fundos CVCs que reúnem diversas empresas. “Porém, o segmento não está aquecido como antes e essa fase de ‘aceleração’ dos fundos, na nossa visão, passou.”
Um exemplo desse movimento foi a Natura, que lançou, há poucas semanas, o seu CVC, que terá a gestão da Vox Capital. Serão R$ 50 milhões com foco em até 15 startups em estágio inicial - cheques entre R$ 2 milhões e R$ 10 milhões na rodada seed.
Mas o que explica a queda dos CVCs? Os sintomas não são muito diferentes do que aconteceu com a área de venture capital. Em um mercado extremamente líquido, as empresas aderiram a onda de investir em startups sem muito critérios e estratégia.
Agora, chegou a hora de separar o joio do trigo e observar não só aqueles CVCs que vão ficar de pé, como também gerar resultados estratégicos para as corporações que investiram em startups de forma séria.
Na visão de Zeiger, a maior parte dos fundos brasileiros, que foram fundados durante o boom, se encontra na etapa três de sua “vida”, em busca de gerar valor à cadeia. Com isso, os investimentos começam a ficar mais seletivos e estudados, o que reduz o número de rodadas aportadas por esses CVCs.
“Esse é o momento de entender como cuidar do portfólio adquirido e aprender a alavancar os interesses das duas partes”, diz o sócio da MSW Capital.
O coordenador do comitê de CVC da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) e CEO da Oxygea, braço de CVC da Braskem, Artur Faria, também acredita que as empresas atingiram essa fase de sua maturidade.
“Agora o foco está em mostrar para a nave-mãe que as suas escolhas foram bem-feitas e que os resultados estão começando a aparecer”, diz Faria. “Quem se estruturou da forma correta está com menos dificuldades nesse momento do que outros players do mercado que começaram a alocar sem ter um planejamento e alinhamento prévio.”
Existe outra questão que está dificultando a vida dos CVCs, na visão do CEO da Oxygea. Com um mercado extremamente líquido e muito dinheiro na mesa, os valuations feitos em startups foram elevados. E, agora, na hora de pensar uma saída para o investimento, isso pode ser um problema.
“Havia distorções muito grandes no mercado no quesito de valuation. Nós presenciamos startups praticando um valor próximo aos patamares americanos, apesar de terem um mercado endereçável muito menor e ter seu preço praticado em real”, afirma Phillip Trauer, managing director da Wayra Brasil, fundo de CVC da Vivo.
Esse movimento causou um efeito cascata em toda a cadeia. Agora, as rodadas estão mais escassas, mas se tornaram maiores. Os VCs e CVCs estão cada vez mais seletivos com os investimentos que querem fazer daqui para frente.
“Daqui para frente veremos fundos captando menos recursos, já que a cadeia como um todo está absorvendo menos capital”, diz Trauer.
Tudo junto e misturado
Com mais maturidade e rodagem, os CVCs, agora, parecem estar buscando maneiras de diversificar seus investimentos por vias mais colaborativas, como uma alternativa de trazer retorno de valor para as corporações.
Uma estratégia que está ganhando tração é a do Multi Corporate Venture Capital (MCVC), que reúnem debaixo do mesmo fundo diversas empresas. “Os fundos multi podem ter temáticas diversas, que unem empresas de teses diferentes e fazem investimentos focados em seu segmento”, diz Zeiger, da MSW Capital, uma das pioneiras dessa estratégia no Brasil.
A gestora, por exemplo, tem o fundo Multicorp II que une a Embraer, Baterias Moura e o BB Seguros. Nesse fundo, cada corporação tem o seu foco e olha para empresas que as interessam, mas, ao mesmo tempo, podem fazer aportes juntas.
Existem também fundos temáticos como o criado pela United Airlines, que foca em startups de SAF (Sustainable Aviation Fuel). Nele estão presentes corporações como Boeing, Embraer e outras empresas de tecnologia que fazem parte do segmento.
“Esses fundos trazem vantagens como diversificação de risco e aumento de exposição a bons negócios para as companhias, que muitas vezes se contentam com um leque menor de oportunidades nichadas”, diz Zeiger.
Em sua visão, o modelo também é positivo para os fundadores das startups, que têm a possibilidade de compartilhar seu negócio com gigantes do mercado de uma só vez.