No mundo de venture capital, muita gente diz que a festa acabou, depois dos anos de bonança de 2020 e 2021. Agora, as startups enfrentam um duro inverno de restrição de capital e de negociações mais duras para receber um aporte.

Mas existe um lugar em que o verão, ao que tudo indica, está apenas começando. É no mundo do corporate venture capital (CVCs), veículos de empresas para investir em startups. Nos últimos anos, o que era um movimento restrito a poucas corporações se tornou algo seguido pela maioria das empresas.

Uma mostra da pujança dessa área pode ser vista no evento Corporate Venture in Brasil, da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), que retomou a sua versão presencial depois de dois anos de paralisação, em São Paulo.

Por lá, circularam os principais fundos de CVCs brasileiros, falando de suas estratégias e mostrando apetite para seguir investindo. Nos últimos anos, eles deixaram de ser apenas um traço do Ibope no mundo de venture capital para ganhar relevância no Brasil.

De acordo com a Apex, o número de empresas que criaram seus CVCs saltou de 13, em 2016, para mais de 100, em 2021. Um estudo da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap) mostra que 13 companhias que pertencem ao Ibovespa, principal índice de ações da bolsa brasileira, fundaram CVCs no primeiro semestre deste ano. No ano passado todo, foram oito.

O que explica esse movimento, exatamente neste momento em que os aportes em venture capital estão em queda livre no Brasil e no mundo? Quem responde é Peter Seiffert, CEO e fundador da Valetec, especializada em gerir CVCs para grandes empresas.

“Os CVCs não são apenas sobre retorno financeiro, mas principalmente sobre estratégia”, diz Seiffert. “Com eles, as empresas podem pensar em como seus mercados estão sendo 'disruptados' e ao mesmo tempo avaliar suas estratégias e produtos.”

É claro que o retorno financeiro não deve ser desprezado – ao contrário, ele é essencial para a estratégia seguir. Mas o grande benefício do CVC, na opinião de Seiffert, é a capacidade de “quebrar” os muros das empresas e se abrir para a inovação aberta.

A Valetec, que administra cinco fundos de corporate venture capital para empresas, deve anunciar mais dois acordos até o fim deste ano. “Vamos ter um ano recorde”, diz Seiffert.

No ano passado, a indústria de CVC brasileira movimentou mais de US$ 620 milhões, segundo o relatório Corporate Venture Capital, realizado pelo Distrito, o melhor desempenho da história. A estimativa é que essa cifra seja superada neste ano.

Observe o exemplo da Dexco (ex-Duratex), que anunciou em meados do ano passado um fundo de R$ 100 milhões para “reformar” sua relação com as startups. Em apenas 10 meses, a Dexco alocou todo o capital do fundo em 9 aportes.

“Uma das condições do conselho para aprovar o fundo era de que ele precisava ter retorno financeiro e estratégico”, diz Renato Damaso Maruichi, responsável pelo DX Ventures, o fundo de CVC da Dexco.

O laboratório Euroforma, que criou a Neuron Ventures, também está em fase final de investimento de seu fundo de R$ 45 milhões e já começa a estruturar o seu segundo fundo que seguirá a tese de fazer aportes seed e pré-seed em startups de saúde e bem-estar.

“Investimentos muito tempo discutindo a estratégia”, diz Érica Teles de Menezes, head do Neuron Ventures. “Investimos em negócios disruptivos que às vezes pode até competir com o nosso core.”

Com quase 3,5 anos de atuação, o Neuron Ventures já investiu em Ocean Drop, Psicologia Viva e JustForYou, startup que fabrica xampus e condicionadores personalizados para cada tipo de cabelo – nesta última chegou a fazer dois aportes, avaliando-a a empresa em R$ 100 milhões na última rodada.

Debate (da esq. à dir.):Peter Seiffertm da Valetec; Renato Damaso Maruichi, da Dx Ventures; Érica Teles de Menezes, da Neuron Ventures; e Rodrigo Carazolli, da Aço Lab Ventures

O movimento não se restringe às empresas brasileiras. Multinacionais também estão estruturando seus veículos ou começando a olhar para o mercado brasileiro atrás de startups.

Um caso é a Basf Venture Capital, que investiu na fintech de crédito agrícola Traive, o seu primeiro aporte no Brasil. A gigante siderúrgica ArcelorMittal, apesar de ter um fundo global, resolveu também estruturar um veículo local.

“Fizemos quatro investimentos e devemos fazer mais dois até o fim deste ano”, afirma Rodrigo Carazolli, responsável pelo Aço Lab Ventures, da ArcelorMittal. “Essa é uma maratona, não uma corrida de 100 metros.”