Ray Dalio não quer que você leia este livro. “Foi o que ele me disse”, escreve o jornalista americano Rob Copeland, na introdução de O rei dos investimentos: O lado oculto de Ray Dalio e do maior hedge fund do mundo, explosivo best-seller do mundo dos negócios que a Harper Collins lança no Brasil no fim de julho.
Protagonista da obra, o bilionário fundador da Bridgewater Associates percebeu onde Copeland queria chegar com seus questionamentos e se recusou a lhe dar entrevistas. Ele sabia que sua imagem de pensador e guru do mercado financeiro poderia ser arranhado pelo premiado repórter do The New York Times.
Por quase 50 anos, até anunciar em 2022 sua aposentadoria da empresa que começou em seu apartamento, Dalio cultivou uma aura de admiração e fama internacionais, graças ao sucesso impressionante de sua empresa, somado a um misticismo que ele incentivava com frequentes aparições na mídia, convivência com celebridades e por causa de seu livro Princípios, de 2005, com 5 milhões de cópias vendidas — no qual pregava valores como “transparência radical” e “Dor + Reflexão = Progresso”.
Ao biografar o megainvestidor e gestor de fundos, Copeland desconstrói essa narrativa cuidadosamente construída do “titã benevolente dos negócios”. Ao mesmo tempo, expõe seus tão promovidos “princípios” como o que chama de um conjunto das ideias mais arrogantes da história moderna que, na realidade, incentivaram uma cultura tóxica de paranoia e traição dentro da Bridgewater.
Isso aconteceu porque Dalio estabeleceu uma filosofia de investimentos única, baseada em princípios de radical transparência e meritocracia, de acordo com seu discurso. Nesse contexto, seus funcionários eram incentivados (ou forçados) a criticar uns aos outros abertamente.
Além disso, todas as reuniões eram gravadas e analisadas. O ambiente misturava idealismo com forte controle psicológico. Isso alimentou tanto o sucesso como tensões internas e acusações de abuso de poder — algo que seria copiado, décadas depois, por grandes corporações tecnológicas, principalmente as empresas de Elon Musk.
Dalio também desenvolveu o conceito de "macro investing", a partir do estudo do comportamento das economias globais para prever movimentos do mercado. “A filosofia de Dalio e a metodologia de Bridgewater se tornaram referência no mercado financeiro”, afirma Copeland.
Na prática, a empresa chamou a atenção por sua abordagem analítica e pelas estratégias de diversificação que buscavam minimizar os riscos, como explica o jornalista. Por trás disso estava a visão ambiciosa de seu criador, que se tornou um dos investidores mais respeitados de Wall Street desde a década de 1980. Seu estilo e métodos chamaram a atenção tanto de investidores quanto de críticos.
No entanto, a Bridgewater é conhecida pelo uso intensivo de dados e modelos quantitativos. Assim, o livro mostra como Dalio buscou transformar a intuição em algoritmos. A empresa criou sistemas para tomar decisões com mínima interferência emocional. Esses métodos a ajudaram a superar crises graves, como a de 2008. Mas também geraram críticas quanto à desumanização do trabalho.
Copeland reúne uma série de denúncias de ex-funcionários sobre práticas tóxicas na empresa. Muitos descrevem um ambiente sufocante e hostil e há relatos de vigilância constante e punições humilhantes. Desse modo, a busca obsessiva pela perfeição alimentou uma cultura de medo. O sucesso financeiro escondeu, por muito tempo, essas fissuras internas, segundo o livro.

Enfim, se o estilo Dalio marcou gerações de investidores, Copeland questiona se o preço humano valeu o sucesso. O autor discute o impacto duradouro de seu biografado no mundo dos investimentos porque, embora tenha deixado o comando da Bridgewater, sua influência persiste na empresa. Ele sugere que o futuro do negócio será testar se esse império sobreviverá ao desaparecimento do criador — e por quanto tempo.
Nessa viagem pelas entranhas do mundo de riqueza e poder, o autor realizou centenas de entrevistas com pessoas dentro e ao redor da empresa e revela, por exemplo, a breve passagem de Jon Rubinstein, ex-executivo da Apple contratado para auxiliar a Bridgewater em seu software para avaliação de funcionários baseado nos Princípios, além de acompanhar nomes marcantes que tiveram seus limites psicológicos e morais testados — sob o olhar onipresente de seu líder carismático.
Até chegar a esse ponto, o autor conta a epopeia da empresa desde os tempos em que Dalio, que veio de uma infância modesta, construiu a Bridgewater Associates, que começou pequena, apenas com análises econômicas. Até que chamou atenção por suas previsões certeiras, como a crise da dívida mexicana. Como observa o autor, sua personalidade combativa ajudou a projetar a gestora no mercado financeiro, até se tornar o maior fundo hedge do mundo.
No início do projeto do livro, o autor procurou Dalio por e-mail em busca de seu ponto de vista. “Ele respondeu às minhas intenções com ceticismo. Depois de muitas idas e vindas, optou por não dar entrevistas, como é seu direito”, conta Copeland. Mas centenas de outras pessoas deram, todas que tiveram vínculo com sua empresa e em seu entorno, que lhe confiaram seu tempo e suas experiências.
"Verdade orwelliana"
O resultado da investigação é “uma narrativa de cair o queixo”, como descreveu o Financial Times. Além das entrevistas, o jornalista contou com anotações, e-mails, gravações, registros de tribunais e uma miríade de outros documentos internos e externos da empresa, entrevistas e reportagens publicadas.
Todos os nomes que aparecem são reais, exceto por um pseudônimo, usado para ocultar a identidade de um ex-funcionário que admitiu má conduta sexual. “Em alguns casos, os diálogos foram relatados pelos envolvidos diretos; em outros, descritos por pessoas que os presenciaram, foram informadas posteriormente ou os ouviram em gravações”, informa o autor.
Quanto às lembranças do próprio Dalio, escreve Copeland, o público tem muitas oportunidades de lê-las ou ouvi-las a qualquer momento.
Primeiro, porque escreveu um livro que mistura memórias e autoajuda e se tornou best-seller. Depois, na última década, concedeu centenas de entrevistas à imprensa em cinco continentes, pregando “o evangelho de Ray”. E apareceu nas principais redes de TV e canais a cabo, podcasts e capas de revistas.
Nada menos do que 2,5 milhões de pessoas o seguem no LinkedIn. Sua palestra do TED Talks foi vista quase 7 milhões de vezes, e seu vídeo mais popular no YouTube, mais de 34 milhões de vezes.
“Dalio está longe de ser o primeiro financista a desenvolver um gosto pelos holofotes, mas talvez ele seja o primeiro a afirmar que descobriu sozinho a solução para o que vê como dois dos maiores desafios da humanidade: nossa relutância em discordar uns dos outros e nosso desejo de buscar vidas significativas”.
Copeland destaca que, por anos, Dalio se apegou à narrativa de que todos os funcionários da Bridgewater são julgados de maneira igualitária, que qualquer diferença de cargo ou de autoridade se deve apenas a um sistema rigoroso com base no mérito:
"A verdade é muito mais orwelliana (referência ao livro 1984, de George Orwell). Na Bridgewater, alguns são mais iguais que outros. Esta é a história de Ray Dalio, o mais igual de todos".