No Brasil, nenhum segmento consegue rivalizar com o setor financeiro quando se pensa nos polos de atração de startups. Nesse cenário, é cada vez mais difícil encontrar um terreno ainda pouco explorado pela avalanche de fintechs que inunda o mercado. Mas há quem encontre o seu espaço.
É o caso da Solfácil. Fundada em 2018, a fintech vem construindo seu nome ao financiar projetos de geração de energia solar. E agora, está dando mais um passo para tentar se consolidar na dianteira desse mercado ainda nascente no País e em evidência diante do temor de uma nova crise energética.
A startup anuncia nesta quarta-feira, 23 de junho, uma rodada série B de R$ 160 milhões liderada pelo fundo americano QED Investors, que já investiu em outras fintechs brasileiras, como Nubank e Creditas. O cheque conta ainda com a participação do Valor Capital, que já investia na novata.
“Nós temos uma situação confortável de caixa, o que nos permitiu escolher com calma os sócios corretos”, diz Fábio Carrara, fundador e CEO da Solfácil, ao NeoFeed. “Optamos por essa rodada para melhorar o que temos e dar velocidade ao desenvolvimento de outras soluções para esse mercado.”
Sob esse cenário, parte dos recursos será reservada às áreas de tecnologia, produto e experiência da plataforma. Em linha com essa estratégia, o plano é ampliar o time formado atualmente por 200 profissionais para 460 funcionários até o fim de 2022.
Alguns dígitos do cheque também serão aplicados na ampliação da rede de integradores responsáveis pela instalação dos projetos, por meio dos quais a startup oferece seus financiamentos aos consumidores na ponta.
Hoje, essa base conta com 5 mil parceiros, que cobrem mais de mil municípios do País, em todos os estados, incluindo regiões mais afastadas. “Nosso plano é investir em marketing e execução comercial para dobrar essa rede até o fim do ano que vem”, afirma Carrara.
Outra parcela dessa cifra terá como destino a expansão do portfólio. A empresa começou sua operação com uma linha de financiamento voltada a consumidores residenciais. No fim do ano passado, encorpou essa oferta com uma alternativa desenhada para pequenas e médias empresas.
Com o aporte, outras novidades estão no forno. Prevista para o segundo semestre, a primeira delas será uma linha centrada nos projetos de energia solar em propriedades rurais, um segmento que responde por cerca de 15% dos sistemas instalados no País.
Hoje, a startup tem parcerias com mais de 5 mil integradores de projetos no País
Uma segunda opção é uma linha de crédito de capital de giro voltada aos integradores. Esse elo da cadeia também está no centro de outras iniciativas no médio prazo. Entre elas, a oferta de um software de gestão de relacionamento de clientes e de um marketplace para a compra de equipamentos.
“Com essas três frentes, vamos cobrir 95% do mercado”, diz Carrara. “Não temos interesse em grandes indústrias e fazendas. Hoje, a energia solar é usada primordialmente por consumidores residenciais e pequenos comércios, que são aqueles que mais sofrem com a tarifa mais cara do modelo tradicional.”
Prazos, taxas e carências
Para atender a esses públicos e se destacar perante as alternativas de financiamento ainda escassas no mercado para esses projetos, a Solfácil investe, desde o início de sua operação, em uma abordagem diferente.
“Os grandes bancos olham muito para o cliente tentando ver se ele é um bom ou mau pagador”, explica Carrara. “Nós também fazemos isso, claro, mas entendemos que o maior risco é o projeto. Se ele gerar retorno e economia, o cliente paga o financiamento.”
Dentro dessa ótica, a fintech trabalha com prazos de até dez anos, o dobro da média do mercado, e uma taxa mensal de 1,2%. E oferece uma carência de até seis meses. “O cliente paga a primeira parcela já com a economia na conta”, diz Carrara. Em média, essa redução em relação ao modelo tradicional é de 30%.
Com essa proposta, a Solfácil tem uma carteira de crédito de mais de R$ 300 milhões e já origina, em média, por mês, R$ 60 milhões. Nos projetos de consumidores, o tíquete médio gira entre R$ 25 mil e R$ 30 mil. Já nas empresas, o valor vai de R$ 75 mil a R$ 100 mil.
“Nesse ano, nossa projeção é financiar algo em torno de R$ 1 bilhão em novos projetos, praticamente dez vezes o que fizemos em 2020”, observa o empreendedor. “E para 2022, a estimativa é de R$ 2,5 bilhões, com mais de 100 mil clientes financiados nesses dois anos somados.”
Todas essas operações são financiadas por meio de emissões de debêntures e pela estruturação recente de um FIDC de R$ 500 milhões. As duas modalidades seguirão como a alternativa na mesa da startup, com predominância dos FIDCs.
Ao mesmo tempo, a Solfácil já entrou com um pedido no Banco Central para operar como uma Sociedade de Crédito Direto. “É um caminho natural, até pela escala da nossa operação”, diz Carrara. “Todas as grandes fintechs estão seguindo essa direção.”
Carrara começou a prestar atenção no segmento de geração distribuída de energia solar em 2015, quando ainda era diretor do fundo alemão Project A Ventures e teve contato com uma startup alemã que atuava nessa frente.
Pouco tempo depois, ele deixou o fundo para fundar sua primeira empresa nesse mercado, a integradora Solstar, da qual não é mais sócio. No início de 2018, ele decidiu partir para um novo projeto, Solfácil, ao identificar que o principal gargalo era o financiamento desses sistemas.
“Esse é um mercado que cresceu, em média, 170% nos últimos cinco anos”, afirma o empreendedor. “E apesar ser um dos países com mais potencial, o Brasil tem uma penetração de apenas 0,6%. Há muito ainda a ser explorado.”
Dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) atestam que o País vem recuperando o tempo perdido. Em 2020, o Brasil instalou 3.152,9 megawatts e gerou R$ 15,9 bilhões em novos investimentos nessa matriz.
“O principal desafio para que a energia ganhe ainda mais escala no País passa pela insegurança jurídica e previsibilidade”, diz Guilherme Susteras, coordenador de geração distribuída da Absolar. Ele destaca, porém, que esses temas estão no centro de um projeto de lei de autoria em tramitação no Congresso.
“O fato é que a energia solar no Brasil é cada vez menos a energia do futuro e cada vez mais a energia do presente”, afirma Susteras. “E essa adoção está avançando especialmente na modalidade de geração própria, em particular, dos consumidores residenciais das classes C e D, o que mostra o potencial de democratização desse acesso.”
Nesse contexto, além da Solfácil e de grandes bancos como o Itaú Unibanco e Bradesco, o segmento já atrai outras startups. A lista inclui empresas como a paulistana Holu, que tem como sócia a norueguesa Otovo e que também trabalha com financiamentos desses projetos.
Figuram ainda entre os nomes que estão investindo nesse filão a Solar21, que oferece o modelo de locação de painéis fotovoltaicos, e o banco BV, por meio da plataforma Meu Financiamento Solar.