Em setembro do ano passado, o J.P. Morgan desembolsou US$ 175 milhões para adquirir a Frank, uma plataforma focada em planejamento financeiro para universitários. Pouco mais de um ano depois, a operação está sendo encerrada pelo banco americano.
A justificativa para o movimento feito na quinta-feira, 12 de janeiro, é o andamento de um processo judicial envolvendo o banco americano e Charlie Javice, a fundadora da plataforma. A alegação é de que Javice forjou os dados da operação antes de o negócio ser concretizado.
Na época em que realizou o acordo para a aquisição do negócio, o J.P. Morgan divulgou uma nota em que informava que aquela era “a plataforma de planejamento financeiro universitário de mais rápido crescimento”. Segundo o banco, o serviço era utilizado por mais de 4 milhões de estudantes, de 6 mil instituições de ensino.
O problema é que esses números estavam bem distantes da realidade. Nos meses que se seguiram após o deal, foi descoberto que centenas de milhares de e-mails de marketing enviados aos supostos clientes da fintech estavam retornando. De um lote de 400 mil e-mails, 70% não encontraram destinatário.
Em números, o banco estima que, em vez dos 4,2 milhões de estudantes cadastrados na plataforma, conforme apontavam os materiais utilizados nas apresentações de Javice aos investidores, o serviço tinha uma base de usuários bem menor. Eram menos de 300 mil usuários, conforme relata o processo movido pelo banco.
"Para lucrar, Javice decidiu mentir, inclusive sobre o sucesso da Frank, o tamanho da Frank e a profundidade da penetração de mercado da Frank, a fim de induzir o J.P. Morgan a comprar a Frank por US$ 175 milhões", informa um dos documentos anexados ao caso.
Um ponto que chama a atenção é que tudo isso passou pela due diligence do banco americano. Segundo o processo, para driblar a análise, Javice teria utilizado um cientista de dados que foi encarregado de criar milhões de contas falsas na plataforma.
As informações foram obtidas a partir de e-mails apresentados pelo J.P. Morgan e que envolvem trocas de mensagens entre Javice e um professor de ciência de dados de uma universidade de Nova York. O profissional foi contatado pela empresária somente após o então chefe de engenharia da Frank ter se negado a forjar os dados.
Toda essa história resultou na demissão de Javice dos cargos que ocupava. Além de ser a CEO da Frank, a executiva também havia sido nomeada diretora de soluções estudantis do J.P. Morgan após a aquisição de sua startup.
Para se defender das acusações, Javice relatou ao The Wall Street Journal que o J.P. Morgan havia “fabricado” motivos para demiti-la no final do ano passado. O motivo seria a tentativa de evitar o pagamento de multas de milhões de dólares. Essa discussão já faz parte de um outro processo judicial entre as partes.
“Depois que o J.P. Morgan correu para adquirir o negócio da Charlie, o banco percebeu que não poderia contornar as leis de privacidade dos alunos existentes, cometeu má conduta e tentou refazer o negócio”, disse o advogado de Javice, Alex Spiro, ao jornal americano.
O tiro pela culatra do banco coloca em xeque não apenas os processos internos de due diligence como também a estratégia da operação comandada por Jamie Dimon, CEO do J.P. Morgan, de apostar na aquisição de fintechs. Nos últimos anos, o executivo vinha defendendo os investimentos em startups do setor financeiro.
Recentemente, o J.P. Morgan fez diferentes movimentos nessa direção. Em dezembro, desembolsou mais de US$ 800 milhões na compra de 48,5% ações da fintech grega Viva Wallet, conforme reportado pela Reuters. Meses antes, em setembro, acertou por um valor não revelado a compra da Renovite, fintech americana especializada em tecnologias de computação em nuvem voltados para pagamentos.
No Brasil, vale lembrar, o banco americano comprou uma fatia de 40% da operação do C6 Bank ainda 2021. Os termos financeiros da transação não foram revelados pelas partes.