O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na quinta-feira, 12 de janeiro, uma série de medidas, que totalizam R$ 242,7 bilhões, visando obter um equilíbrio fiscal das contas do governo. O rombo em 2022 foi de R$ 231,55 bilhões (2,3% do PIB).
Num tom otimista, Haddad afirmou que, com isso, o governo poderá fechar o ano com um pequeno superávit de R$ 11 bilhões na relação entre despesas e receitas e disse ser “realista” terminar 2023 com um déficit primário abaixo de 1% do PIB, entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões.
Especialistas ouvidos pelo NeoFeed, no entanto, afirmaram que as iniciativas têm objetivo de aumentar a receita num curto prazo, por meio de incentivos para regularização tributária que não mexem nas questões fundamentais e prováveis redução de perdas em disputas judiciais, enquanto ganha tempo para preparar uma reforma tributária.
“Achei também que a meta de obter um superávit nas contas do ano um pequeno sinal para o mercado de que o governo que vai ter responsabilidade fiscal”, afirmou o economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School.
Haddad apresentou as medidas ao lado das ministras do Planejamento, Simone Tebet, e da Gestão, Esther Dweck. A estratégia da esquipe econômica foi centralizada na busca pelo aumento de receitas, cujas ações somadas chegariam a R$ 197 bilhões. Haddad, porém, não anunciou ações contundentes para cortar os gastos do governo, embora acredite conseguir enxugar R$ 50 bilhões em despesas.
“Não se trata de plano nem pacote, e sim de primeiras medidas para direcionar o que precisamos fazer este ano”, afirmou Haddad, ressaltando que 2022 foi complicado na questão fiscal do país por causa de medidas “irresponsáveis” da gestão anterior.
A ministra Simone Tebet disse que as decisões foram alinhadas pela equipe econômica.
“Não há crescimento duradouro sustentado com déficit de R$ 230 bilhões. Isso significa que não conseguimos abrir espaço para emprego e geração de renda tendo 2% do PIB comprometido. Isso impacta nos juros e, consequentemente, na inviabilidade de o Brasil voltar a crescer”, disse Tebet.
‘Litígio Zero’
As medidas, esmiuçadas em três medidas provisórias, três decretos e uma portaria, foram assinadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com Haddad, foram desenhadas com o objetivo de aproximar as despesas e receitas do governo como proporção do PIB dos números obtidos em 2022.
Um dos decretos prevê a revogação de medida assinada pelo governo anterior, em 30 de dezembro, renunciando a R$ 4,4 bilhões de PIS/Cofins sobre receita financeira de instituições não-financeiras.
Haddad também anunciou a reoneração parcial sobre combustíveis a partir de março – iniciativa que garantiria cerca de R$ 29 bilhões aos cofres públicos em 2023. O ministro frisou, contudo, que a decisão só será tomada “no momento adequado”, após Jean Paul Prates (PT-RN) assumir o comando da Petrobras.
Duas iniciativas centrais concentram a estratégia de aumentar a arrecadação.
Uma delas é o Programa Litígio Zero, visando refinanciar dívidas tributárias, voltado para pessoas jurídicas e pessoas físicas.
No caso de dívidas de pessoas jurídicas com débitos maiores de 60 salários mínimos, os descontos vão a até 100% dos juros e multas devidos, sendo que o valor máximo será para créditos considerados de difícil recuperação. A dívida poderá ser parcelada em até 12 meses.
Para pessoas físicas, micro e pequenas empresas, o programa dará desconto de 40% a 50% de sobre o valor total do débito (tributo, juros e multa), de até 60 salários mínimos, com um ano de prazo para saldar a dívida.
Haddad deixou claro que o Litígio Zero não é um novo Refis (iniciativa com objetivo de regularizar as dívidas de uma empresa ou pessoa física com a União ou Receita Federal). O prazo de adesão é limitado a 31 de março.
O programa de regularização tem como objetivo reduzir os mais de 30 mil processos no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), órgão que julga contenciosos tributários.
Esses processos têm valor total superior a R$ 720 milhões, além de outros 170 mil nas delegacias da Receita Federal, que somam quase R$ 3 bilhões.
“Poucos países no mundo preveem paridade nos colegiados de julgamento de processo administrativo fiscal, o Brasil é único em estabelecer decisão pró-contribuinte em casos de empate, sem possibilidade de recurso à Fazenda Nacional no Poder Judiciário”, disse Haddad.
Segundo o ministro, as mudanças acarretaram R$ 60 bilhões de prejuízos para a União por ano.
Outra iniciativa para reduzir o volume de litígios – e a consequente redução do tempo para a solução dos casos – é o fim do recurso de ofício para valores abaixo de R$ 15 milhões.
O contribuinte vence na primeira instância e acaba definitivamente o litígio – o que deve causar a extinção automática de quase 1 mil processos hoje no Carf, que correspondem a quase R$ 6 bilhões.
A estratégia do governo é lutar pela volta do voto de desempate a favor da Fazenda no Carf e obter caixa por duas vias – pelos incentivos para regularização dos processos parados e por vitórias caso consiga reverter o voto de desempate, que o governo vem perdendo.
Henrique Erbolato, sócio responsável pela área tributária do Santos Neto Advogados, afirma que a estratégia de tentar reverter o voto de desempate, mesmo que dê certo, é paliativa.
“Se uma empresa perder na votação do Carf um processo de grande valor, acima de R$ 15 milhões, vai para o Judiciário, portanto, não é aplicável de imediato”, diz.
Segundo ele, as medidas de descontos para regularização fiscal são clássicas de governos que buscam aumentar rapidamente a arrecadação.
“As mudanças de regras não miram resolver falhas do sistema tributário, e sim incentivar o pagamento de dívidas pendentes”, acrescenta.
Denúncia espontânea
Outra iniciativa presente na mesma MP consiste na chamada “denúncia espontânea”. Segundo o ministro, o objetivo é dar segurança jurídica ao contribuinte que autodeclarar uma mudança de regime jurídico de sua empresa, sem as penalidades previstas na lei atual.
O impacto fiscal estimado é de R$ 20 bilhões em 2023. A expectativa da pasta é que a medida gere efeito permanente na ordem de R$ 5 bilhões para as contas nos anos seguintes.
“Achei positiva a sinalização da busca pela redução do déficit, pode ser exagerado zerar, por outro lado não adianta colocar uma meta muito baixa”, disse Honorato. “Mas o fato é que faltou um pacote consistente, que organize as contas do governo.”