Após um ano marcado pela preocupação do Banco Central com o índice de inflação e o possível impacto na taxa de juros, a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro e, por tabela, do consolidado da taxa de inflação de 2022, feita na terça-feira 10 pelo IBGE, causou um espécie de anticlímax.

A inflação oficial ficou em 5,79% em 2022, pelo segundo ano consecutivo acima da meta do BC - de 3,5% ao ano, com teto de 5%. Já o IPCA fechou dezembro com alta de 0,62%, bem acima do 0,41% registrado em novembro.

O resultado não chegou a preocupar os analistas nem repercutiu de forma relevante no mercado financeiro. A preocupação continua sendo outra.

Desde o início do ano, com a mudança de governo, ficou claro que o que pode causar um impacto imediato na taxa de juros passou a ser outro indicador -- o pacote de ajuste fiscal que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deverá anunciar em breve.

A mudança de paradigma para prever uma variação dos juros, que poderia comprometer o desempenho da economia daqui para frente, reflete a expectativa do mercado sobre as medidas a serem anunciadas por Haddad.

A rigor, os índices divulgados ontem reforçaram o acerto da estratégia estabelecida pelo BC para controlar a inflação, marcada pela manutenção da taxa de juros num patamar elevado, de 13,75%. O primeiro encontro do ano do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) acontece entre 31 de janeiro e 1º de fevereiro.

“Nota-se uma desinflação em curso, em linha com a normalização da cadeia global de valor e acomodação de preços de commodities, além do desaquecimento da demanda doméstica”, afirma Tatiana Nogueira, economista da XP.

Segundo ela, a expectativa é que o IPCA de janeiro desacelere, bastante influenciado pelas promoções de início do ano e pela deflação de energia elétrica e combustíveis. A XP projeta o IPCA de 2023 em 5,4%, com a volta da tributação federal sobre combustíveis em março. A mediana dos economistas no Boletim Focus é de 5,36% neste ano.

Sem âncora fiscal

Gabriel Barros, economista da Ryo Asset, especializada em fundos de ações com R$ 4,7 bilhões sob gestão, adverte que a PEC da Transição – que aumentou o teto de gastos do governo para R$ 170 bilhões – causou um duplo efeito na expectativa de inflação.

O primeiro é que a PEC, na prática, acabou com a âncora fiscal, que servia de balizador da trajetória da dívida pública. Segundo ele, isso ajudou a piorar a expectativa de inflação futura. “O mercado está sempre prevendo uma inflação acima da meta porque não tem visibilidade fiscal, de como o governo vai controlar os gastos”, diz Barros.

O outro efeito diz respeito ao aumento de teto de gastos do governo, de R$ 170 bilhões. “Esse dinheiro vai virar transferência de renda, por meio de programas sociais e também aumento do salário mínimo acima da inflação, prometido pelo governo, elevando a ameaça de termos uma inflação mais resiliente”, adverte o economista da Ryo Asset.

De acordo com o Barros, a expansão dos gastos públicos é o grande gatilho que pode levar o BC a amentar os juros. Daí a necessidade de Haddad divulgar logo o arcabouço fiscal prometido.

Os sinais emitidos até agora causam preocupação. Há alguns dias foi vazado de forma involuntária pela assessoria do ministro uma proposta de ajuste fiscal de R$ 230 bilhões, para reforçar o caixa do governo.

Desse total, apenas R$ 40 bilhões seriam de corte de gastos, enquanto R$ 190 bilhões viriam de aumento da arrecadação.

“O problema é que o Haddad já perdeu a primeira batalha, ao renovar a isenção fiscal para combustíveis, prevista para terminar em dezembro e renovada por 90 dias por pressão da ala política do PT. Só aí foram perdidos R$ 50 bilhões em receita”, diz Barros.

Segundo ele, outras eventuais medidas para aumentar a receita são insuficientes para ganhar confiança do mercado.

Entre elas, a possibilidade de obter R$ 80 bilhões que o governo espera arrecadar em julgamentos do CAF (Cadastro Nacional da Agricultura Familiar), que segundo ele já foi tentado no passado e não deu certo. “A planilha Excel aceita tudo, esse é o problema”, diz.

A solução, portanto, é um arcabouço fiscal com regras rígidas que valha pelo menos até 2026. E cortes elevados nos gastos do governo, o que até agora não tem sido sugerido pela equipe econômica.

“Vivemos um equilíbrio macroeconômico da pior qualidade: enquanto o Banco Central pisa no freio para a controlar a inflação, o governo pisa no acelerador”, diz Barros. “E quanto mais o governo demora para anunciar o arcabouço fiscal, mais caro o Tesouro rola a dívida pública, que já está alta.”