Quando George Lucas imaginou a mitologia espacial de “Star Wars”, em 1975, não existia no mercado uma companhia de efeitos especiais capaz de reproduzir visualmente o que ele tinha em mente. O jeito foi reunir os melhores profissionais do setor na época, amontoados em um armazém em Van Nuys, na Califórnia, para criar efeitos até então nunca vistos nas telas.
Foi assim que nasceu a Industrial Light & Magic (ILM), o braço de efeitos visuais, de animação e de produção virtual da Lucasfilm. A origem da empresa é resgatada na série documental “Light & Magic”, que acaba de chegar ao catálogo do Disney+, trazendo muitas imagens de arquivo com os bastidores de sua criação.
“Tínhamos US$ 2 milhões de orçamento para efeitos especiais, o que hoje não compra sequer uma cena”, afirma George Lucas, em depoimento na série. “E a 20th Century Fox, estúdio que financiou o filme, não estava interessada em construir uma empresa de efeitos especificamente para realizar ‘Star Wars’ (1977).”
Foi aí que o cineasta, roteirista, produtor e empresário decidiu ele mesmo fundar uma companhia do gênero, uma ideia considerada por muitos uma “maluquice”. Mas Lucas seguiu em frente. Até porque ele queria fazer o segmento de efeitos avançar o mais rápido possível, para que suas histórias ficassem mais fáceis de realizar no cinema.
“Montei a ILM com o dinheiro que eu tinha recebido de ‘Loucuras de Verão’ (1973)”, conta Lucas, referindo ao seu filme anterior. “Os efeitos visuais criam a magia que faz o público querer ir ao cinema, para ver coisas que não ele conseguiria ver de outra maneira”, completa ele, na série dirigida por Lawrence Kasdan.
Inicialmente, Lucas queria ter a seu lado Douglas Trumbull, o responsável pelos efeitos de “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick. “Na época, o último filme de ficção científica de verdade tinha sido ‘2001’. Um filme brilhante, feito de modo brilhante. Mas as tomadas eram longas e muito lentas.”
Daí veio a ideia de fazer uma “ópera espacial com naves e combates aéreos”. “Mas algo com muito movimento, muito cinético. Sou um cineasta energético. Gosto de velocidade”, diz Lucas, que passou dois anos elaborando a história e o roteiro do primeiro “Star Wars”.
Como Trumbull de “2001” já estava comprometido com “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (1977), de Steven Spielberg, o técnico indicou o colega John Dykstra. Eles tinham trabalhado juntos nos efeitos da produção de sci-fi cult “Corrida Silenciosa” (1972). Dykstra então se encarregou de supervisionar o projeto e recrutar toda a equipe.
No primeiro episódio da série, dividida em seis partes, o foco cai na história pessoal e profissional daqueles que ajudaram a revolucionar os efeitos no cinema. Em sua maioria, eles eram artistas jovens ou nerds de tecnologia, como Richard Edlund, Joe Johnston, Phil Tippett, Dennis Muren, Lorne Peterson, Harrison Ellenshaw e Ken Ralston.
O mais curioso é acompanhar o trabalho no armazém improvisado. Naquele momento, antes da revolução digital que a própria ILM impulsionaria anos mais tarde, os efeitos eram práticos e mecânicos. Muitas das criaturas da aventura ambientada em “galáxia muito, muito distante” eram bonecos e fantoches, que os artistas moviam em uma maquete, criando a movimentação quadro a quadro.
As naves espaciais, incluindo a lendária Millennium Falcon, não passavam de miniaturas. Essas aeronaves foram todas construídas pelas mãos dos artesãos. O modo como eram filmadas era o que dava a grandiosidade – graças a câmeras e outros equipamentos de captura de imagem e de iluminação adaptados no set de filmagem.
Os cenários futurísticos foram criados basicamente com maquetes, pelos quais a câmera passeava. E os panos de fundo com as imagens de tirar o fôlego eram, muitas vezes, pinturas, resultado de uma técnica conhecida como “Matte painting”.
Trata-se de uma técnica de pintura sobre um vidro. Na hora de rodar, essa lâmina de vidro com a paisagem imaginária ou qualquer outro elemento fantasioso fixo era posicionada diante da câmera, criando a ilusão de que os atores estavam na imagem da pintura.
“Claro que eu consigo ver nas cenas as fitas adesivas e os elásticos que prendiam as miniaturas”, brinca Lucas, que iniciou a divisão de computadores da ILM durante a pré-produção do segundo longa da saga espacial.
Liderado por Ed Catmull, o grupo voltado à computação que trabalhou em “O Império Contra-Ataca” (1980) passou a ser chamado de Graphics Group. E a Pixar nasceu justamente desse núcleo, tornando-se o estúdio de animação em 1986, quando Steve Jobs se tornou o seu acionista majoritário.
“Eu sabia que assim que o cinema se tornasse digital, nós poderíamos fazer absolutamente qualquer coisa”, conta Lucas, que termina a entrevista abordando a série “The Mandalorian”. Concebida para expandir o universo de “Star Wars”, a produção realizada pela Lucasfilm recorre ao que há de mais moderno tecnologicamente.
Em uma arena com paredes e teto revestidos por painéis de LED de alta definição, batizada de The Volume, os cenários digitais são projetados na hora de rodar as cenas. Assim, os atores são envolvidos pela paisagem computadorizada tridimensional.
Quando Lucas visita o The Volume, em 2018, em imagem resgatada em “Light & Magic”, ele finalmente vê realizado aquilo que povoou a sua mente por tanto tempo. “Era exatamente um estúdio assim que tentei construir”, diz ele, satisfeito, apesar de não ser mais o dono da Lucasfilm. Ele vendeu a empresa que leva o seu nome à Disney, em 2012, por US$ 4 bilhões.