Se no ano passado as manchetes dos jornais anunciavam recorde atrás de recorde no ecossistema de startups, em 2022 foi a vez de matérias sobre demissões dominarem o noticiário.
Além dos cortes, o volume de investimentos no setor de tecnologia também caiu: considerando o acumulado dos seis primeiros meses de 2022, o montante investido foi de US$ 2,92 bilhões – em 2021, nessa época do ano, o mercado somava US$ 5,26 bilhões, segundo dados do Distrito.
Esses movimentos revelam que as correções de preço das companhias listadas em bolsa, devido ao contexto de inflação, juros altos e crise política, atingiram em cheio o mercado privado. Mas não só isso.
A desaceleração das startups em 2022 não pode ser descolada da evolução do ecossistema nos últimos anos. Engatando na maré boa de 2019, marcada pela chegada de grandes fundos de venture capital internacionais, a pandemia e o consequente isolamento social turbinaram os serviços digitais em um ritmo nunca antes visto.
Naturalmente, o mercado tornou-se competitivo e atraiu o apetite de diversos investidores, que, diante de um cenário de alta liquidez, aceitaram pagar múltiplos maiores de olho nas perspectivas ambiciosas das empresas.
Em um mundo de abundância de capital devido aos baixos juros, a sustentabilidade era menos importante que a velocidade: sabendo da facilidade de captar, os empreendedores optaram por um modelo mais agressivo de negócio, privilegiando o crescimento.
O que estamos vendo agora é uma correção dura, que força as startups a mudarem essas práticas, já que ciclos econômicos diferentes exigem comportamentos distintos. Com a escassez, o imperativo muda: agora, é preciso usar o capital de maneira mais inteligente, revendo os excessos da operação e a queima de caixa.
Diante disso, os empreendedores terão de mostrar habilidade ao manobrar a empresa e provar que o modelo é adaptável – serão valorizados os founders que sabem fazer gestão com o pé no chão, crescendo de forma sustentável. Quem não consegue conduzir a operação de forma realista terá dificuldades, porque o dinheiro tem um custo muito maior agora. E isso é bom.
Apertar os cintos não significa deixar a inovação de lado. O Brasil e sua grande quantidade de problemas estruturais seguem sendo um excelente berço para soluções de startups: o mercado de tecnologia ainda será um dos principais vetores de criação de valor e produtividade para a sociedade brasileira nas próximas décadas.
Haverá sempre espaço para negócios que mudem a vida das pessoas, solucionando problemas complexos. Basta ver a trajetória das big techs, que viram seus negócios sacudirem em vários momentos ao longo das últimas décadas, mas sempre encontraram novamente o caminho de crescimento.
Mais do que nunca, é preciso aproveitar as chances que surgem em meio às adversidades. As corporações, que também são cobradas por maior rendimento operacional em tempos de crise, podem olhar as startups como uma alternativa para resolver diversos problemas de eficiência – afinal, estamos diante de uma grande oportunidade para comprar ou investir em startups, que estão lidando com um momento de liquidez mais apertado.
As corporações podem olhar as startups como uma alternativa para resolver diversos problemas de eficiência
Em vez de desenvolver tecnologias dentro de casa, do zero, é mais rápido e barato buscar soluções prontas no mercado – além, claro, do potencial de escala. É um terreno fértil para a inovação aberta. As companhias que capacitarem seus funcionários para trabalharem nesse fluxo de inovação sairão na frente, porque eles enxergarão essas oportunidades antes da concorrência.
No final das contas, as mudanças serão benéficas para todo mundo. Do lado das startups, veremos empreendedores mais sóbrios, que já terão uma casca de proteção quando qualquer novo cenário desafiador surgir. Os investidores, que costumam ser responsabilizados pela performance do portfólio, terão mais cautela e vão evoluir para modelos de smart money, que preveem a ajuda direta no dia a dia das empresas.
Ao fim deste ano, o mercado de startups estará mais adulto, os empreendedores mais qualificados, e empresas e investidores poderão navegar em um ecossistema mais certeiro. É tempo de intensificar a transformação digital. A tendência de longo prazo não muda, o valor e a riqueza já estão, e continuarão, migrando de negócios tradicionais para os preparados para a Nova Economia.
* Gustavo Gierun é CEO do Distrito, além de atuar como investidor-anjo, mentor e conselheiro de startups