No mercado brasileiro de tecnologia, poucos são os nomes locais capazes de fazer frente ao poderio das marcas multinacionais. Nesse cenário escasso, a Multilaser conseguiu encontrar o seu espaço. Tanto no varejo como no bolso dos consumidores. Especialmente aqueles de menor poder aquisitivo.
Da fabricante de cartuchos prestes a ser engolida pelas gigantes do setor, em 2003, a empresa evoluiu para uma receita superior a R$ 2 bilhões e um portfólio de mais de 3,5 mil produtos. De celulares a drones e patinetes. Passando por brinquedos, aspiradores, balanças digitais e panelas elétricas.
Para fechar, com preços acessíveis, essa equação de diversas variáveis, a Multilaser investiu na importação de componentes e produtos chineses. E agora está acrescentando novos ingredientes e geografias ao seu já extenso leque de receitas.
Neste primeiro trimestre, o portfólio da companhia ganha seis novas marcas. “Estamos sempre prontos para mudar rápido”, disse ao NeoFeed Alexandre Ostrowiecki, 41 anos, CEO da Multilaser. “Mas nunca entramos em segmentos cujo mercado total é inferior a R$ 100 milhões por ano.”
Uma parte dessas novas linhas de produtos vai aproveitar a rede de mais de 50 mil pontos de varejo já desenvolvida para o portfólio atual, dividido em onze marcas. São os casos da Keep, de papelaria; da Up Home, de utensílios domésticos; e da Power Tek, de ofertas como no breaks, cabos e baterias.
Em contrapartida, há negócios que estão sendo estruturados do zero. Como a Mimo, que marca a estreia da empresa no segmento de pets. Hoje, o Brasil é o segundo maior mercado global da categoria, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2018, o setor movimentou R$ 20,8 bilhões no País, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet).
Para abocanhar parte dessa receita, a Multilaser vai investir em produtos com apelo tecnológico. Entre eles, um GPS acoplado à coleira do animal, uma câmera para monitorá-lo remotamente e um equipamento que permite programar e controlar, a distância, os horários de alimentação do pet.
A empresa também começa a explorar a oferta de computadores para empresas e para o governo. Batizada de Ultra, a nova marca já tem seis linhas com configurações mais robustas que as máquinas tradicionais da Multilaser. E será trabalhada basicamente por meio de revendas parceiras.
Com uma receita de R$ 20,8 bilhões em 2018, o Brasil é hoje o segundo maior mercado global de pets, atrás apenas dos EUA
A maior aposta, no entanto, é a Liv, que reúne as ofertas para casas conectadas. “É um mercado praticamente virgem e de potencial gigante”, diz Ostrowiecki. A marca traz produtos como sensores para controle do ambiente via celular, fechaduras e porteiros eletrônicos. Esses recursos estão sendo desenvolvidos pela equipe da Giga, empresa de segurança eletrônica comprada em 2017.
A Multilaser prepara ainda o lançamento de uma marca de produtos de beleza, chamada Essenza. E não descarta aquisições para abrir novas frentes. Em 2019, por exemplo, a companhia chegou a avaliar a entrada no mercado de sex shops. Uma análise mais apurada, no entanto, freou o processo.
Ao mesmo tempo, a empresa desativou, em 2019, as ofertas da Serene, sua linha de massageadores, como parte da estratégia de dosar o investimento em novas categorias com a saída de negócios em declínio.
Nos produtos já estabelecidos, a prioridade é a renovação e a ampliação das linhas. Em smartphones, segmento no qual seu tíquete médio é de R$ 500, a Multilaser aumentou seu leque com um modelo intermediário, vendido a R$ 1.399. Em tevês, o foco é ter ao menos um aparelho nas telas de 20, 32, 43 e 50 polegadas.
“A Multilaser é o caso clássico da aposta em não colocar todos os ovos na mesma cesta”, diz Marcus Quintella, coordenador do MBA de empreendedorismo da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Com essa abordagem, eles vêm contornando crises econômicas, crises mundiais e o impacto do desemprego no bolso do consumidor.”
Novas fronteiras
Os planos de expansão para 2020 vão além do portfólio. Em outubro do ano passado, a empresa inaugurou sua primeira loja física, em São Paulo. A unidade funciona como um show room, que amplia o acesso e a experimentação das famílias de produtos da fabricante.
Apesar dos bons resultados, a companhia adiou o projeto inicial de chegar a 200 unidades até 2021, por meio de franquias. Em substituição a esse modelo, decidiu instalar espaços exclusivos com parte do seu portfólio em lojas parceiras, dentro do conceito conhecido como store in store.
Já existem pilotos nesse formato rodando em redes como a Digimer, de Porto Alegre (RS), e a Sol Informática, de Belém (PA). Até o fim do ano, a meta é ter 100 projetos em todo o Brasil. “É um modelo mais prático, mais rápido e menos burocrático para avançar”, diz Ostrowiecki.
No varejo, a grande novidade, porém, é a entrada no mercado internacional, por meio de um acordo com um grande distribuidor, de nome não revelado. O projeto teve início pela Argentina e o Uruguai. As próximas paradas são Colômbia e Chile. Até o fim do ano, o roteiro incluirá os demais países da América do Sul e a América Central.
A projeção é de que todas essas iniciativas concentrem um aporte de R$ 60 milhões, basicamente destinado a capital de giro. Com exceção dos R$ 7 milhões reservados à ampliação da linha de ventiladores em Extrema (MG). A ideia é adicionar novas etapas na produção desses itens, antes restrita à montagem final. E sair de uma produção anual de 120 mil para 1,5 milhão de peças.
No ano passado, a receita líquida da Multilaser cresceu 7%, para R$ 2,04 bilhões
Em 2019, a Multilaser injetou cerca de R$ 70 milhões em sua operação. Esse montante foi destinado a projetos como a construção de uma fábrica de placas, em Manaus (AM), e a automação das linhas em Extrema. Hoje, as unidades instaladas nas duas cidades produzem 80% de toda a receita da companhia.
Parte dos recursos de 2019 também foi aplicada na ampliação do centro de distribuição (CD) em Extrema e na construção de uma nova estrutura em Santa Catarina. Um terceiro CD em Manaus completa a malha logística da fabricante.
“Investimos nesses projetos apostando em uma arrancada da economia, que não se concretizou”, conta Ostrowiecki. De uma estimativa inicial de 12%, a empresa reportou um avanço de 7% na receita, para R$ 2,04 bilhões. “Mas esses aportes nos deixaram prontos para 2020. E agora, estamos ampliando a aposta”, diz o empresário, sobre a previsão de um salto de 17% para esse ano.
Sinal de alerta
O caminho para realizar essa projeção passa, entretanto, por alguns possíveis percalços. O principal deles é uma eventual extensão da epidemia do coronavírus. E, por consequência, dos impactos na cadeia de fornecimento da empresa, fortemente baseada na China.
“A estratégia de diversificação da Multilaser minimiza diversas ameaças, mas não existe risco zero”, diz Quintella, da FGV. “E mesmo que esse cenário seja temporário, é um sinal de alerta para a empresa.”
Com um modelo de ciclos longos de compra junto aos fornecedores, a Multilaser ainda não sentiu nenhum efeito desse contexto. Segundo Ostrowiecki, a empresa tem estoque suficiente para operar em seu ritmo normal até o fim de março.
“Nós ainda trabalhamos com o cenário de que é um problema temporário e que logo será controlado”, afirma o CEO. Em contrapartida, ele ressalta que há poucas alternativas para minimizar esses impactos no curto prazo, já que boa parte da cadeia global do setor está concentrada no país asiático.
Responsável pelo desenvolvimento dos canais de fornecedores na China, Ostrowiecki aprendeu a falar mandarim e costumava visitar o país ao menos duas vezes por ano. Mas foi forçado a diminuir essas viagens a partir do fim de 2018, quando Renato Feder, com quem dividia a presidência da Multilaser, pediu licença da operação para assumir o cargo de Secretário da Educação no Paraná.
Ostrowiecki tinha apenas 24 anos quando assumiu o comando da Multilaser após a morte do pai, Israel. A pouca idade, aliada à falta de experiência, fez com que ele recorresse a Feder, seu amigo de infância, para ajudá-lo no desafio de reverter a situação da empresa, que parecia estar com os dias contados.
Afinada, a dupla desenhou e colocou em prática a transformação da companhia. Com perfis complementares, cada um respondia por sete diretorias. A partir da saída de Feder do dia a dia – ele permanece no Conselho de Administração –, Ostrowiecki consolidou a operação em onze áreas de negócios e deu mais autonomia a executivos da casa.
Com essa estrutura ajustada e os novos planos em andamento, o empresário não enxerga necessidade de voltar a bater na porta do mercado de capitais. Ao menos nos próximos três anos. Em meados de 2018, a companhia chegou a iniciar os procedimentos para um IPO. Mas recuou diante da janela pouco favorável na época.
“Um IPO é excelente quando você precisa de dinheiro e péssimo quando você não necessita de recursos”, afirma Ostrowiecki, citando os custos burocráticos e de diálogo com o mercado como muito altos nesse processo. “Hoje, nós temos liquidez e condições de tocar os nossos planos. O que precisamos é fazer a ‘lojinha’ vender.”
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