Sob o lema não-declarado de que é "melhor prevenir do que remediar", uma startup canadense tem feito da tecnologia a cura para possíveis epidemias. Usando inteligência artificial na análise de dados complexos, a BlueDot foi a primeira instituição a alertar seus clientes (governos, planos de saúde, hospitais, seguradoras, companhias aéreas e alguns indivíduos particulares) sobre o perigo do coronavírus em 31 de dezembro de 2019. O alerta foi feito mais de uma semana antes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Centro Americano de Controle de Doenças e Prevenção.

Essa "vantagem" foi conquistada graças a um sistema que realiza uma espécie de varredura em notícias, estudos, relatórios e pronunciamentos relativos à saúde. Documentos em 65 territórios e em diferentes idiomas são considerados na hora de analisar padrões de sintomas, contágio e comportamento de trânsito, a fim de apontar (e evitar) possíveis epidemias.

A ideia de unir medicina e tecnologia com essa inteligência artificial foi do médico canadense Kamran Khan, que idealizou a ferramenta depois de atuar como especialista em doenças infecciosas durante o surto da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave, em português), registrado em Toronto, em 2003. 

Na época, a doença, que também começou na China, logo se espalhou para Hong Kong até chegar ao território canadense, onde matou 44 pessoas.

"As notícias de hoje são, para mim, uma espécie de déjà vu", afirmou o médico em entrevista ao site da Wired. Essa repetição de padrões, aliás, permitiu com que Khan e seu time de 40 pessoas conseguisse prever para onde e quando a doença se espalharia: Bangkok, Seul, Taipei e Tóquio, numa questão de dias. 

As sugestões certeiras da BlueDot, porém, não começaram do dia para a noite. Embora a empresa tenha sido fundada em 2008, foi apenas em 2014 que a companhia desenvolveu um algoritmo realmente eficiente. De lá pra cá, já levantou US$ 9,4 milhões em investimento.

Todos os parceiros da empresa podem usufruir de dois produtos: BlueDot Insights, que abastece o usuário com alertas em tempo real de possíveis infecções, baseado no que é relevante para aquela pessoa ou organização; ou o BlueDot Explorer, uma plataforma em nuvem que interage com mais de 100 bancos de dados para monitorar epidemias, também em tempo real. Os valores variam de acordo com a necessidade e perfil de cada solicitante.

No caso de governos e corporações, esse serviço passa a ser um investimento de grande retorno. "Anualmente, a gripe custa aos Estados Unidos US$ 10 bilhões e mata 600 mil pessoas no mundo todo. O Banco Mundial e outras instituições estimam que estamos à beira de uma nova epidemia global que pode fazer 100 milhões de vítimas fatais e custar US$ 4 trilhões", revelou COO da BlueDot, Lindsay Bryson, em entrevista a Wired

Por trás da BlueDot, está uma equipe composta por médicos, engenheiros de software, epidemiologistas e programadores

Por trás da BlueDot, uma equipe composta por médicos, engenheiros de software, epidemiologistas e programadores trabalham para afinar cada vez mais o sistema. "Conseguimos, por exemplo, usar o processamento natural da linguagem e a inteligência artificial para saber distinguir se estamos falando de uma epidemia de antrax na Mongólia, ou da banda de heavy metal Antrax", explica Khan.

Mas além de prevenir e alertar, a inteligência artificial também pode ser a cura do vírus cuja epidemia começou na província chinesa de Wuhan e infectou mais de 40 mil pessoas no mundo todo. Até agora, 910 casos foram fatais.

Pesquisadores da startup britânica Benevolent AI estão utilizando a tecnologia para acelerar as pesquisas em drogas reguladas para encontrar soluções que limites a infecção pelo vírus.

Da mesma forma, cientistas da Deargen, farmacêutica sul coreana, afirmam ter aplicado deep learning para encontrar medicamentos antivirais que talvez levem a um possível tratamento do coronavírus.

A americana Insilico, por sua vez, aplicou a inteligência artificial para descobrir novas moléculas que tenham potencial para curar a doença. De acordo com uma reportagem da revista Fortune, a empresa vai sintetizar e testar 100 variantes.

Para Khan, a BlueDot e outras iniciativas do gênero existem na lacuna deixada pelo governo, que é muito vagaroso na hora de ocupar esse espaço entre medicina e tecnologia. "Os sistemas de saúde não têm a capacidade de se proteger e ninguém está atento aos riscos econômicos enfrentados pelo setor privado em geral", disse ao site de notícias Vator. 

Quem também chega para preencher esse vazio é o Google Health, que assumiu o controle da startup DeepMind, empresa focada em aplicar inteligência artificial a cuidados individuais. Por enquanto, a companhia vendida por US$ 500 milhões já consegue fazer o diagnóstico de câncer precocemente, bem como antever certos casos de cegueira e outras doenças. 

Já o CloudMex Health faz uso da análise de dados para ajudar médicos e pacientes a tomarem as melhores decisões. O modelo já foi testado com sucesso em diferentes áreas da medicina, como falha renal, cirurgias ortopédicas, esclerose múltipla e paradas cardíacas.

Seja no singular ou no plural, o uso da tecnologia e da inteligência artificial na área da saúde já é indispensável. "Quando uma pessoa zela pela sua saúde, ela zela pela saúde de todos. Uma epidemia começa com uma única pessoa, sempre bom lembrar", afirmou Khan, em discurso na Universidade de Concordia, em Ottawa, no Canadá.

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