Boston é referência em biotech. Israel domina a cibersegurança. E o Brasil? Bem, o Brasil é a terra das fintechs. E se você acha que isso é só empolgação de brasileiro, pode se sentar, porque os dados — e as histórias — falam mais alto.

Veja o caso da Pismo. Fundada em São Paulo, a Pismo construiu silenciosamente uma das plataformas de banking-as-a-service mais sofisticadas e escaláveis do mundo. Em 2023, foi adquirida pela Visa por US$ 1 bilhão — uma das maiores saídas da história das fintechs latino-americanas.

A cofundadora, Daniela Binatti, começou sua carreira em tecnologia corporativa e usou sua profunda expertise técnica e foco implacável para entregar soluções para algumas das instituições financeiras mais exigentes do planeta. A história dela não é exceção — é um sinal.

Mas afinal, o que está por trás da dominância brasileira em fintech?

Comecemos pelo Pix, o sistema de pagamentos que virou sinônimo de transferência instantânea em menos de cinco anos. Em 2024, o Pix movimentou impressionantes R$ 26,45 trilhões (US$ 4,56 trilhões, considerando câmbio de R$ 5,8 por dólar), com mais de 63,5 bilhões de transações no ano — um aumento de 54% em relação a 2023.

Mais de 60% da população brasileira usou o Pix ao menos uma vez por mês em 2024, com o Distrito Federal liderando a adoção com 77%. Só na Black Friday, foram quase 240 milhões de transações, movimentando R$ 130 bilhões (US$ 22,4 bilhões) em um único dia. Com 82% das transações feitas via dispositivos móveis, o Pix é, claramente, a espinha dorsal da infraestrutura financeira moderna do Brasil.

Se o Pix lidera em popularidade, o Open Finance brasileiro leva o título de "maior ecossistema financeiro aberto do planeta." Em 2025, mais de 60 milhões de consentimentos ativos e mais de 2 bilhões de integrações representam um salto gigantesco na inclusão financeira — superando EUA e Europa com folga.

Quer nomes de peso no mercado financeiro? O Brasil tem de sobra. O Nubank, nascido aqui, já supera o Itaú em valor de mercado e atende mais de 110 milhões de clientes na América Latina. É o primeiro banco digital da região a alcançar esse marco, posicionando o Brasil de forma definitiva no mapa global das fintechs.

E o crescimento não para aí: Stone, PagSeguro, e uma nova geração de fintechs como a Ume, especializada em crédito via Pix; a BRLA, liderando a revolução das stablecoins enquanto o Brasil se aproxima de uma regulamentação clara; e a Conta Simples, que simplifica a vida financeira de empreendedores — todas estão construindo negócios sólidos, muitas já listadas em bolsas internacionais.

Falando em dinheiro, o venture capital continua forte nas fintechs brasileiras. Em 2024, foram investidos US$ 1,55 bilhão (R$ 9 bilhões). Mesmo com a desaceleração econômica global, o Brasil acelera. Os investidores apostam alto nas fintechs locais, confiantes de que soluções desenvolvidas aqui em breve serão replicadas mundo afora.

Mas o Brasil não está apenas crescendo — está em posição única. Alguns pré-requisitos turbinaram esse ecossistema:

Um TAM imenso: com mais de 200 milhões de pessoas e uma população historicamente desbancarizada, o Brasil oferece uma escala que poucos mercados conseguem igualar;

Obrigatoriedade da nota fiscal eletrônica: criou uma trilha digital padronizada do comércio B2B — terreno fértil para startups de crédito e antecipação de recebíveis;

Penetração do WhatsApp: o Brasil é um dos maiores mercados do app no mundo, tornando-o um canal poderoso para onboarding, engajamento e até pagamentos;

Um Banco Central moderno e progressista: o Banco Central do Brasil não é apenas tech-friendly — ele lidera a inovação, do Pix ao Open Finance, e agora ao Drex, a moeda digital brasileira.

Esses pilares não apenas fizeram as fintechs crescerem — mudaram como a sociedade opera. Por exemplo, a inclusão digital gerou efeitos colaterais positivos em lugares inesperados. Pequenos empreendedores em favelas do Rio agora podem receber pagamentos instantâneos via Pix e ter acesso a crédito com base em seu histórico de transações. Trabalhadores informais, antes pagos em dinheiro, conseguem abrir contas digitais em segundos e acessar subsídios do governo durante crises.

Isso também está impactando educação e empregabilidade. À medida que cresce a adoção das fintechs, cresce também a demanda por habilidades digitais. Universidades e bootcamps já oferecem trilhas específicas em fintech, compliance e ciência de dados. Muitos fundadores das principais startups brasileiras têm menos de 35 anos — e muitos vêm de trajetórias nada convencionais. Fintech deixou de ser só um setor — virou um caminho de mobilidade social.

As plataformas internacionais estão percebendo isso. Bancos globais e redes de pagamento estão firmando parcerias com players locais para expandir seus serviços. A aquisição da Pismo pela Visa é apenas um exemplo. Stripe, Adyen e outras empresas estão investindo ou colaborando com infraestruturas brasileiras para aproveitar o conhecimento local. Essas parcerias reforçam o Brasil não apenas como potência regional, mas como hub global de inovação em fintech.

E o futuro? O stack fintech brasileiro agora é base para uma nova geração de apps e serviços. Já vemos fintechs embutidas em ferramentas do dia a dia — CRMs que emitem e conciliam notas automaticamente, e-commerces com liquidação em tempo real, softwares de contabilidade construídos com Pix como infraestrutura nativa. O Drex, a CBDC planejada pelo Brasil, deve adicionar mais uma camada de dinheiro programável a essa base.

Por que alguém de fora deveria se importar?

Porque o Brasil é uma prévia do que está por vir. O que acontece aqui antecipa tendências globais em fintech. O sucesso de Nubank, Pismo e outras já inspirou uma onda de fundadores e investidores se perguntando: “Quem está criando o Nubank da África? A Pismo do Sudeste Asiático?”

Uma nova geração está sendo construída sobre essa base. A Jota.ai combina ubiquidade do WhatsApp, Pix, Open Finance e IA para criar serviços financeiros nativos desde o início. A Iniciador, outro destaque, usa os novos trilhos de iniciação de pagamento para viabilizar transferências B2B automáticas. Não são apenas startups brasileiras — são modelos de infraestrutura fintech para o mundo.

Há lições aqui para qualquer ecossistema. Regulamentações ousadas, colaboração público-privada e infraestrutura moderna podem acelerar radicalmente a inclusão financeira. Outros países fariam bem não apenas em admirar, mas em estudar o modelo brasileiro.

Não é só inovação — é resiliência. As fintechs brasileiras foram forjadas em um ambiente macro desafiador, com juros altos, inflação e volatilidade cambial. Isso tornou os fundadores mais casca-grossa, os produtos mais eficientes e as estratégias de crescimento mais disciplinadas.

O Brasil não oferece apenas uma visão do futuro das fintechs — oferece um manual. Da regulamentação ao comportamento do usuário, da infraestrutura à imaginação, o país está mostrando ao mundo o que é possível.

Da próxima vez que alguém perguntar por que o Brasil é a capital mundial das fintechs, você vai saber responder: os dados falam por si — e o futuro financeiro já chegou.

*Luiz Guilherme Manzano é sócio e fundador da gestora de venture capital Big Bets