Nos últimos meses, o fundo de venture capital Big Bets fez três investimentos que só agora estão sendo divulgados. O primeiro deles é na Studdy, que está tentando criar um professor de bolso e torná-lo universal. Outro aporte foi na Pepper Bio, que desenvolveu um motor de predição do efeito de moléculas e drogas no corpo humano. E, por fim, na Menten, que faz aminoácidos a partir de simulações em computador.

O que essas três startups têm em comum é que a tecnologia por trás dessas inovações é a inteligência artificial (IA). E não se trata de uma coincidência. A grande aposta do Big Bets, perdoem o trocadilho, nos últimos dois anos, foi a inteligência artificial.

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“Não foi planejado. Sempre buscamos empreendedores que querem construir um produto digital e que são capazes de gerar muito valor. Mas quando vimos, a maioria era IA driven”, diz Luiz Guilherme Manzano, sócio do Big Bets, a gestora que ele fundou em conjunto com Alexandre Mello.

Atualmente, das 24 startups que o Big Bets investiu, 13 delas (mais de 50%) têm o que Manzano chama de “IA first” ou “IA driven”, um dos maiores portfólio de empresas de inteligência artificial de um fundo de venture capital que aposta no early stage no Brasil. São nomes como Aravita, DataMilk, Justos, Prota, Numind e unico.

Quem chamou a atenção para esse fato foi um investidor do fundo do Big Bets, que tem nomes como os de Fersen Lambranho, da GP; Sergio Furio, da Creditas; Gilberto Mautner, da Locaweb; e Ariel Lambrecht e Renato Freitas, da 99, além dos institucionais como Verde Asset e Spectra.

Em uma reunião em que mostrava os dados de desempenho do fundo, um deles comentou. “Silenciosamente, vocês montaram o portfólio mais adensado de empresas de IA do país." Manzano e seu sócio fizeram as contas e se deram conta de que a concentração desse tipo de startup era, de fato, muito alta.

A tese do Big Bets, que investe em rodadas pré-seed cheques que chegam até US$ 1,5 milhão, é apostar em empresas que transformam átomos em elétrons. São empresas construídas ao redor de software e dados. O pulo para a inteligência artificial, a partir desse ponto, foi fácil. Mas, nessa área, o Big Bets trabalha também com algumas temas específicos.

O primeiro deles são empresas que usam LLM (large language model), da qual o ChatGPT é o principal exemplo (e um dos responsáveis pela moda em torno de IA nos dias de hoje). Exemplos de investimentos são a Studdy e a Numind, que desenvolveu uma ferramenta para desenvolvedores e time de dados que ajuda a extrair informações de documentos.

Outra tese é a de serviços financeiros, mas que usam uma base forte de engenharia de dados para precificar. São os casos de Ume, que se tornou uma espécie de bandeira de cartão de crédito para o PIX parcelado, e de Justos, uma insurtech que precifica o seguro a partir de como o motorista dirige.

A terceira vertente de investimentos é a da indústria farmacêutica. A crença de Manzano é que essa área está na iminência de passar por uma transformação, assim como aconteceu com o serviços bancários com a chegada das fintechs. “É uma indústria grande e lucrativa”, afirma Manzano. “A nossa aposta é que vai ser digitalizada.”

Nessa área, o Big Bets tem em seu portfólio a Pepper Bio e a Menten (já citadas) e a Huna, uma startup que ajuda na detecção precoce câncer de uma forma mais rápida e barata (com o uso de inteligência artificial, é claro.)

Por conta dessa concentração em inteligência artificial, o perfil dos empreendedores foge também do convencional. Um exemplo é que o Big Bets tem três vezes maios CEOs com PhDs do que com MBAs. E quase 40% deles são programadores.

Entre eles, está Antonio Molins, cofundador da Justos, que tem duplo PhD por Harvard e MIT. Ele foi diretor de produto da Netflix e responsável pela criação do algoritmo que faz a recomendação de filmes e séries (as patentes, inclusive, estão em seu nome).

Outro exemplo é Etienne Bernard, fundador da Numind. O empreendedor tem pós-doutorado pelo MIT e é ex-head de machine learning da Wolfram Alpha, um dos principais laboratórios de processamento de linguagem natural e que desenvolveu uma das tecnologias principais para fazer a Siri, da Apple, se comunicar com você.

O que o Big Bets está de olho é talvez na principal tendência de tecnologia dos últimos anos. Há várias pesquisas que mostram o impacto que a IA vai causar em vários setores da economia – e cada uma delas apresenta um número diferente. A única coincidência é quantidade de zeros a direita. São muitos e pode ir de bilhões de dólares até trilhão de dólares.

Um desses estudos, realizado pela consultoria Bain & Company, descobriu que 85% das corporações globais já consideram a inteligência artificial uma prioridade. Outro relatório diz os investimentos na área totalizaram US$ 40 bilhões em 2022. Em uma década, o volume de recursos chegará a US$ 1,3 trilhão, segundo a Bloomberg Intelligence.

Os fundos de venture capital estão de olho nessas cifras. Em uma rara aparição, depois dos tombos que sofreu em alguns de seus investimentos, Masayoshi Son, o fundador do Softbank, mostrou seu entusiasmo com a tecnologia, dizendo que a IA vai superar o conhecimento humano.

“Afirmar ‘não use inteligência artificial” é como dizer “não dirija um carro ou use eletricidade’”, disse Son, em uma apresentação no começo de outubro deste ano. “Quer você goste ou não, a revolução da inteligência artificial virá.”

Ao que tudo indica, a inteligência artificial deve ser a grande aposta de quase todos no mundo do venture capital.