Capitalizada pelo seu IPO e pela explosão da digitalização na Covid-19, a Locaweb fez 16 aquisições entre 2020 e 2022. O pós-pandemia trouxe, porém, uma desaceleração no e-commerce e um cenário macro desfavorável, forçando a companhia de tecnologia a frear os M&As e outras frentes de expansão.
Esse ímpeto deu lugar ao foco na integração dos ativos e no caixa. Mas, agora, sem desviar desse curso, a empresa tira da gaveta uma antiga ambição, que está sendo resgatada justamente por meio da maior aquisição feita na fase de bonança.
Comprada em abril de 2021, por R$ 524,3 milhões, a Bling, de sistemas de gestão (ERP) para pequenas e médias empresas, acaba de desembarcar no México. Com esse passo, antecipado com exclusividade ao NeoFeed, a Locaweb consolida sua primeira incursão fora do mercado brasileiro.
“Internacionalização é um tema que olhamos no passado, mas demos uma congelada porque, normalmente, requer um investimento forte”, diz Fernando Cirne, CEO da Locaweb. “Como temos sido muito cobrados por rentabilidade, tiramos o pé. Com exceção da Bling.”
Ele não revela o aporte no projeto. Mas ressalta que, graças ao modelo da plataforma, baseado em nuvem, foram aplicados poucos recursos. Além de adequações ao idioma e à tributação local, a Bling fez, praticamente, “um control C e um control V” no produto para carimbar seu passaporte.
Nessa linha, ao menos no curto prazo, a operação direta no México estará restrita a dois profissionais para adaptar o produto às necessidades locais. Essa dupla terá o apoio dos 350 profissionais da Bling no Brasil.
Uma escala decisiva para essa conexão sair do papel foi a viagem feita por Cirne, há um ano e meio, até a sede da Bling, em Bento Gonçalves (RS), onde se reuniu com Marcelo Navarini, diretor de operações da empresa.
“Ele me provou que a escalabilidade da plataforma nos permitiria crescer sem qualquer risco de rentabilidade”, diz. Na contramão da operação enxuta, ele resume o grande potencial visto no país. “O México ainda está se digitalizando. É o Brasil dez anos atrás.”
Navarini, que comandará a operação mexicana, traz mais indicadores para referendar como, além de fechar essa conta, a entrada no país abre uma fronteira considerável a ser explorada pela Bling.
“O México tem cerca de 5 milhões de PMEs”, afirma ele. “O país tem características de renda, de perfil de população e de consumo similares ao Brasil. E está vivendo uma onda de formalização e de uso de sistemas que já passamos aqui.”
Ao mesmo tempo, ele pontua que a competição no mercado mexicano também está sendo redesenhada. “Muitos players tradicionais de ERP ainda estão se posicionando no e-commerce”, diz Navarini.
Uma das apostas para tomar a dianteira nessa corrida é a integração com marketplaces como Amazon e Mercado Livre. Outra é o fato de a Bling reunir recursos para operações de e-commerce, híbridas e físicas das PMEs.
Após um “soft launch”, há pouco mais de uma semana, a Locaweb vai concentrar sua estratégia comercial em um site local da Bling, no atendimento 100% online e no marketing digital.
“Não vamos ter um orçamento específico para o México nesse primeiro momento”, diz Cirne. “O plano é entender o quanto a mídia mexicana consegue absorver de investimento e colocar recursos até onde o custo da venda for rentável.”
Um ponto fora da curva
A escolha da Bling para ser a ponta de lança na internacionalização da Locaweb não se restringe ao binômio escala com baixo custo. A decisão ganhou fôlego à medida que a plataforma passou a ser um ponto fora da curva no mapa do próprio grupo.
“A Bling já trabalha no breakeven, fatura mais de três dígitos e seu crescimento somado ao Ebitda é de mais de 60%”, diz Cirne. “Esse é, certamente, o nosso melhor case de aquisição. É um brinco de empresa.”
Embora não revele dados consolidados da operação, Rafael Chamas, CFO da Locaweb, reforça esse coro destacando que a Bling está 50% acima das metas estabelecidas na época da aquisição.
“A receita da Bling vem crescendo mais de 40% ano contra ano”, explica Chamas. “E a operação vem registrando um desempenho melhor do que a própria divisão de commerce, que é o carro-chefe da Locaweb.”
No segundo trimestre, a receita da divisão de commerce foi de R$ 209 milhões, alta anual de 20,4%. Já a receita total do grupo cresceu 11,1%, para R$ 313,9 milhões. A Locaweb reportou, porém, um prejuízo de R$ 38,8 milhões, contra um lucro de R$ 13,3 milhões, um ano antes.
O Ebitda ajustado foi de R$ 53,8 milhões, um salto de 33,2%, enquanto a margem Ebtida ajustada avançou 2,8 pontos percentuais, para 17,2%. Já o caixa líquido ficou em R$ 986,7 milhões, ante R$ 1,34 bilhão no segundo trimestre de 2022.
O resultado dividiu analistas. O Itaú BBA manteve a recomendação neutra e ressaltou que, após os sinais de recuperação nos trimestres anteriores, o período não trouxe melhorias substanciais, indicando como pouco provável que o “bom momento” perdure nos próximos meses.
Já o Bank of America atualizou a recomendação de venda para compra e elevou o preço-alvo da ação de R$ 5,80 para R$ 10, citando a convergência de fatores positivos, como os ajustes operacionais da companhia, a queda dos juros e o seu provável impulso para a retomada do e-commerce.
No meio do caminho, o Santander manteve a recomendação neutra e o preço-alvo de R$ 7,80. Mas projetou uma janela de recuperação no segundo semestre de 2023, a partir de frentes como as iniciativas de cross-selling no grupo, algo que está, inclusive, no radar da operação mexicana.
“A Bling já é a porta de entrada de outras ofertas do grupo no Brasil, como serviços financeiros e logística”, diz Chamas, recorrendo, mais uma vez, ao mantra em voga na Locaweb. “No México, se tudo evoluir bem, podemos pensar nessa mesma estratégia para ampliar a rentabilidade dessa operação.”
As ações da Locaweb encerraram o pregão da segunda-feira, 25 de setembro, com alta de 1,27%, cotadas a R$ 6,37. No ano, porém, os papéis acumulam uma desvalorização de 9,2%. A empresa está avaliada em R$ 3,7 bilhões.