Há nove anos, o sócio da GP Investments e da G2D e ex-CEO da Americanas nas décadas de 1980 e 1990, Fersen Lambranho, mudou-se para a Inglaterra, de onde passou a ter uma visão privilegiada sobre o Brasil. Do “centro do mundo”, como alguns gostam de se referir a Londres, ele passou a ver como o País não tinha relevância no debate global.

Por conta disso, começou a tentar entender como o Brasil poderia se tornar um protagonista. E acredita que encontrou a resposta. “A maior riqueza que o Brasil tem é a da biodiversidade” afirma Lambranho, em entrevista ao NeoFeed. “Se o Brasil tem um espaço no mundo, esse é o espaço.”

Desde então, iniciou uma cruzada para tentar mover os olhos dos investidores para a região amazônica. E, embora reconheça que centros financeiros, como Wall Street, City de Londres e Faria Lima, não entendem a Amazônia, Lambranho está tentando encontrar um caminho para fazer essa conexão.

“Tem um trabalho para ser feito que é muito parecido com o que foi feito pela Endeavor, há 20 anos, ao chamar a atenção para a importância do empreendedorismo no Brasil”, diz Lambranho.

Questionado se é preciso criar uma “Endeavor” para a Amazônia, Lambranho diz que não tem a resposta. Mas acrescenta: “O modelo de venture capital não vai funcionar na Amazônia..

Ao mesmo tempo que se movimenta na pessoa física, Lambranho diz que, aos poucos, está movendo o portfólio da GP e da G2D nesta direção. De forma geral, ele resume esses investimentos como o de “empresas que melhoraram o mundo”.

A gestora britânica The Craftory (da qual a G2D detém uma fatia) conta com 60% de seus investimentos em empresas B, que visam o modelo de negócio no desenvolvimento social e ambiental. Mesmo na GP, que tem no portfólio a varejista Centauro ou a de seguros Akad, Lambranho diz que acredita “ser muito difícil a gente fazer algum investimento que vai contra essa tendência”.

Nesta entrevista, Lambranho fala também sobre por que se posicionou a favor da democracia nas eleições de 2022, comenta os motivos de ser contra o Marco Temporal e lamenta o que está acontecendo com a Americanas, empresa em que trabalhou de 1985 a 1998.

Nos últimos tempos, você tem se posicionado claramente sobre alguns pontos. E um deles é a Amazônia. Como um investidor forjado na cultura da meritocracia passou a falar de temas como a preservação da floresta?
Nesses últimos 30 anos, fui formado em buscar onde tem maior potencial de se desenvolver. E descobri o seguinte: a nossa cultura ocidental foi construída no deserto. O Torá, a Bíblia, o Alcorão foram escritos no deserto. A forma de pensar do mundo ocidental é a da escassez. E muitas das relações entre as pessoas e as coisas acontecem pela questão da escassez. Quando essa civilização desce para o Hemisfério Sul e encontra uma abundância de recursos, não consegue entender muito bem como isso funciona. E passa, então, a simplificar. Em vez da floresta exuberante, eu faço um pasto, porque de pasto eu entendo. E quem entende da abundância é quem está há milênios sobrevivendo na abundância, independentemente de tudo o que fizeram para que fossem destruídos, que são os povos originários.

E o Brasil nesse contexto?
Estou há nove anos morando na Inglaterra. E vejo como o Brasil não tem relevância no debate. Isso é uma coisa que me incomoda. O Brasil é uma potência agrícola. Mas o que o Brasil tem realmente de diferencial? É a biodiversidade brasileira. A maior riqueza que o Brasil tem é a da biodiversidade. Os povos originários entendem isso.

"Vejo como o Brasil não tem relevância no debate. Isso é uma coisa que me incomoda"

Como aproveitar essa biodiversidade?
Eu acho que nós, os homens da escassez, construímos São Paulo, fizemos a Revolução Industrial e fizemos coisas que achamos que são fantásticas. Mas (essas coisas) não são fantásticas para fauna e para flora. E também não são fantásticas para todos os homens. Temos que aprender um pouco sobre isso. E deveríamos estar gastando uma energia para entender com mais profundidade a abundância da natureza e desses biomas. Se o Brasil tem um espaço no mundo, esse é o espaço. Quando você fala de economia verde, tem muita coisa para fazer. Tem de reformar as indústrias e o transporte. Isso vai ser feito onde a tecnologia se desenvolve, nos Estados Unidos, na Inglaterra e em Israel. Mas as moléculas que estão nos animais, nas plantas, nas águas, nós somos o maior país do mundo com capacidade de fazer disso um bem para todo mundo. Mas o Brasil tem um dilema.

Que dilema?
O Brasil vai preservar a natureza e os biomas e preservar as moléculas que podem dar solução para um monte de coisas? Ou o Brasil vai ser o fornecedor de minerais que vão fazer a economia verde dos outros países? Esse é um dilema do Brasil.  Eu acho que os europeus, por mais verdes que eles sejam, eles acham que replantar é igual a preservar. Acredito que eles não conseguem entender que a preservação é sem preço. É de um valor incomensurável.

Como isso se reflete nos seus investimentos, pois tem muita gestora que faz um discurso bonito de preservação e ESG, mas, quando você olha o portfólio, ela está investindo em petróleo?
Quando você olha a G2D, por exemplo, vai ver que todas as empresas (do portfólio) melhoram o mundo de alguma forma. Posso te responder dessa maneira. Quando olha um investimento muito relevante que a GP fez na Akad, ele tem conexão com isso também. Tem um trabalho para ser feito que é muito parecido com o que foi feito pela Endeavor, há 20 anos, ao chamar a atenção para a importância do empreendedorismo no Brasil. Não tinha empreendedor no Brasil em massa na década de 1990, como tem hoje. Isso foi construído. No caso da Amazônia, pouca gente conhece o Mapbiomas, do Tasso Azevedo. Ele esquadrinha o Brasil em quadradinhos de 30 metros por 30 metros. Ele consegue ter um histórico, desde a década de 1980 até hoje, de tudo o que aconteceu em cada quadradinho. E quando olha essa análise, o que você vê na Amazônia? Que o que está preservado é terra indígena. Isso é objetivo, é lógico. O portfólio da GP, claramente, se moveu nessa direção. Na The Craftory, que é 65% do NAV (net asset value) da G2D, tem isso.

Mas esse modelo de investimento funciona na Amazônia?
O modelo de venture capital não vai funcionar na Amazônia. Não tem nada, absolutamente nada para ensinar lá. A gente precisa aprender. Então, vai ter de ser construído uma nova maneira de investir, de cobrar o investimento, de desenvolver o investimento para que isso seja efetivo e não seja um negócio pequeno como tem sido hoje.

"O modelo de venture capital não vai funcionar na Amazônia. Não tem nada, absolutamente nada para ensinar lá"

Mas existe esse modelo?
Não existe. Mas acredito que vai ser feito por quem está lá dentro, por quem está com o pé no barro. O que vejo é o seguinte: tem muito dinheiro para esse tipo de coisa no mundo, que fica em gestores nos EUA e na Europa. Quando esse dinheiro vem para projetos no Brasil e na floresta, é o dinheiro mais caro do mundo. Então, não pinga o dinheiro na mão do cara que está dentro da floresta preservando a floresta. Esse dinheiro fica empossado lá em cima. Qual é o trabalho? O trabalho deveria ser o de construir um ecossistema de cientistas e projetos que conseguisse fazer a imagem do Brasil de tal forma para que os recursos viessem para quem efetivamente faz o negócio acontecer na ponta.

Como fazer isso?
Eu não tenho a resposta. Por isso, estou com o Mariano (Cemano), da AMAZ, o primeiro fundo desse tipo, tentando pensar formas de fazer isso. Acredito que falta o fundamental: ter um movimento como na Endeavor, de pessoas, empreendedores e empresários, dizendo que a Amazônia é fundamental. Não estou falando de dinheiro. Estou falando de coração e mente. Quando você doa o seu tempo para alguém para ajudar a empreender, você está doando a coisa mais preciosa que você tem.

Mas aí não vira filantropia em vez de um negócio que pode gerar ganhos para todo o ecossistema?
A filantropia está acontecendo hoje. Hoje, o recurso que chega na Amazônia é da Vale e de seu fundo. É da Natura. É de organismos internacionais. Hoje, você tem filantropia. O que estou falando é outra coisa. Estou falando de apoio. Não acho o que a Endeavor fez foi filantropia. O que a Endeavor fez foi criar um ecossistema. É claro que na Amazônia é muito mais difícil, complicado e não é óbvio. E se tiver a união de todo mundo abraçando essa ideia, acho que é possível fazer.

Precisa, então, criar uma “Endeavor” para a Amazônia?
Se é uma Endeavor, não sei. Mas precisa chamar a atenção das pessoas para a Amazônia. E as pessoas entenderem o que é a Amazônia e perceberem isso. E, na hora que isso acontecer e os brasileiros realmente abraçarem a Amazônia, o recurso do mundo vai vir. E as soluções vão aparecer.

Você acredita que Wall Street, em Nova York, a City, de Londres, e a Faria Lima, de São Paulo, entendem a Amazônia?
Eles não entendem. Não vejo nenhuma diferença entre a Faria Lima, Wall Street e Londres neste tema. Acredito que não eles têm o entendimento profundo. Não sabem, por exemplo, que, nos nossos povos originários, têm gente fazendo audiovisual, estão usando celular. E tem o projeto do Tasso (Azevedo, do Mapbiomas) de colocar as antenas do Elon Musk em cada tribo indígena. O cara que está desmatando tem internet. As tribos não têm.

"Não vejo nenhuma diferença entre a Faria Lima, Wall Street e Londres neste tema. Acredito que não eles têm o entendimento profundo"

Mas, se Wall Street, Londres e Faria Lima não entendem a floresta, como ganhar dinheiro?
Um baseline é crédito de carbono, uma moeda que foi criada para compensar as emissões de empresas, países e tudo mais. Ela não é para sempre. O crédito de carbono é uma moeda que vai ter um valor até a transição acontecer. Mas ela tem um valor. Nós temos um estoque para fornecer para o mundo. Isso dá um certo yield, um certo retorno. Você pode ter ganhos de projetos que vão desde a castanha e o açaí até a molécula que vai fazer o remédio que vai resolver o problema do Alzheimer – estou especulando alguma coisa. Essas coisas têm prazos longos. São coisas de alta tecnologia. E se tiver a governança correta, pode mudar o mundo.

Mas de onde vai vir o dinheiro?
Tem a filantropia. Mas deve ter muito dinheiro institucional do mundo que está disposto a ter um yield que não é espetacular, com uma cabeça de preservação. Para ter isso, precisa ter confiança. E essa confiança precisa ser criada. E a tecnologia ajuda. A Moss está construindo sistemas com 17 bases de dados públicas. Sim, o Brasil tem bases de dados que o mundo não sabe que tem. Na academia sabem. Se você for de Havard, Oxford e Princeton, eles sabem. Mas o cara que administra US$ 2 trilhões não sabe. Se você consegue enxergar em tempo real que aquele 30 metros por 30 metros está sendo preservado, acredito que tem dinheiro para esse tipo de coisa. E o retorno vai variar. Obviamente, não é o mesmo retorno de se aplicar na bolsa. Mas se for olhar como o mundo foi construído, as grandes coisas que o homem fez, o retorno foi de longo prazo.

Você citou a Moss, uma empresa que você investe na pessoa física e que a The Craftory (da G2D) também investe. O Luiz Adaime, fundador da Moss, tem uma frase que diz que o Brasil tem o potencial de ser o Oriente Médio do crédito de carbono. Você acredita nisso ou é um exagero?
Acredito que ele está certo. Mas não é apenas crédito de carbono que interessa. Pega o livro da Julia Sekula com o Jorge Caldeira (Brasil: paraíso restaurável) e olha a capa do livro. Na capa, tem o mapa do potencial de geração de vida. Os EUA não são nada. E o Brasil é a maior potência do planeta (veja abaixo). Não é uma questão puramente do carbono. É geração de vida: água, planta, animais. Quando faz uma molécula de remédio, você está sintetizando alguma coisa. Quando você tem uma doença, você tem um desequilíbrio. A solução do desequilíbrio, não tenha dúvida, está na natureza. É uma questão de descobrir qual é. Não precisa sintetizar. Pelo que sei, anualmente, descobrem-se milhares tipos de plantas desconhecidas. Tem muito dinheiro no mundo e deve ter um volume de dinheiro suficiente para poder preservar o futuro do planeta. A preservação do que é original é urgente. Mas não é o mesmo raciocínio de quem está aplicando na bolsa ou em título do governo, que rende 14% ao ano.

Mapa-múndi segundo as riquezas naturais dos países: Brasil, um gigante; EUA e Europa, minúsculos
Mapa-múndi segundo as riquezas naturais dos países: Brasil, um gigante; EUA e Europa, minúsculos

Além da Amazônia, você tem se posicionado através de suas redes sociais contra o Marco Temporal e, nas eleições presidenciais, defendeu a democracia. Você não teme entrar neste debate polarizado?
Acredito que no momento da eleição era um momento em que você pode eventualmente estar dizendo o que você pensa, ainda mais em uma situação tão crítica como a que vivemos. Fui formado liderando grandes contingentes. Me incomoda quando o líder de uma empresa ou de um país faz comentários ou afirmações que podem ser uma besteira. Quando o CEO de uma empresa anda um milímetro fora do eixo, a base anda cinco quilômetros. Me incomoda bastante certos discursos que soam mal-educados e que ferem a sensibilidade das pessoas. Isso me incomoda demais. Sei como isso é pernicioso em uma empresa e desastroso em um país. A eleição de 2022 é um ponto fora da curva na minha vida. Não tenho partido e não sou político. Mas aquele momento era crítico. Tanto que o Brasil está dividido. A verdade está no meio do caminho. Não está nem de um lado, nem do outro. Uma coisa, no entanto, tenho certeza absoluta: a preservação da democracia é a única forma de se chegar a algum lugar.

E o Marco Temporal?
Quando você fala da questão do Marco Temporal, volto a uma análise numérica. Se você ligar para o Tasso Azevedo e pedir para ele mostrar o Mapbiomas para você, os dados estão lá. A floresta preservada é onde os índios estão cuidando. E eles estão fazendo isso há milênios. Não é novidade. Tentar mexer nisso, ou fazer da forma que está se propondo a fazer, é uma coisa crítica, porque não tem volta. Depois que você destruiu uma planta, ela não vai ter volta. A gente sabe que o solo da Amazônia é frágil e não vai renascer.

No caso do Meio Ambiente, a ministra Marina Silva é reconhecida mundialmente nessa área. Você acredita que pode ter avanços?
Não só acredito, como torço. Mas não tem nenhuma razão para não ter, dado o histórico do passado. Vejo as pessoas dizerem que o maior desmatamento da história aconteceu no mês passado. A gente sabe que essas coisas levam tempo para serem ajustadas. Não vejo razão para não ser alguma coisa muito positiva. E vou ficar muito decepcionado como cidadão, como brasileiro, se não for. E vejo que junto com a Marina tem muita gente do ramo. Tem um acolhimento, pelo menos, de quem está nesse negócio trabalhando em prol de fazer a coisa certa. Isso já é um bom sinal.

(Nota da redação: após a entrevista, o Ministério do Meio Ambiente informou que o desmatamento na Amazônia caiu 33,6% no primeiro semestre em comparação ao mesmo período do ano passado, segundo dados do sistema Deter)

Algumas gestoras têm se posicionado fortemente em ESG. Um exemplo é a BlackRock, a maior do mundo. Você disse aqui que se posiciona como cidadão. Mas como empresário e investidor, você tem um compromisso de seguir isso em seus investimentos na GP e G2D?
Acredito ser muito difícil a gente fazer algum investimento que vai contra essa tendência. A gente não é radical. Mas hoje investir em algum negócio que vai na tendência contrário, eu não vejo como. A Akad é um investimento relevante, que nós temos 90% da companhia. Seguro é um negócio importante para as pessoas e os negócios. E se a gente conseguir fazer com que um volume imenso de pessoas seja incorporada a esse novo mundo, tenha ferramenta para trabalhar melhor e desenvolver melhor, a gente está fazendo nossa parte. Como estamos fazendo nossa parte quando estamos vendendo fralda de bambu, fazendo comida natural para cães e gatos na Europa.

Você foi um CEO histórico da Americanas. Com tudo o que está acontecendo com a empresa hoje, como você está vendo?
Lamento profundamente tudo isso que aconteceu. Eu saí da presidência da Americanas há 25 anos. Eu saí do Conselho faz 20 anos O sentimento que eu tenho, eu acho que é similar a de um pai que manda o filho fazer mochilão na Europa e ele explode uma catedral ou uma sinagoga e depois você descobre pelo computador dele que ele tinha visões radicais do mundo e você não sabia. A Lojas Americanas tem 94 anos e espero que a companhia chegue aos 200 anos, por tudo que ela representa para os consumidores e para milhares de fornecedores pelo Brasil. Realmente torço para que esse episódio seja um ponto fora da curva na longa história da companhia que tem um time de dezenas de milhares de pessoas aguerridas e trabalhadoras.