Douglas Storf, Ury Rappaport, Adhemar Milani Neto, João Costa, Pedro Somma, André Florence e Matheus Moraes. O que esses sete empreendedores têm em comum? Todos eles, em algum momento de suas carreiras, foram funcionários da 99, a startup brasileira vendida para a chinesa Didi Chuxing, que se tornou o primeiro unicórnio brasileiro em janeiro de 2018.
Agora, esse grupo de pessoas – e muitos outros que passaram por lá – está criando suas próprias startups e levantando milhões de reais com fundos de venture capital.
Douglas Storf e Ury Rappaport são os fundadores da Swap, uma startup que cria carteiras digitais e fintechs de forma rápida. Adhemar Milani Neto e João Costa estão por trás da Kovi, que aluga carros para motoristas de Uber e 99. Pedro Somma se envolveu com a questão de mobilidade e toca o aplicativo Quicko, que integra diversos meios de transporte. E, por fim, André Florence e Matheus Moraes são os criadores da Alice, uma healthtech que pretende chacoalhar o mercado de saúde.
Eles fazem parte de uma “máfia” que nasceu nos corredores da 99, a startup fundada por Ariel Lambrecht, Renato Freitas e Paulo Veras. Não há nada de pejorativo no termo “máfia”. Ao contrário. A expressão foi popularizada no Vale do Silício e a mais conhecida delas é a do PayPal, uma referência à empresa de pagamentos que gerou uma série de empreendedores e empresas. Os seus membros mais proeminentes são Reid Hoffman, que fundou o LinkedIn; Peter Thiel, que criou a Palantir; e Elon Musk, o multibilionário fundador da Tesla e da SpaceX.
Nos Estados Unidos, o Google também inspirou uma série de pessoas a criar suas próprias startups. Mas, no Brasil e na América Latina, esse movimento não era muito comum. Os empreendedores que fundaram as companhias que fizeram sucesso na primeira fase de internet na região seguiram outro caminho: o do venture capital.
Nicolas Szekasy e Hernan Kazah, dois dos fundadores do Mercado Livre, por exemplo, criaram o fundo Kaszek. Os fundadores do comparador de preços Buscapé se dividiram em gestoras de capital de risco diferentes. Rodrigo Borges está na Domo Invest e Romero Rodrigues, na Redpoint eventures. De uma forma diferente, eles ajudaram no desenvolvimento de centenas de startups como investidores.
Até agora, no entanto, não havia surgido uma “máfia do PayPal” brasileira. Lambrecht foi quem chamou a atenção para esse fato. Em um post no LinkedIn, ele listou mais de uma dezena de startups que nasceram a partir de pessoas que trabalharam na 99, bem como na Yellow e na Grow – suas duas últimas startups, que foram incorporadas pelo grupo Mountain Nazca, o mesmo que comprou o Peixe Urbano, por um valor simbólico.
Na lista, além das já citadas, estão nomes de startups como Boomerang, Orelo, Spry (comprada pela Loft), Agência Estufa, Ellas, Pingo, 01, Toni, Espaço Doctor, Infomap, Profissão RelGov, Explore Creative Learning, Parrot Software, WeCook Data Kitchens, Waldi, iHunt, Torus e Reflow.
Todas elas têm, entre seus fundadores, ex-funcionários da 99, da Yellow ou da Grow. Alguns deles trabalharam em pelo menos duas das empresas. O que fez, então, a 99 se tornar um celeiro de novas startups? Com a resposta o próprio Ariel Lambrecht.
“Acho que a 99 mostrou que empreender tem muitos desafios, mas se você juntar as pessoas certas, super alinhadas na cultura e no propósito, não tem gigante Golias que te derrube” disse Lambrecht ao NeoFeed.
“Passamos por muitos perrengues e fomos desbravando o mercado, sempre com uma postura de ir aprendendo juntos e conquistando juntos. Acho que isso fez com que muitos que trabalharam com a gente fossem picados pelo mosquito do empreendedorismo.”
Os empreendedores com quem o NeoFeed conversou concordam. “A 99 sempre teve a cultura de fazer acontecer”, afirma Ury Rappaport, da Swap, que começou a trabalhar na 99 na área de desenvolvimento de negócios em 2014. “Éramos constantemente desafiados a pensar e a viabilizar coisas com a nossa criatividade. E isso permeou todas as áreas.”
Rappaport lembra que certa ocasião ele precisava fazer uma pesquisa de mercado e foi atrás das principais empresas da área. O projeto custava centenas de milhares de reais. “Eles me falaram: seja criativo.” Foi o que ele fez. Desenvolveu o próprio formulário, contratou oito empresas de promotores e motoboys e fez a pesquisa dessa forma. “Ela custou apenas R$ 20 mil.”
Ao mesmo tempo, os funcionários tinham de lidar com a expansão acelerada da 99. Não se trata de uma má notícia, é claro. Mas tem os seus desafios. Adhemar Milani Neto, da Kovi, relembra que quando entrou na 99, em 2017, o Pop, serviço que concorria com a Uber, praticamente não existia.
“Em pouco tempo, saímos de 100 para 1.000 pessoas”, afirma Milani Neto. “São poucas empresas que passaram por esse hipercrescimento rápido e violento. É um aprendizado primordial para o empreendedor.”
Milani Neto era um consultor da Bain & Company quando foi contratado pela 99. Tinha experiência de trabalhar em uma das principais consultorias do mercado. Imagine agora um jovem, que acabou de sair da faculdade, ter de lidar com essa responsabilidade?
Foi o caso de Pedro Somma, do Quicko, que entrou na 99 em 2013. Ele foi contratado como gerente de operações logo depois de acabar o curso de relações internacionais. No primeiro mês, tinha um funcionário. Seis meses depois, 50.
“Eu tinha uma cobrança muito dura, a barra era muito alta”, lembra Somma. “Mas o erro nunca foi visto como um problema. Era visto como uma oportunidade de aprendizado para acertar na próxima vez.”
Mudar de área era também uma constante. Somma, por exemplo, migrou para o setor regulatório na época em que a Uber chegava ao Brasil e diversas cidades estavam definindo leis para a operação dos aplicativos.
“No segundo semestre de 2015, peguei mais de 50 voos para discutir com prefeitos e políticos”, afirma Somma. “Tínhamos muita autonomia. Focávamos naquilo que tinha relevância e importava ao negócio.”
Diretamente, a 99 ajudou alguns de seus funcionários a encontrar seu próximo passo profissional. Rappaport, por exemplo, foi trabalhar na área de pagamentos, quando a Didi Chuxing comprou a 99. Foi ali que ele conheceu Storf, que iria se tornar seu sócio na Swap.
Na época, eles tinham a missão de construir o 99 Pay, uma carteira digital para motoristas do aplicativo. O projeto acabou não evoluindo, porque, sob novos donos, o foco da 99 era ganhar participação de mercado na briga com a Uber.
Mas o projeto se tornou no embrião da nova startup. “A Swap nasceu de um problema identificado dentro da 99, de que não fazia sentido cada empresa fazer a sua própria carteira digital”, afirma Storf. “Pensamos: vamos deixar isso simples.” O negócio da Swap é criar wallets e bancos digitais para outras empresas de forma rápida e descomplicada.
A história de Milani Neto é bastante parecida. Ele cuidou do Pop e da área de táxi. E, durante esse período, descobriu que um dos gargalos para crescer a base de motoristas era o fato de que muitos não tinham carro. “A Kovi nasceu para solucionar um problema da 99.” Hoje, a Kovi tem uma frota de 7 mil carros e está presente em São Paulo, Porto Alegre e Cidade do México.
Somma, que cuidou da área regulatória da 99, se interessou por política e mobilidade. Agora, ele comanda o Quicko, aplicativo que ajuda os usuários a encontrar a melhor opção de transporte na cidade, como ônibus, metrô, trem, carros (Uber e 99) e táxi.
Há também outra vantagem de participar de uma startup de sucesso. Ao menos, para aqueles profissionais que se destacaram. Aos olhos dos investidores de venture capital, esses intraempreendedores têm mais chance de captar recursos. Até porque muitos são considerados empreendedores de “segunda viagem”.
“Isso acaba influenciando demais”, diz Bruno Yoshimura, cofundador da ONEVC, que investiu na Kovi e na Swap. “Teve um aumento grande de pessoas que estão fazendo esse movimento no Brasil. No Vale do Silício, essa é mais a norma do que a exceção.”
A Kovi, por exemplo, já captou US$ 40 milhões de fundos brasileiros e americanos, como Quona, Global Founders, Y Combinator, Monashees, Maya Capital e ONEVC.
A Swap acaba de levantar uma rodada de R$ 17 milhões que inclui diversos fundos. Entre eles, os americanos Global Founders, Flourish Ventures, Soma Capital e Hustle Fund, e os brasileiros ONEVC, Canary e a ABseed.
A healhtech Alice, de André Florence e Matheus Moraes, que foram diretor financeiro e presidente da 99, respectivamente, também concluiu uma rodada de US$ 16 milhões da Kaszek, Canary e Maya Capital.
Até mesmo Lambrecht, que já investiu na startup de aluguel de motos para entregadores de aplicativo Mottu, está apostando em seus “pupilos”. Ele está por trás de aportes na Swap, na Kovi, na Boomerang, na Orelo e na 01. Como toda “máfia”, sempre há um “poderoso chefão”.