Mesmo com o terreno desnivelado pela crise, a Tesla segue pisando fundo no acelerador e, em uma manobra arriscada, opera muito acima da velocidade média do setor. Desde o começo do ano, a companhia de Elon Musk viu suas ações "arrancarem" 135% e seu valor de mercado passar dos US$ 280 bilhões.

Graças a essa avaliação, a empresa deixou para trás grandes montadoras, como Ford, Honda, GM e Fiat, e, em julho deste ano, ultrapassou a então líder Toyota, que hoje vale US$ 176,8 bilhões. 

Conquistar a pole position era um desafio, mas mantê-la é outro. Apesar de ser a mais valiosa fabricante de carros do mundo, a Tesla "come poeira" da Toyota e outras montadoras no quesito receita e produção. 

No ano passado, a companhia de Elon Musk faturou US$ 24,6 bilhões com a venda de 367,5 mil automóveis. No mesmo período, a companhia anotou prejuízo de US$ 862 milhões.

Também em 2019, a Toyota registrou receita de US$ 272,3 bilhões com a comercialização de 10,6 milhões de unidades. Seu lucro foi de quase US$ 16 bilhões. A Ford, no mesmo período, vendeu 5,3 milhões de veículos e faturou US$ 155,9 bilhões com lucro de US$ 84 milhões.

Entender essa "arrancada" de Musk para cima da concorrência é um ato de fé. Embora tenha entregue três trimestres consecutivos de lucro e mantido a promessa de produzir 500 mil carros neste ano, a Tesla tem seu alicerce fincado nas expectativas. Investidores acreditam que o bom desempenho dos últimos trimestres deve prosseguir, o que faria da companhia elegível para integrar o índice S&P 500.

Fosse hoje o dia de estreia da Tesla nessa lista, ela já ocuparia a 13ª posição, atrás da J.P. Morgan Chase, que vale US$ 303,2 bilhões. Outras grandes e tradicionais marcas do setor financeiro, porém, vão no banco de trás – a Tesla, por exemplo, já é mais valiosa que Bank of America e American Express juntas. 

Musk, dono de 20% da Tesla,  já é mais rico que o megainvestidor Warren Buffet, e engordou em US$ 43 bilhões sua fortuna desde o começo de 2020. Hoje, Musk tem uma fortuna estimada em US$ 70 bilhões. 

Essa fortuna pode aumentar ainda mais. Se a Tesla atingir uma capitalização média de US$ 150 bilhões nos últimos seis meses, Musk pode ganhar um bônus de US$ 1,8 bilhão. Até agora, o valor médio de mercado nos últimos 180 dias está em US$ 138 bilhões.

O otimismo dos investidores está baseado na crença de que a companhia deve seguir líder do setor de carros elétricos, o futuro da indústria, mesmo com a investida de outros fortes concorrentes. Nissan, Ford, Volkswagen, Audi e virtualmente todas as demais montadoras, sejam elas focadas no mercado de luxo ou não, têm ou terão em breve modelos elétricos no portfólio.

Além disso, há quem defenda que a Tesla é mais do que uma "simples" montadora. Tal qual a Apple, que há anos não é "apenas" uma fabricante de computadores, a empresa de Musk expandiria suas fronteiras além do carro elétrico. Como e quando, ainda é uma incógnita.

Ao fazer uma brincadeira em junho deste ano, dizendo que venderia shorts, numa provocação aos investidores que vendem ações short term, Musk esgotou o estoque de shorts curtos e vermelhos que colocou disponível no site da empresa. Cada peça foi vendida por US$ 69,42 e a procura pelo item do vestuário foi tamanha que derrubou a página da Tesla. 

O problema é que toda expectativa em torno da montadora parece incerta, sobretudo porque o carro-chefe da empresa ainda "atola" em algumas polêmicas. Na última terça-feira, 14 de julho, a justiça da Alemanha proibiu a fabricante de usar termos como "piloto automático" ou "direção autônoma" em suas propagandas, alegando que a Tesla promete mais do que de fato oferece. 

A decisão da corte alemã trouxe novamente à tona a insistência de Musk em se recusar a equipar seus carros com a Lidar (Light Detection and Ranging), uma tecnologia de escaneamento a laser que captura objetos em 3D.

Considerada por muitos vital para a direção autônoma, a peça é tida pelo empresário como um "apêndice" caro e desnecessário.

Elon Musk diz que a Tesla está próxima do nível 5 de automação

Para defender ainda mais seu ponto de vista, Musk disse em uma conferência virtual que, mesmo sem o sensor, os carros da Tesla estão muito próximos de atingir o nível 5 de automação – a etapa mais avançada, em que até o volante passa a ser até um "acessório". Nele, o computador se encarrega de absolutamente todos os comandos e respostas do veículo.

Até agora, as empresas mais avançadas na construção do "piloto automático" dizem que estão no nível 4, em que a direção autônoma é possível apenas em áreas determinadas.

Todos os carros da Tesla trazem câmeras, radares e sensores ultrassônicos programados para, junto a um GPS, conduzir um automóvel de maneira autônoma, mas um motorista precisa estar sempre alerta e pronto para agir, se necessário.

A tecnologia Lidar, além de desempenhar as mesmas tarefas, tem algumas diferenças. A mais importante é que, enquanto as câmeras convencionais captam apenas as luzes refletidas, o Lidar é também uma fonte de luz, o que lhe dá vantagens na hora de julgar distâncias e "decifrar" obstáculos.

Os carros da Waymo, da Alphabet, são equipados com Lidar e têm tecnologia suficiente para operar de maneira totalmente autônoma, sem que um motorista precise estar sequer ao volante.

Mas esse recurso tem um preço. E Musk parece que não está disposto a pagá-lo. Em 2019, o executivo chegou a comentar que todas as empresas que apostam e investem no Lidar estão "sentenciadas ao fracasso", por conta de seu "desnecessário" valor. 

Embora nenhuma companhia revele o preço exato de seu Lidar, John Krafcik, CEO da Waymo, disse ao site TechCrunch que sua equipe conseguiu reduzir em 90% o custo médio do Lidar, que de US$ 75 mil passou a sair por US$ 7,5 mil. 

A "economia" de Musk não é muito bem-vista por especialistas como Jeff Hecht, autor do estudo "Lidar for Self-Driving Cars". Em entrevista ao NeoFeed, Hecht afirmou que os "sensores Lidar podem coletar informações valiosas que não necessariamente são detectadas por câmeras".

Esse aparelho, segundo Hecht, poderia ter salvado a vida de dois motoristas da Tesla que colidiram, em 2016 e 2019, em objetos não-detectados por seus radares e câmeras. O especialista diz ainda que Musk  está ignorando como o avanço tecnológico e a produção em massa podem reduzir os custos de confecção do Lidar até que sua cifra chegue a um ponto praticável.

"A verdadeira questão aqui, na minha opinião, é essa: o quão longe a Tesla consegue ir nesse caminho da direção autônoma, mas sem usar a tecnologia Lidar?." O próprio Hecht responde. "Diria que, neste momento, não iria longe o suficiente para convencer a população americana de que os carros são seguros.".

Não bastasse essa baita "lombada" no caminho, a Tesla tem ainda que reduzir sua marcha para lidar com a queda na venda de veículos novos. No ano passado, a comercialização de carros zero quilômetros nos Estados Unidos caiu 1,6%, para 17,1 milhão de unidades – segundo levantamento da agência Edmunds. 

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