A divulgação dos dados da inflação de junho nos Estados Unidos, na terça-feira, 15 de julho, trouxe uma certeza e uma dúvida.
A certeza é que o aumento de preços em junho, de 2,7% em relação ao ano anterior –acima do aumento de 2,4% em maio –, é reflexo da política tarifária do presidente Donald Trump.
Pelo menos quatro categorias de produtos importantes, que tiverem aumento entre 0,4% e 1,8% em um mês - móveis e utensílios domésticos, produtos de vídeo e áudio, brinquedos e vestuário -, tendem a ser sensíveis a tarifas.
A dúvida, um pouco mais complexa, é se as tarifas vão continuar a interferir no aumento dos preços nos próximos meses. Essa incerteza representa uma péssima notícia para Trump, que vem pressionando o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, para baixar os juros.
Como Trump anunciou e congelou aumentos de tarifas seguidas vezes, aliado à estratégia de muitos varejistas de adiar os aumentos de preços, seja para aguardar novos passos da Casa Branca, seja porque estão queimando estoques, o Fed já tenderia a esperar o efeito das recentes tarifas anunciadas por Trump – de 30% contra México, principal parceiro comercial dos EUA, e 30% contra União Europeia – para decidir quando vai começar a baixar os juros.
Com o índice de junho, a expectativa agora é que o responsável pela política monetária mantenha a estratégia de “esperar para ver”, dado que o impacto das tarifas na inflação continua “em andamento”, como vem repetindo o presidente do Fed, Jerome Powell, desde maio. Ou seja, dificilmente haverá novidades na reunião do Fed agendada para o final do mês.
Antes desses anúncios recentes de novas tarifas, Powell havia indicado que os riscos de inflação poderiam levar mais tempo para se materializar e poderiam se mostrar menos severos do que se temia inicialmente, num indicativo de que o início dos cortes de juros se aproximava.
O presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, resumiu na semana passada a dúvida que paira no mercado, ao afirmar que as constantes ameaças tarifárias dificultam a compreensão da trajetória da inflação: "Quanto mais adicionamos elementos à equação que dificultam a compreensão — 'os preços vão subir ou não?' — mais isso joga poeira no ar", advertiu.
Neste sentido, com a inflação subindo e Trump voltando a usar seu porrete tarifário contra aliados comerciais de peso, os números de junho simplesmente tornam os dados de julho e agosto ainda mais importantes para serem observados.
Essa avaliação abre espaço para o Fed cortar as taxas apenas em setembro, caso o mercado de trabalho continue enfraquecendo ou se os dados de inflação forem melhores do que o temido.
A economia dos EUA se manteve relativamente bem em junho, apesar das tensões comerciais. Os empregadores americanos criaram 147 mil empregos no mês passado, surpreendendo economistas que previam um número menor. Mas muitos desses novos empregos foram nos governos estaduais e locais. As contratações por empregadores privados caíram para o nível mais baixo em oito meses.
Em outra frente, economistas do Goldman Sachs estimam que os consumidores americanos acabarão pagando 70% dos custos diretos das tarifas. O Walmart afirmou em maio que seria forçado a aumentar os preços em resposta às tarifas. A marca de roupas Ralph Lauren também afirmou que estava considerando aumentos de preços.
Dois cortes à vista
Os traders no mercado futuro aumentaram modestamente suas apostas em cortes nas taxas de juros após a publicação dos dados, mas ainda esperam duas reduções até o final do ano.
Os rendimentos dos títulos do Tesouro de longo prazo, particularmente sensíveis às expectativas de inflação, caíram, enquanto as ações americanas subiram, atingindo brevemente novas máximas históricas. O dólar permaneceu praticamente inalterado.
“O mercado está aliviado que o número da inflação não tenha sido pior”, resumiu Andy Brenner, chefe de renda fixa internacional da NatAlliance Securities.
Em meio a esse clima de suspense, um enfurecido Trump reagiu ao aumento da inflação com novo ultimato a Powell: "Preços ao consumidor BAIXOS", ele postou em sua rede social Truth. "Baixem a taxa básica de juros, JÁ!!!"
O presidente americano exige um corte de nada menos do que três pontos percentuais das taxas de juros, que hoje oscilam na banda entre 4,25% a 4,50% ao ano. Esse corte, segundo ele, economizaria "um trilhão de dólares por ano" nos pagamentos da dívida dos EUA.
Trump tem feito uma campanha aberta para afastar o presidente do Fed. Como órgão dispõe de autonomia, que permite a Powell ficar no cargo até maio de 2026, o presidente americano prometeu antecipar a nomeação do sucessor no órgão, para constranger o atual dirigente máximo do Fed.
Na semana passada, Trump alegou uma irregularidade no projeto de reforma milionária da sede do Fed em Washington, iniciada há quatro anos, para tentar demitir Powell “por justa causa”.
A Casa Branca alega que o projeto de renovação do edifício, avaliado em US$ 2,5 bilhões, incluiu mudanças não aprovadas por uma autoridade federal de planejamento urbano. Trump nomeou aliados para esse órgão federal para acelerar a denúncia.
A iniciativa dificilmente vai causar a queda de Powell, mas o objetivo de Trump de querer interferir na autonomia do Fed pode causar um efeito na economia americana ainda mais negativo do que a demora da autoridade monetária em iniciar o corte de juros.