Os mercados globais entraram em convulsão na quarta-feira, 9 de abril, após o anúncio da China de imposição de uma nova tarifa de 50% contra os Estados Unidos, em retaliação aos 104% determinados pelo presidente americano, Donald Trump.
Com isso, os produtos americanos exportados para a China passam a ser taxados em 84%, indicando que a troca de retaliações – ao melhor estilo de um jogo de truco entre Trump e o líder chinês Xi Jinping – ainda está longe do fim.
A tensão nos mercados se estende desde o anúncio do pacote de tarifas do presidente americano, há uma semana. Nesta quarta-feira, o pânico foi gerado por três movimentos em sequência.
O primeiro deles foi a entrada em vigor das novas tarifas abrangentes dos EUA contra a China, que agora estão em 104%, na madrugada desta quarta-feira (horário de Brasília).
As bolsas asiáticas e europeias abriram em baixa, mas nas horas seguintes ficou claro qual seria o foco principal dos investidores: uma forte liquidação dos títulos do Tesouro dos EUA antes dos leilões governamentais dos títulos de 10 anos, nesta quarta-feira, e de títulos de 30 anos, agendados para amanhã.
O rendimento dos Tresuries de 10 anos, uma referência global para custos de empréstimos, subiu para 4,47% - um salto em relação ao rendimento de menos de 3,9% na segunda-feira, 7 de abril. Os rendimentos dos títulos se movem inversamente aos preços.
Essa ansiedade contribuiu para uma liquidação global de ações, com os futuros de ações caindo 3% nos EUA, as ações japonesas recuando 3,9% e o principal índice de referência europeu caindo 4%. O preço do petróleo bruto Brent também recuou na quarta-feira abaixo de US$ 60 o barril pela primeira vez desde fevereiro de 2021.
Após os fechamentos das bolsas asiáticas, nova bomba: o anúncio do governo chinês que aumentaria as taxas sobre as importações dos EUA de 34% para 84%, com entrada em vigor já na quinta-feira, 10.
A medida foi anunciada durante o programa de notícias noturno da TV estatal chinesa, por meio de um comunicado do Ministério do Comércio lido no ar.
O documento afirma que, além da elevação das tarifas, a China também está adicionando seis empresas americanas a uma lista de entidades não confiáveis e 12 empresas a uma lista de controle de exportação.
Isso significa que companhias chinesas não podem fazer negócios com essas empresas, cujos nomes não foram divulgados.
De acordo com o comunicado, a escalada tarifária dos EUA é contraproducente, alertando que o governo chinês "tem a firme vontade e os meios abundantes para tomar as contramedidas necessárias e lutar até o fim".
“A história e os fatos comprovam que o aumento de tarifas pelos Estados Unidos não resolverá seus próprios problemas”, diz a nota. “Em vez disso, desencadeará fortes flutuações nos mercados financeiros, aumentará a pressão inflacionária nos EUA, enfraquecerá a base industrial americana e aumentará o risco de uma recessão econômica nos EUA, o que, em última análise, só terá um efeito contrário ao desejado.”
O comunicado também rejeitou a noção de uma relação comercial desequilibrada, argumentando que, ao contabilizar os serviços e lucros de empresas americanas que operam na China, a troca econômica entre os dois países é "aproximadamente equilibrada".
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, respondeu à decisão da China de aumentar sua tarifa sobre produtos norte-americanos para 84%, chamando a medida de "infeliz".
“Acho lamentável que os chineses realmente não queiram vir e negociar, porque eles são os piores infratores no sistema de comércio internacional”, disse Bessent em uma entrevista à Fox Business Network.
Quando questionado sobre a possibilidade de expulsar ações chinesas das bolsas dos EUA - rumores que ganharam repercussão desde ontem -, Bessent disse que “tudo está em pauta”.
Trump defendeu suas tarifas na noite de terça-feira, durante jantar com os republicanos da Câmara, mas abriu uma nova frente na crise ao afirmar que os impostos sobre as importações de produtos farmacêuticos serão anunciados "muito em breve".
O setor farmacêutico foi poupado do amplo plano tarifário americano que entrou em vigor hoje, mas os comentários de Trump já causaram estragos em ações de farmacêuticas em vários mercados nesta quarta-feira.
As japonesas Daiichi Sankyo e Takeda Pharmaceutical fecharam em queda de 6% e 4,7%, respectivamente. As ações da Novo Nordisk, da Dinamarca, Roche e Novartis, da Suíça, AstraZeneca e GSK, do Reino Unido, e Sanofi, da França, caíram 6% ou mais no pregão europeu da tarde.
Nos EUA, os papéis da AbbVie, Eli Lilly, Merck e Pfizer caíram pelo menos 3% nas negociações de pré-mercado.
Truco bilateral
O jogo de truco entre EUA e China, marcado por troca de retaliações, representa uma disputa à parte dentro dos efeitos globais do tarifaço de Trump.
A primeira reação chinesa ocorreu na sexta-feira, 4 – menos de 36 horas após o anúncio do pacote americano, nos jardins da Casa Branca (quando Trump penalizou a China em 34%).
Na ocasião, o governo chinês então impôs tarifas de 34% às exportações americanas, além de anunciar restrições a empresas americanas e exportações de metais raros, indicando que Xi Jinping dispõe de algumas armas.
Uma delas é o controle do câmbio, com desvalorizações pontuais do yuan para amenizar o impacto das sobretaxas. A cotação da moeda chinesa foi negociada na quarta, 9, a 7,4242 yuans em relação ao dólar americano, valor mais baixo desde 2007.
Um yuan mais fraco tornaria as exportações mais baratas e aliviaria alguma pressão sobre o comércio da China e a economia em geral, mas um declínio acentuado poderia alimentar uma pressão indesejada de saída de capital e colocar em risco a estabilidade financeira, disseram economistas.
O governo chinês vem advertindo que não vai repetir o erro do Japão, que aceitou se curvar às pressões americanas em 1985 – quando a economia japonesa representava uma ameaça aos EUA -, desvalorizando o iene no Acordo do Plaza daquele ano. A desvalorização do iene foi fator-chave ara o declínio econômico do Japão nas décadas seguintes.
As medidas contra empresas americanas, porém, estão no centro do arsenal chinês de retaliação contra os EUA na atual fase da guerra comercial.
O objetivo é explorar a atração do mercado chinês para empresas americanas. Um fio condutor central em seus cálculos é como infligir dificuldades às empresas que apostam em seus laços com a segunda maior economia do mundo.
Nos dois anúncios de retaliação, empresas americanas foram atingidas. As ferramentas de pressão incluem controles de exportação de materiais essenciais que empresas americanas utilizam para fabricar chips e produtos relacionados à defesa, investigações regulatórias destinadas a intimidar e penalizar empresas americanas e listas negras destinadas a impedir que empresas americanas vendam para a China.
Além disso, as autoridades estão preparando novas maneiras de pressionar empresas americanas a abrir mão de seu principal ativo — a propriedade intelectual — ou perder o acesso ao mercado chinês.
A caixa de ferramentas do governo chinês ressalta a capacidade de Xi Jinping de se envolver em uma guerra econômica prolongada com os EUA.
À medida que ambas as capitais parecem caminhar para a dissociação, ela também destaca os riscos cada vez maiores para empresas americanas que operam ou investem na China, ou simplesmente negociam com o país.
“A China sistematicamente montou um novo arsenal de ferramentas com o objetivo de minimizar o custo para a China e maximizar o sofrimento para os EUA”, disse Evan Medeiros, ex-alto funcionário de segurança nacional do governo Obama e agora professor da Universidade de Georgetown, ao The Wall Street Journal. “Eles estão preparados de uma forma que lhes dá uma vantagem assimétrica na guerra comercial.”
Resta saber como Trump vai responder à nova retaliação chinesa, num jogo de truco que tem tudo para levar a economia global à recessão profunda.