Após cinco dias de transe, marcados pela forte turbulência nos mercados globais, desencadeada pelo anúncio na semana passada da política comercial do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o clima de volatilidade voltou a castigar os pregões das bolsas americanas na tarde de terça-feira, 8 de abril.
Por trás desse ciclo de instabilidade dos mercados, porém, vários analistas dos dois lados do Atlântico começaram a interpretar essa montanha-russa de expectativas como uma arma que atende aos interesses de Trump para forçar os países a negociar sua política de altas tarifas.
O timing de declarações ou boatos emitidos pela Casa Branca reforça essa percepção.
Pela manhã havia otimismo na abertura das bolsas, quando as ações interromperam um ciclo de queda de três sessões consecutivas, subindo entre 2,2% (S&P 500) e 2,5% (Nasdaq Composite) – efeito de declarações otimistas emitidas pelo governo Trump, entre elas uma maior disposição de negociar com os parceiros comerciais dos EUA, como Japão e Coreia do Sul, sobre a redução de suas taxas.
O otimismo inicial foi reverberado nas bolsas asiáticas e europeias, que operaram em alta até o fechamento. À tarde, no fuso horário americano, porém, o anúncio da Casa Branca de que as tarifas de 104% contra a China entrariam em vigor à zero hora de quarta-feira, 9, derrubou as bolsas americanas.
Foi o segundo dia consecutivo de sobe-e-desce do mercado de ações americano. Na segunda, 7, o mercado abriu em forte queda, quando surgiu um boato veiculado pela CNBC e pela Reuters de que Trump havia recuado e toparia negociar as tarifas.
Entre 9h43 e 10h17 — um período de 34 minutos — o S&P 500 subiu espantosos 8,3%, quando enfim veio o desmentido oficial da Casa Branca. Os dois veículos chegaram a se desculpar pela informação equivocada. Logo em seguida, o mercado voltou a cair, fechando o pregão em baixa, pelo terceiro dia seguido.
Antes da repetição do roteiro de anúncios otimistas seguidos de pessimistas do governo americano, analistas dos principais jornais americanos e europeus – entre eles, o The Wall Street Journal e o britânico Financial Times, ambos conservadores e pró-mercados – usaram seu espaço para dizer, com argumentos diferentes, o que parece ter ficado claro: a forma de agir do presidente americano.
Edward Luce, editor e colunista do Financial Times, usou o boato do dia anterior, que levou o S&P 500 a subir mais em 34 minutos em uma manhã do que nos primeiros 13 anos deste século, como um atestado de manipulação do presidente americano.
“Se um meme online pode transformar um mercado de baixa em uma recuperação de alta no espaço de um minuto, e vice-versa, Trump tem o mundo na palma da mão”, afirmou Luce, que publicou o artigo antes da repetição do roteiro do mercado americano de terça, 8.
Na véspera, outro colunista do FT, Gideon Rachman, já havia feito uma comparação nada lisonjeira ao presidente americano, afirmando que ele usa a tática de chefe da máfia para os mercados mundiais.
“Há um claro cheiro de Don Corleone na abordagem de Donald Trump para o comércio exterior e a diplomacia”, afirmou Rachman, lembrando que o presidente americano tem empregado o medo e as ameaças como tática para dar um aperto em algumas das principais bancas de advocacia e universidades de elite dos EUA.
“Como membros respeitáveis de suas classes profissionais de uma hora para outra ameaçados pela máfia, os alvos de Trump pagaram rapidamente, na esperança de ver todo esse mal-estar logo desaparecer”, afirmou.
Perfil psicológico
Walter Russel Mead, colunista do The Wall Street Journal e professor da Universidade da Flórida, traçou um perfil psicológico frio e cruel do presidente americano.
“Ele acredita que os analistas e formuladores de políticas que discordam dele são tolos e fracos”, escreveu Mead. “Quando ele encontra resistência, seu instinto não é se comprometer e reconsiderar - é dobrar suas apostas, exagerar o drama e intimidar seus oponentes por meio de golpes ousados e ameaças duras.”
Mead diz que é um erro subestimar Trump, como tem sido comum desde que o presidente americano lançou sua primeira candidatura, há dez anos: “Um cara que pode transformar uma foto de ficha policial em um retrato presidencial nunca deve ser desprezado.”
Outro colunista do WSJ, Gerard Baker, lembrou que a reputação dos EUA, construída sobre seus ideais e polida ao longo dos séculos, é a maior marca geopolítica já criada.
Mas lamentou que podemos estar testemunhando o maior exercício de destruição de marca da história, numa referência ao desmonte do soft power dos EUA, estratégia em vigor desde o fim da Segunda Guerra, que consiste em se aproximar dos países por meio da diplomacia e cultura para defender os interesses americanos.
“As marcas têm valor real, nem sempre é fácil calcular, mas empresas como BlackBerry e Bud Light sabem quando o perderam”, escreveu. “Destruir o valor geopolítico da marca também pode ser devastador.”
Coube, no entanto, a Edward Luce, do FT, a melhor descrição da forma de agir do presidente americano.
“O ponto de partida é que Trump é um martelo e o resto do mundo, assim como metade da América, é um prego”, escreveu. “Às vezes, o martelo pode se concentrar em pregos selecionados ou suavizar seu golpe, mas ele é sempre um martelo.”