A Medida Provisória 1.300/2025, com as diretrizes de uma reforma do setor elétrico, recém-anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, traz benefícios inegáveis para a população de baixa renda, mas não resolve os principais gargalos do setor. E distribui os custos desses benefícios para o restante da população, o que deverá gerar um aumento entre 15% e 20% no custo da energia para a indústria e, por tabela, impactar na inflação.
Apesar da reação inicial pessimista de boa parte de especialistas a agentes do setor ouvidos na quinta-feira, 22 de maio, pelo NeoFeed, a MP avança em alguns pontos, com uma melhor distribuição de custos entre todos os segmentos do setor.
As principais novidades já haviam sido vazadas pelo Ministério das Minas e Energia há algumas semanas. A MP amplia a tarifa social da conta de luz, beneficiando cerca de 100 milhões de consumidores, e antecipa a abertura do mercado livre de energia a partir de 2027.
Até 60 milhões de brasileiros terão gratuidade na conta de luz. A isenção vale para famílias com renda per capita de até meio salário-mínimo e consumo de até 80 kWh, pessoas com deficiência ou idosos no BPC, e famílias indígenas e quilombolas do CadÚnico.
Outros 40 milhões terão desconto através da isenção do pagamento da CDE para famílias com renda entre meio e um salário-mínimo (R$ 1.518) que consumam até 120 kWh/mês, desde que inscritas no CadÚnico. A projeção é de redução de 12% nas contas dessas famílias.
As medidas começam a valer em até 45 dias. O custo total de R$ 3,6 bilhões será pago pelos demais consumidores - tanto do mercado regulado quanto do livre, que antes não era cobrado para esse fim. O mercado livre também entrará no rateio dos custos das usinas nucleares Angra 1 e 2 a partir de janeiro de 2026.
O governo argumenta que a abertura do mercado livre mitigará o custo dos benefícios, dando liberdade de escolha aos consumidores para contratos de fornecimento. Consumidores industriais e comerciais de baixa tensão poderão migrar para o mercado livre a partir de agosto de 2026. Em dezembro de 2027, o mercado se abre a todos os consumidores, incluindo residenciais.
Impacto na Indústria
A Abrace Energia, organização que reúne mais de 50 grupos empresariais responsáveis por quase 40% do consumo industrial de energia elétrica do Brasil, divulgou um estudo, assinado por Victor Hugo iOcca, diretor de energia elétrica da entidade, e pela analista Natália Moura, mostrando que os custos serão financiados pelo setor produtivo, resultando na perda de competividade do País.
“O aumento na conta final de energia elétrica para as indústrias eletrointensivas será entre 15% e 20%”, diz um trecho do relatório.
Donato Filho, da consultoria Volt Robotics, afirma que consumidores residenciais que migrarem para o mercado livre terão redução de 8% a 16% a partir de 2027, por se desobrigarem de arcar com fontes mais caras como Itaipu e termelétricas.
As empresas que adquirem energia de fontes incentivadas (PCHs, biomassa, solar e eólica) foram negativamente impactadas. Essas empresas perderam o desconto de 50% da taxa do uso da rede, totalizando R$ 13 bilhões, que era pago pelos consumidores do mercado regulado.
Os contratos existentes perderão o desconto, forçando empresas que investiram durante anos a buscar alternativas. A MP também limitou a autoprodução por equiparação, com prazo de 60 dias para enquadramento de projetos existentes. Donato Filho prevê judicialização por parte dessas empresas devido à mudança das regras.
Gustavo Ayala, da Bolt Energia, empresa de geração e comercialização de energia, confirma que as renováveis foram as mais afetadas, perdendo direito de autoprodução e venda de energia incentivada.
“Essas fontes, que foram propulsoras da expansão do setor elétrico, perdem o direito de autoprodução a partir de 60 dias da MP e de vender energia incentivada, sem falar dos prejuízos que acumulam com o curtailment”, diz, referindo-se aos cortes de geração de usinas eólicas, solares e hidráulicas por parte Organizador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para não sobrecarregar o sistema.
Um avanço citado é a mudança da CCEE para CCE (Câmara de Comercialização de Energia), expandindo atuação para outros mercados energéticos, incluindo gás natural. Ayala observa que o aumento de beneficiários da tarifa social pode aumentar o consumo sem racionalização, justamente quando a MP diminui incentivos às renováveis.
Avaliação de Especialistas
Luiz Eduardo Barata, da FNCE, resume os efeitos entre vencedores e perdedores. Para ele, a reforma é tímida por não tratar problemas centrais como a concentração de oferta no Nordeste, principal causa do curtailment.
“Os beneficiados são consumidores de baixa renda, que precisam mesmo de tratamento cuidadoso, mas a classe média vai pagar, enquanto o comércio e a indústria vão pagar mais ainda”, diz Barata, fazendo coro ao relatório da Abrace Energia.
Segundo ele, a reforma prevista pela MP é tímida, pois não trata todos os problemas do setor, entre eles a oferta de energia concentrada no Nordeste, região que não tem carga de consumo para absorvê-la, principal causador do curtailment.
Para Luiz Augusto Barroso, CEO da consultoria PSR e ex-presidente da EPE (empresa de Planejamento Energético), a MP tem várias propostas que não são claras. "O setor vê a MP como fosse uma reforma do setor elétrico, o que não é, e sim uma ferramenta para introduzir ajustes no setor", afirma.
O especialista adverte para o risco de a MP ser desidratada no Congresso Nacional. A MP surge antes da análise de possível derrubada de vetos dos "jabutis" da Lei de Eólicas Offshore, que preveem instalação compulsória de termelétricas e PCHs, encarecendo a conta de luz em até 9% até 2050.
"Nada impede que a análise da MP seja usada para reintroduzir todos os jabutis da Lei das Eólicas Offshore, causando desorganização completa do setor", conclui Barroso.