A reforma do setor elétrico prometida pelo governo federal, por meio de uma medida provisória que deverá ser anunciada nos próximos dias, será incompleta, deixando de fora temas urgentes que preocupam o segmento, como os subsídios às fontes renováveis, por causa da preocupação do governo com a reação política da proposta no Congresso Nacional.
Esse e outros temas foram debatidos nesta quarta-feira, 14 de maio, durante o seminário “Clima, energia e sociedade: oportunidades e desafios da transição energética no Brasil da COP30”, evento organizado pela Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) - coalizão que congrega organizações de todos os segmentos de consumo de energia no Brasil, sejam eles residenciais, comerciais e industriais – que reuniu especialistas e a sociedade civil.
Além da reforma do setor elétrico, foram debatidas outras questões urgentes como descarbonização, caminhos para descontinuidade da produção de energia a base de carvão mineral, mudanças climáticas e os principais desafios operacionais do sistema elétrico no Brasil.
Na visão de especialistas, a proposta de reforma do setor elétrico do governo, além de não avançar para a resolução de gargalos do sistema, provavelmente deverá se configurar como uma oportunidade perdida para reorganizar o setor.
As diretrizes da minuta vazada no mês passado incluem isenção da conta de luz para cerca de 60 milhões de pessoas da baixa renda, a abertura para o mercado livre de energia para indústria e comércio da chamada baixa tensão a partir de março de 2027 e para a população em geral no ano seguinte.
Embora prevista, a revisão de subsídios para o setor de energia elétrica, que representaram 13,78% da fatura da conta de luz e custaram R$ 45,1 bilhões em 2024, foi colocada em dúvida pelos especialistas.
Para Jerson Kelman, ex-presidente da Light e ex-diretor da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a influência de lobbies políticos no Congresso Nacional deve levar o governo a propor uma reforma incompleta.
Ele cita a articulação em curso no Congresso Nacional para derrubar os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silvia aos jabutis incluídos na Lei das Eólicas Offshore, aprovada no ano passado. Os jabutis vetados previam a contratação compulsória de térmicas a gás inflexíveis, de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e de energia eólica no Sul do País, além da prorrogação de contratação de térmicas a carvão.
Se os vetos forem derrubados, o prejuízo para os consumidores deve chegar a R$ 545 bilhões nos próximos 25 anos, com aumento de 9% na conta de luz para famílias de baixa renda, consumidores residenciais, comerciais e indústria – e praticamente inviabiliza a “boa notícia” da MP do governo, a redução da conta de luz.
“Na luta para que o Congresso não derrube os vetos aos jabutis da Lei das Eólicas Offshore, o governo deve propor uma reforma ‘meia-sola’, que não deve mexer nos problemas causados pelos subsídios às fontes renováveis, incluindo a regulamentação da geração distribuída (GD)”, disse Kelman.
Angela Gomes, diretora técnica da consultoria PSR, adverte sobre a necessidade de se repensar os subsídios das fontes eólica e solar. A rápida expansão da matriz renovável está gerando sobreoferta de energia – pois essas fontes jogam a energia excedente na rede, causando desequilíbrios que levam o Organizador Nacional do Sistema (ONS) a intervir.
"Em 2024, os subsídios para renováveis e GD custaram R$ 25 bilhões e este ano os efeitos colaterais serão ainda maiores, incluindo os prejuízos com o curtailment”, disse a especialista, referindo-se aos cortes por parte do ONS da energia enviada para as redes de transmissão por fontes renováveis, para não sobrecarregar o sistema.
Segundo ela, o desafio é que os técnicos do setor não conseguem aprovar a reforma que o País precisa por causa da questão política.
“O pior é ter de encarar os jabutis que aparecem”, lamentou Gomes. “Estamos sempre nadando contra a corrente, e a corrente contrária é muito intensa para evitar que reformas sejam feitas e também por trazer sempre mais custos ao sistema.”
Sistemas isolados
Em outro painel, que debateu a descarbonização dos sistemas isolados, foi apresentado um estudo técnico elaborado pela consultoria Envol a pedido da FNCE.
O estudo destaca que fundos regionais como a Conta de Desenvolvimento da Amazônia Legal (CDAL) podem financiar projetos estratégicos e atrair investimentos. Recursos disponíveis chegam a R$ 442,6 milhões e podem ajudar a viabilizar a descarbonização e ampliação do acesso à energia elétrica na região, mostrando que ainda há 2,7 milhões de brasileiros nos Sistemas Isolados (SISOL), cujo custo de geração é alto e a qualidade, baixa.
O custo da geração de energia nesses sistemas aumentou 49% desde 2018 e chegou a R$ 11,7 bilhões em 2024, despesa alocada na chamada Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), um valor que corresponde a R$ 4.350 por habitante do SISOL -o equivalente a 2,8 salários-mínimos per capita.
Esse valor é custeado por todos os consumidores de energia do País por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), grupo de encargos que somou R$ 46,7 milhões em 2024.
Além disso, estima-se que mais de 1 milhão de pessoas não têm acesso formal à energia nas áreas remotas, onde não há sequer redes elétricas de distribuição conectadas a usinas. Nessas áreas, as pessoas deslocam-se para comprar combustível e alimentar geradores movidos a diesel, ou recebem esse combustível por meio fluvial.
O estudo da Envol indica que em áreas remotas da Amazônia famílias chegam a gastar até R$ 900 por mês para ter eletricidade com geradores a diesel.
Experiências identificadas no estudo ostram que sistemas solares independentes e de pequena escala, mais eficientes e com menores custos operacionais, podem ser uma solução viável para a descarbonização da energia na região amazônica.
Projeção mostra que, ao longo de 25 anos, o custo médio da geração elétrica com painéis solares associados a baterias pode ser 44% mais baixo que o uso de geradores a diesel.