Para um país que já conta com 86,1% de sua matriz elétrica renovável, a expectativa para a aprovação de um projeto de lei na Câmara dos Deputados para criação do marco regulatório para energia eólica offshore, visando a criar as regras para a produção de mais uma fonte de energia renovável, dessa vez em alto-mar, se transformou numa fatura de R$ 40 bilhões que será debitada na conta de luz dos brasileiros.

O texto do Projeto de Lei 11.247/18, que acabou aprovado por 403 votos a 16 no começo da noite de quinta-feira, 30 de novembro, foi totalmente modificado em relação à versão original. A ironia é que muito pouco desse custo bilionário tem a ver com a regulamentação das eólicas offshore.

Pelo menos seis “jabutis” – emendas dos parlamentares numa proposta legislativa sem relação com o texto original – foram inseridos no PL, da prorrogação de contratação de térmicas a carvão até 2050 ao pagamento de subsídios para uso de linhas de transmissão por fontes renováveis (que já eram subsidiadas), cada um deles com um custo na casa de bilhões de reais.

Mesmo diante do conhecido apetite por jabutis dos deputados federais em qualquer votação, o texto final do PL 11.247/18 foi considerado um acinte pelos especialistas do setor de energia. O PL segue para votação no Senado, onde espera-se que os excessos sejam corrigidos.

“Para se ter uma ideia, os R$ 40 bilhões em jabutis embutidos apenas nesse projeto de lei equivalem a mais de 10% do custo total anual do setor de energia, de R$ 350 bilhões, incluindo gastos com transmissão, perdas e etc.”, diz o engenheiro Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE), uma coligação de entidades ligadas ao setor energético que brigam contra os subsídios repassados à conta de luz.

Segundo ele, o PL aprovado acabou concentrando boa parte das propostas mais trabalhadas pelos grupos de pressão ligados ao setor de energia que estavam circulando na Câmara, que dificilmente votará outra lei do tema este ano.

Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) deste ano revelou a existência de 56 projetos sobre o setor elétrico no Legislativo propondo aumento de subsídios ou de encargos para o consumidor.

“O fato é que o Congresso Nacional não tem competência para fazer planejamento do setor elétrico e é isso que está fazendo”, acrescenta o especialista, que já foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia e diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).

Outras entidades também se manifestaram contra o PL. A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace Energia) afirmou, em nota, que a decisão da Câmara é “inexplicável”.

“A sociedade brasileira arcará com uma conta de R$ 40 bilhões por ano para gerar usinas a a carvão, prorrogar subsídios para fontes que não precisam e obrigar a compra de geração térmica cara, poluente e desnecessária ao sistema”, diz a Abrace.

Na véspera da votação, outra entidade, o Instituto Acende Brasil, denunciou as emendas desconectadas da proposta original incluídas no projeto de lei, batizando-o de “Jabuti 2, o Retorno, tantos são os penduricalhos que voltam a ameaçar o consumidor de energia”.

Carvão até 2050

A lista de jabutis começa com a prorrogação de contratação de térmicas a carvão mineral até 2050, decisão que vai na contramão da política de transição energética para fontes limpas defendida pelo governo e por boa parte do setor.

O relator do PL, deputado Zé Vitor (PL-MG), admitiu que a proposta foi incluída por pedido de bancadas regionais – um agrado que vai custar R$ 5 bilhões aos consumidores de luz.

“Existem especificamente duas usinas a carvão que têm um vencimento de contratos agora, uma em dezembro e outra no próximo ano, no Paraná e no Rio Grande do Sul, então houve uma ampla mobilização dos deputados do Sul para tratar dessa renovação”, afirmou o relator.

As usinas citadas são a de Figueira (PR), da Copel, cujo contrato termina em dezembro, e a Candiota 3, vendida este ano pela Eletrobras para a Âmbar Energia, da holding J&F.

“O argumento de que a prorrogação de térmicas a carvão é para manutenção de empregos não faz sentido, a não ser que estejam se referindo aos netos dos carvoeiros, pois o benefício vai até 2050”, ironiza Barata. “Se há preocupação social com os carvoeiros, é preciso criar um projeto de transferência profissional para uma atividade verde.”

Pelo menos outros dois jabutis, que vão acrescentar R$ 24,6 bilhões na conta de luz, vão beneficiar empresas do setor. Um deles é o que libera o preço-teto para térmicas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

“O objetivo é beneficiar as distribuidoras de gás desses estados, que por sinal não têm gás”, diz Barata “No fundo, o que se pretende é construir gasodutos para levar gás a essas distribuidoras”, acrescenta. Só esse jabuti vai custar R$ 16 bilhões.

Outro custo elevado, de R$ 8,6 bilhões, é o que prevê a contratação de 4.900 megawatts (MW) de novas pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), medida atribuída à pressão de empresas com investimentos voltados para construção dessas PCHs.

O jabuti incluído no PL que mais simboliza a festa de subsídios no setor energético é o que prevê mais R$ 6 bilhões em benefícios para o uso de linhas de transmissão por fontes renováveis - mais que o dobro do subsídio dado para reduzir a tarifa de eletricidade para consumidores de baixa renda.

Segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), a extensão do prazo de desconto no pagamento das tarifas de transmissão e distribuição para os projetos de geração renovável já custou R$ 8,9 bilhões, cobrados nas contas dos consumidores até novembro deste ano. Ou seja, trata-se de dar subsídios a uma atividade que já era subsidiada.

“Não faz sentido porque as fontes eólicas e solar já são as mais baratas, e são essas fontes que efetivamente usam essas linhas de transmissão, exigindo uma ampliação dessa rede”, diz Barata. “Já tinham subsídios e ainda vão pagar menos pela transmissão.”

Outros dois jabutis incluídos no projeto de lei das eólicas offshore são contratação de energia eólica no Sul do país (R$ 500 milhões) e contratação de térmicas a hidrogênio verde (R$ 3 bilhões).

“Vamos ter uma batalha grande no Senado, tudo isso é um acinte aos consumidores de energia elétrica, que pagam uma conta altíssima quando poderiam pagar uma das mais baratas do mundo”, diz Barata.

Eólicas offshore

A boa notícia é que o PL 11.247/18 não cria (por enquanto) subsídios para  empresas que vão explorar a energia eólica offshore.

O projeto aprovado limita-se a regular a forma de cessão de uso de bens da União para geração de energia elétrica offshore e não prevê garantia de futura contratação de geração de energia pelo poder público oriundo de projetos offshore.

De acordo com o relator, deputado Zé Vitor, já existem mais de 100 pedidos de instalação de projetos de eólicas offshore protocolados no Ibama, aguardando apenas ordenamento legal no território brasileiro.

“Os pedidos que estão protocolados ultrapassam a marca de 180 GW de capacidade, mas é uma situação que só se concretiza daqui a 10 anos”, disse.

Ainda dentro do “pacote verde”, a Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira, dia 28, o projeto de lei do Hidrogênio (PL2.308/2023), que regulamenta a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono. A proposta também segue para o Senado.

O PL considera hidrogênio de baixo carbono aquele que, na produção, emita até 4 kg de CO2 para cada 1 kg de hidrogênio. Com isso, abre espaço para a produção com fontes fósseis associadas à captura de carbono.

Após acordo com a equipe econômica do governo, foi retirado do texto final o pacte de subsídios que estava previsto inicialmente. O PL prevê, no entanto, direito a desonerações de impostos federais sobre investimentos pelo Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro).