A novela dos subsídios ao setor elétrico, que acabam sendo incluídos na conta de luz, tem um novo capítulo no Congresso Nacional que, desta vez, promete causar um prejuízo de R$ 800 milhões ao ano apenas aos consumidores do Norte e Nordeste.

Uma série de contradições cerca o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 365/22, já aprovado na Câmara dos Deputados e que deverá ser votado na Comissão de Infraestrutura do Senado na terça-feira, 26 de setembro, último passo antes de ir à votação em plenário.

O PDL tenta invalidar uma decisão técnica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de maio de 2022, que reduziu a conta de luz de consumidores de 16 estados das duas regiões. Dados da Aneel estimam que, desde julho, os consumidores passaram a ter uma redução de 4,8% (Norte) e 5,5% (Nordeste) na conta de luz, que soma R$ 800 milhões ao ano.

A principal mudança da Aneel, discutida ao longo de anos com o setor, foi alterar um dos componentes das tarifas de transmissão de energia, chamado sinal locacional, que busca alocar os custos para quem mais onera o sistema de transmissão.

É o caso das usinas eólica e solar do Norte e Nordeste (maiores produtoras do Brasil), que têm demandado a construção de longas linhas de transmissão para enviar a energia para os maiores centros consumidores, no Sudeste e no Sul. Já os consumidores que tiveram redução da tarifa foram beneficiados por viverem nas regiões próximas à geração.

O argumento dos parlamentares que defendem o PDL é que a norma da Aneel prejudica os investimentos nesses dois modais de energia nas duas regiões, o que não ocorreu. A assessoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), relator do PDL no Senado, disse que se manifestaria por meio do relatório. Nele, defende a aprovação afirmando que a Aneel “extrapolou suas atribuições” ao baixar a norma.

“Quando finalmente o consumidor do Norte e do Nordeste vislumbra uma redução na conta de luz, o Legislativo não concorda e ainda quer mudar uma resolução técnica do órgão regulador do setor que foi amplamente discutida com a sociedade?”, diz Luiz Eduardo Barata Ferreira, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE), uma coligação de entidades ligadas ao setor energético que brigam contra os subsídios repassados à conta de luz.

A FNCE divulgou nesta sexta-feira, 22 de setembro, uma carta aberta aos integrantes da Comissão de Infraestrutura do Senado pedindo a rejeição ao PDL 365.

Em entrevista ao NeoFeed, Barata revela que os diversos subsídios ao setor estão entre os maiores entraves para a redução do custo de energia. “Em toda conta de luz, os itens tributos e encargos, que incluem os subsídios, já são responsáveis por mais do 40% do valor da fatura”, diz.

Segundo Barata, a concessão e acúmulos de benefícios ao setor tiveram início após o apagão elétrico de 2001, quando as políticas públicas do setor energético se voltaram à ampliação da rede e diversificação das fontes, para diminuir a dependência das hidrelétricas e do regime de chuvas.

O cálculo dos custos de energia passou a ser concentrado na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), fundo criado em 2002 com o objetivo de custear, pelo período de 25 anos, a universalização do serviço de energia elétrica.

“O orçamento da CDE começou em R$ 2 bilhões e, com os subsídios desde então para o desenvolvimento de novas matrizes energéticas, essa conta hoje já está em R$ 34 bilhões”, diz Barata.

Distorção

Essa distorção reforça uma contradição no modelo regulatório vigente: o Brasil, mesmo com uma matriz energética 92% renovável e de baixo custo de produção - com a utilização de rios para geração hidrelétrica, vento para energia eólica e sol para os painéis solares -, cobra dos consumidores finais uma das tarifas mais caras do mundo, proporcionalmente, 5,5 vezes maior que a cobrada na Argentina.

Boa parte desses subsídios tem no Congresso Nacional um forte aliado. Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela a existência de 56 projetos sobre o setor elétrico no Legislativo propondo aumento de subsídios ou de encargos para o consumidor.

Jerson Kelman, ex-diretor-geral da Aneel e ex-presidente da Light, diz que a proposta do PDL 365 é técnica e eticamente errada. “Ao Congresso Nacional cabe formular políticas públicas, e não revisar cálculos tarifários”, diz Kelman. “O custo da geração eólica, pro exemplo, não é só das pás dos aerogeradores, é preciso incluir o preço da transmissão de energia gerada, por isso não é razoável que o consumidor pague os subsídios do gerador dessa energia.”

Kelman vê por trás do PDL ação de grupos de pressão no Congresso dos setores eólico e solar, pois com o PDL empresas das duas regiões deixariam de pagar um custo maior de transmissão. A forma com que o PDL surgiu e avançou no Congresso dá razão ao ex-diretor da Aneel.

O PDL foi iniciativa do deputado Danilo Forte (União-BA) e recebeu apoio do senador Otto Alencar (PSD-BA), que assina o relatório que será analisado na terça-feira no Senado. Os dois parlamentares, nordestinos, são responsáveis por um projeto que, na prática, prejudica os eleitores de sua região. O NeoFeed procurou o deputado Forte nos últimos dois dias, mas não obteve retorno dele nem da assessoria.

O PDL 365, por sinal, também recebeu apoio dos governadores do Norte e do Nordeste. A FNCE enviou na semana passada uma carta aos governadores das duas regiões contestando o argumento de que a resolução técnica da Aneel prejudica as empresas de energia eólica e solar instaladas nos 16 estados.

“Não houve redução no volume de solicitações de outorga para fontes eólica e solar no Nordeste entre 2021 e 2022, mesmo com o novo cálculo das tarifas em iminência de ser aprovado”, diz a carta, acrescentando que foram cerca de 200 GW em solicitações de outorga, quase três vezes o consumo total do Brasil. Deste número, 91% se mantêm vigentes.

Um outro projeto de lei, o PL 4012 , de autoria do deputado Danilo Forte – o mesmo que propôs o PDL 365 – prevê a transferência do custo dos subsídios da conta de luz para o Tesouro. O PL, que está parado no Congresso, não tem apoio do governo Lula, pois coloca em risco as metas do arcabouço fiscal. De uma forma ou de outra o prejuízo, no final, será dos consumidores.