Brasília - Enquanto o governo federal mostra ceticismo com o adiamento em 90 dias do tarifaço de Donald Trump — pedido por empresários brasileiros —, o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Viana, defende a prorrogação de prazo como uma ação estratégica.

A medida, segundo Viana, tem dois aspectos fundamentais: a manutenção dos atuais contratos, incluindo safras de laranja de São Paulo, e a eventual exposição da intransigência do presidente dos EUA, Donald Trump. “Se Trump não topar o adiamento do tarifaço, vai deixar claro o ultrarradicalismo sem interesse comercial.”

Viana foi um dos convidados para tratar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no domingo, 13 de julho à noite, sobre o tarifaço de Trump. E defendeu a posição dos empresários que o têm procurado desde o início da escalada de tensão comercial imposta por Trump, seja em encontros no Brasil, seja no exterior.

A ApexBrasil é uma agência criada em 1997 pelo governo federal para promover as exportações brasileiras e atrair investimentos estrangeiros. Na prática, trabalha como elo entre as empresas e o mercado internacional. A instituição dá apoio e oferece serviços para tornar mais competitivas as companhias nacionais.

Ex-senador pelo PT, prefeito de Rio Branco e governador do Acre, Viana acredita que a negociação deve ser buscada em todas as instâncias, para só depois aplicar a Lei da Reciprocidade de maneira estratégica, a partir de taxações de royalties e patentes norte-americanas. Confira os principais trechos da entrevista:

Empresários brasileiros defendem que o governo peça o adiamento do tarifaço por 90 dias, mas como negociar se Trump suspendeu o diálogo da alta burocracia diplomática há dois meses?
Os EUA são o nosso segundo maior parceiro comercial. A carta de Trump é absolutamente inadequada e equivocada na forma e no conteúdo. Divulga uma carta por site dizendo que vai, em 20 dias, estabelecer uma tarifa de 50% nos produtos, alegando, numa primeira parte, umas barbaridades, um desejo de que se faça uma intervenção na soberania do nosso país. E, na segunda parte da carta, com base em argumento falso, propõe que se tenha uma tarifa de 50% para os produtos brasileiros por conta do equilíbrio na balança comercial. Desde 2009, os Estados Unidos são superavitários na balança comercial com o Brasil. Estou falando de US$ 90 bilhões de saldo em 15 anos.

Mas isso apenas confirma a dificuldade de negociação.
É difícil responder a uma ação grave como essa, de um posicionamento político-ideológico, obviamente encomendado por falsos brasileiros que estão lá, como o filho do ex-presidente Bolsonaro. É difícil tratar isso de maneira séria, como devem ser tratados os temas entre duas nações. Assim, essa questão da prorrogação de prazo tem que ser vista com cuidado, porque já ocorreram pelo menos 10 reuniões importantes de setores do governo do Brasil na busca de dialogar com setores do governo americano por conta dos 10%. Quando passa para 50%, você tem 20 dias para que a ameaça se concretize. O ideal é aquilo que hoje o setor produtivo está pedindo: mais prazo.

Mas como isso se daria?
Eu, como presidente da Apex, acredito que, se essa questão fosse meramente comercial, obviamente, tendo a certeza de que o comércio é vantajoso para os dois lados, poderíamos sentar-nos à mesa e, em mais 90 dias, tirar toda e qualquer diferença. Mas não é só isso que está em jogo. Acho que a carga ideológica e o interesse de alcançar de maneira absolutamente inaceitável a soberania do Brasil podem estar falando mais alto. E para a primeira parte da carta (uma suposta perseguição a Jair Bolsonaro), eu acho que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, já respondeu. O processo aqui seguiu um curso normal, em todas as instâncias, incluindo o STF.

"O problema todo é que hoje é muito difícil achar o interlocutor pelo lado do governo norte-americano, porque está tudo muito concentrado na Casa Branca"

Mas como sair desse impasse?
Cabe agora ao governo do Brasil, com o comitê que foi criado, responder à segunda parte da carta, que tem que ser exclusivamente focada no comércio, na relação comercial. O problema todo é que hoje é muito difícil achar o interlocutor pelo lado do governo norte-americano, porque está tudo muito concentrado na Casa Branca e muito na bolha que está no entorno do presidente Trump. Mas, do ponto de vista estratégico, não deixa de ser uma boa alternativa pedir o adiamento. Com isso, evitaremos o vexame que estamos vendo hoje. Tem empresas norte-americanas que já estão dizendo: "Olha, não mandem mais o contêiner que estava no contrato, porque nós não sabemos quando chega aqui e se já vai incidir sobre a carga a tarifa de 50%.” Tem outras empresas que estão em dúvida se embarcam, aqui no Brasil, um produto por conta de também não saberem se ele chegará antes de 1º de agosto.

Mas os EUA podem negar o adiamento.
Se o governo dos EUA negar, é sinal de que eles estão ultrarradicalizados e que não têm interesse nenhum no comércio. E, caso aceitem, fica muito mais viável resolvermos problemas específicos de algumas cadeias produtivas, que têm safra, que têm contrato já em curso. Daria tempo de se fazer uma ação civilizada e mais honesta. Eu acho que seria uma medida muito ponderada. O próprio governo norte-americano já fez isso com outros países.

Quais os impactos desse tarifaço?
Temos situações como a de produtores de suco de laranja, que agora estão começando a safra. Você tem situação dos produtores de mel, de café. Estou falando de produtos que estão na cesta básica do norte-americano. Os Estados Unidos aumentaram muito a importação de carne brasileira. O rebanho americano, que era um dos maiores do mundo, hoje é equivalente ao rebanho que eles tinham nos anos 1970. E o consumo de carne é muito elevado. A carne brasileira tem especificidades que atendem ao mercado dos Estados Unidos. Tem o café que nós mandamos — estamos falando de 8 milhões de sacas — mas é um terço do café que eles importam. Os norte-americanos tomam mais café do que água engarrafada. Então, vai haver uma reação muito forte de dentro dos Estados Unidos.

"É uma situação muito difícil que beira o que a gente podia chamar de uma epidemia econômica que afeta todo mundo"

Em qual nível?
Veja o caso dos aviões. Os EUA são o lugar onde tem mais aviões da Embraer voando, mais de 1.500 aviões. Em aviões, você não troca a peça quando quebra; você troca pela necessidade, pela quantidade de horas que você voou. Então, interferir nisso é muito complexo. Há uma integração das cadeias produtivas no mundo formada em função do que os Estados Unidos defendiam como livre comércio. A integração é tão intensa que dificilmente um país consegue se isolar. E você não pode virar o quê? Tem integração com a China, com a Europa, com o Canadá, com o México. Como é que você vai romper com tarifaço? É uma situação muito difícil que beira o que a gente podia chamar de uma epidemia econômica que afeta todo mundo e que pode prejudicar muito o país que está propondo medidas tão drásticas.

Qual a saída que o senhor imagina?
Sendo os Estados Unidos a maior economia do mundo, com 22 trilhões de dólares de PIB — é uma coisa muito grande — a aplicação dessas medidas cria um ambiente muito ruim para o mundo. Pode trazer inflação, diminuição de crescimento econômico, mas certamente trará um novo arranjo econômico. O mundo não será mais o mesmo se a maior economia do mundo implementar as medidas que têm anunciado, porque os países vão buscar soluções formando blocos. O acordo Mercosul-União Europeia pode ser acelerado com isso. A Europa vai aceitar ter taxa de 30% para seus produtos nos Estados Unidos? Ou o Brasil vai aceitar ter taxa de 50% para seus produtos entrarem nos Estados Unidos? Então veja que há uma nova geografia do mundo. Porque se as tarifas para o México passam para 30%, para o Canadá 35%, eles também vão precisar buscar novos mercados e novos fornecedores. O problema não é só exportar. Se a gente parar de importar, vai danificar fortemente setores econômicos dos Estados Unidos.

O uso da Lei de Reciprocidade é uma alternativa?
A lei pode ser usada com inteligência, não necessariamente “olho por olho”. Por isso que se fala em taxar os royalties, por isso que se fala em serviços. Os Estados Unidos são superavitários nos serviços com o mundo inteiro. Isso eles não falam. Eles têm uma balança superavitária com todos de centenas de bilhões de dólares. Por isso se fala de patentes, que os EUA têm no mundo inteiro, como nos medicamentos. Mas a negociação tem que existir em primeiro lugar, em segundo, terceiro… Não deu? Usa-se a inteligência com a Lei de Reciprocidade.

E como o senhor vê tentativas de negociação feitas em duas frentes, no caso pelo governo federal e pelo governo de São Paulo?
De tudo que exportamos para os Estados Unidos, 70% sai do Sudeste. Do Sudeste, 30% sai de São Paulo. Não fez sentido nenhum o governador do maior estado do Brasil — o grande beneficiário das exportações para os Estados Unidos — pôr um boné na cabeça e dizer que concordava com as medidas adotadas lá. Ele teve que voltar atrás. Mas depois se arvorou a negociar com um encarregado de negócios, o que não é papel de governador, quando poderia — e eu espero que ainda faça — se juntar ao governo brasileiro, à diplomacia brasileira na busca de uma solução para o estado dele. A safra de laranja começou agora, e o grande produtor de laranja é São Paulo. Se não for encontrada uma solução, a laranja vai ficar no chão, e o prejuízo vai ser contabilizado na conta de quem tomou e defendeu a medida.