A utilização de fontes renováveis, que hoje são responsáveis por cerca de 85% da matriz elétrica brasileira, começa a ganhar um novo impulso com o desenvolvimento de uma solução inovadora que mescla as duas maiores fontes de geração do País: as usinas hidrelétricas (44%) e a energia solar (23%).
As chamadas usinas fotovoltaicas flutuantes (UFF) – que consiste na instalação de painéis solares dentro de reservatórios de usinas hidrelétricas para produzir energia – ainda são incipientes no País. Duas estão em operação e uma terceira, na Usina Hidrelétrica de Itaipu, vai começar gerar energia no mês que vem.
Um estudo da consultoria PSR aponta benefícios e eventuais barreiras para a consolidação desse tipo inovador de geração elétrica no País, que deve ser lenta, mas com perspectivas econômico-financeiras promissoras.
Dependendo da evolução do custo de energia e de mudanças regulatórias, a nova fonte de geração de energia duplamente renovável pode chegar a 17 gigawatts (KW) de capacidade instalada - mais do que Itaipu -, com mercado potencial de R$ 100 bilhões. Isso ocupando apenas 1% dos espelhos d’água – mais que isso pode causar danos ambientais na fauna marinha.
O estudo da PSR se debruça sobre as questões técnicas envolvidas para viabilizar financeiramente o avanço dessa nova frente de geração de energia que, a rigor, é mais viável em países com pouca área disponível para instalar painéis solares em áreas rurais, como na Europa e no Japão.
“No Brasil, o custo das usinas flutuantes é maior que o das solares instaladas em terra, e algumas particularidades técnicas tornam a produção de energia um pouco menor nas fotovoltaicas em reservatórios”, diz Rafael Kelman, diretor executivo da PSR, e um dos responsáveis pelo estudo.
A ancoragem dos sistemas flutuantes ainda é um problema. As grandes usinas em terra usam rastreador, que fazem o painel solar acompanhar o eixo do Sol, ampliando a capacidade de produção em 25%.
“Nas flutuantes não é fácil colocar um rastreador em cima de um painel que se mexe com a flutuação da água do reservatório, é preciso esperar o desenvolvimento de rastreadores específicos, o que vai ocorrer com o crescimento de usinas flutuantes”, acrescenta.
As vantagens da nova fonte, porém, ajudam a compensar esses custos maiores de operação, permitindo prever o crescimento de um mercado potencial. Entre elas, a eliminação de custos com a aquisição de terrenos e aproveitamento da infraestrutura existente, como as subestações e linhas de transmissão que recebem a energia gerada nas hidrelétricas.
Kelman observa que, por causa das mudanças climáticas, com mais períodos de secas, há mais ociosidade nas subestações das hidrelétricas. Com isso, somado à penetração da energia eólica e solar e às preocupações relacionadas aos impactos sociais e ambientais de novos projetos hidrelétricos, a geração hidroelétrica tem diminuído nas últimas décadas, de mais de 90% para 60%.
“Todos esses fatores mostram que há mais espaço nas subestações e nosso estudo buscou chegar a um modelo matemático que indicasse onde e sob quais condições haveria possibilidade de colocar usinas flutuantes que suprissem essa ociosidade”, diz Kelman.
No caso, elas seriam mais viáveis economicamente nos Sudeste, com maior oferta de infraestrutura de transmissão, e em usinas de geração centralizada – com potencial econômico melhor do que as usinas de micro e minigeração distribuída (MMGD), limitadas a gerar apenas 3 megawatts (MW).
De acordo com o executivo da PSR, o maior empecilho para uso de usinas de geração centralizada é regulatório: “Por causa dos incentivos da energia solar, o relógio das usinas flutuantes é diferente do das hidrelétricas, que incluem um rateio do custo de geração de energia, essa é uma questão pendente, entre outras.”
O estudo projeta uma tendência de queda nos investimentos para tecnologias das usinas flutuantes devido a avanços tecnológicos, curvas de aprendizado e economias de escala, com potencial de redução de custos de até 20%, o que permitiria paridade ou até mesmo liderança de custos em relação à energia solar terrestre.
Itaipu e o avanço chinês
Por enquanto, três projetos, dois deles bem recentes, chamam a atenção no País. A primeira usina solar fotovoltaica flutuante foi instalada em 2019 pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) no reservatório da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia. O empreendimento aproveita a área represada do Rio São Francisco e tem capacidade de gerar de 1 megawatt-pico (MWp) de energia.
A UFF Araucária, nome da usina solar flutuante da EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), localizada na represa Billings, em São Paulo, foi inaugurada no ano passado com 5 GW de capacidade. Operada pela Comerc e pela KWP, a primeira fase do projeto tem 100% da energia contratada, sendo 4 MW para as agências do banco Santander.
A segunda etapa deverá entrar em operação comercial entre o final de 2025 e início de 2026 e prevê a implantação de três novas unidades – cada uma com 2 MW – em diferentes locais do reservatório Billings, todos a serem conectados a pontos da rede elétrica da distribuidora Enel São Paulo.
Em setembro, entra em operação um sistema solar flutuante no reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu, com potência de 1 MWp, cuja energia gerada será utilizada para consumo interno da própria Itaipu e equivale ao abastecimento de até aproximadamente 1 mil casas por mês, considerando o consumo médio residencial brasileiro de 150 kWh em 30 dias. O investimento é estimado em US$ 854,5 mil.
Enquanto o Brasil tenta viabilizar a nova fonte duplamente renovável, a China começa a dar um passo além, com a inauguração, no início do mês, da primeira usina solar flutuante offshore do país.
O projeto, da Sinopec - uma das maiores empresas de energia do mundo -, foi desenvolvido em parceria com o governo da província de Shandong e o município de Qingdao.
A estrutura de ancoragem subaquática, desenhada para resistir às exigências do mar, ocupa uma área de 60 mil metros quadrados e capacidade instalada de 7,5 megawatts. Permite que os painéis solares flutuem sobre o mar e se ajustem às marés, suportando ventos fortes e ondas de até 3,5 metros.
Como resultado, a distância entre os painéis e a água diminui consideravelmente, favorecendo o resfriamento natural dos equipamentos e reduzindo perdas por aquecimento. Com isso, a eficiência da geração solar aumenta entre 5% e 8%.