Após vários anos batendo recordes de crescimento e de expansão de oferta de potência instalada, embalado por generosos subsídios desde 2012, o segmento de energia solar iniciou o ano cercado por uma gigantesca nuvem que ameaça os seus negócios.
O primeiro problema surgiu em novembro passado, quando o governo federal anunciou, por meio de uma resolução do Comitê-Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex), a elevação do imposto de importação de painéis solares de 9,6% para 25%, medida que passa a valer a partir de 30 de junho.
O objetivo do governo federal ao elevar os impostos de importação dos painéis foi o de fortalecer a indústria nacional. Nesta semana, porém, o segmento já começou a sentir os efeitos negativos desse vento contrário (ou melhor, desse sol no rosto), que vem de todas as direções.
Primeiro, ao constatar que o encargo terá de ser dispendido desde já, pois as cotas de importação dos produtos com o imposto mais baixo já acabaram.
O drama, porém, é ainda maior, uma vez que as empresas geradoras de energia afirmam que a produção nacional de painéis solares, beneficiada pela medida, é insuficiente para atender a demanda. Segundo elas, os módulos solares fabricados no Brasil não atendem às certificações exigidas pela maioria dos projetos.
De acordo com a Absolar, entidade que representa as empresas do setor, a indústria nacional não consegue suprir nem 5% da demanda de painéis fotovoltaicos, com uma capacidade de produção de 1 gigawatt (GW) por ano, ao passo que a importação brasileira em 2024 foi de 22 GW.
A estimativa do setor com a elevação tributária é de um impacto médio de 8% nos custos dos empreendimentos solares e queda de 2% na taxa de retorno - esta até pequena, pois pode chegar a 15%, dependendo do projeto.
Outra má notícia veio da Justiça, que, na quarta-feira, 22 de janeiro, acatou o recurso da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para não pagar indenizações referentes aos cortes de geração solar e eólica feitos pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).
Esses cortes – chamados de constrained-off ou curtailment pelo setor - refletem o crescimento descomunal das energias renováveis na matriz elétrica nos últimos anos.
Como o sistema de transmissão de energia elétrica não consegue dar conta da oferta de geração de energia conectada ao sistema por essas duas fontes renováveis - pois o avanço de Geração Distribuída (GD) não foi acompanhado pelo aumento de instalação de linhas de transmissão, os linhões -, o ONS faz cortes sem prévio aviso ou programação, para não sobrecarregar o sistema.
Os cortes, que vêm crescendo, estão impactando as empresas dos dois setores renováveis – que têm contratos de fornecimento de energia elétrica que não conseguem cumprir e são obrigadas a comprar energia no mercado livre, a um custo mais alto, para atender os clientes.
Muitos casos foram judicializados, com as empresas exigindo ressarcimento dos prejuízos, que chegaram a R$ 1 bilhão em 2024, o que tem pressionado as autoridades do setor elétrico por uma solução. Como consolo, o prejuízo é menor no segmento solar, cerca de 30% desse total.
A Absolar criticou a Aneel, afirmando que a agência promove um “sinal regulatório distorcido” e prometeu seguir buscando o ressarcimento pelos cortes.
“Os custos dos cortes de geração definidos pelo ONS não são decorrentes da performance direta das usinas solares, ou seja, pertencem ao sistema elétrico brasileiro” afirma Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Absolar. “Por isso, não seria justo que fossem arcados pelos geradores diretamente, já que não deram causa a esses eventos e nada podem fazer para gerenciá-los.”
Novos tempos
A crise no setor ocorre após vários anos acumulando níveis elevados de crescimento. Em 2023, a energia solar se tornou a segunda maior em potência na matriz elétrica brasileira, atrás apenas das hidrelétricas.
No ano passado, o setor atingiu 52,2 GW de potência de geração solar, depois de experimentar um grande movimento de fusões e aquisições, com 51 operações em 2023, alta de 76% em relação a 2022.
A Absolar afirma que, como efeito da alta de impostos, a previsão é de queda de investimentos no segmento solar, que deve receber R$ 39,4 bilhões em 2025, bem menos que os R$ 54,9 bilhões de 2024.
Levantamento da entidade junto aos associados mostrou pelo menos 281 empreendimentos com projetos em potencial risco por causa do aumento de importação, muitos deles fazendas solares. Eles somam mais de 25 GW e mais de R$ 97 bilhões em investimentos até 2026.
De acordo com Ewerton Henriques, sócio-diretor da SH Consultoria, que atua no mercado financeiro assessorando projetos de infraestrutura, as empresas que já fizeram captação para o investimento e agora estão fazendo encomendas são as mais prejudicadas. “Essas empresas estão sentindo o preço maior, prejudicando toda a cadeia do negócio, incluindo a capacidade de pagar os financiamentos”, diz.
Henriques, porém, observa que essa elevação não chega a inviabilizar os projetos, mas os torna mais apertados. “A taxa de retorno deve cair cerca de 2%, um valor elevado, mas comparado com as taxas de retorno do setor não é algo insuportável, dá para conviver”, acrescenta.
Já os novos projetos terão de ser feitos com preço de energia mais caro, para fechar a conta. “Mas os projetos antigos vão ter uma valorização, pois ao cair a taxa de retorno dos projetos atuais, os antigos passam a valer mais - no mercado secundário, os spreads desses projetos vão ser beneficiados”, diz Henriques.
Outros especialistas ouvidos pelo NeoFeed afirmam que as derrotas do setor podem ser revertidas na Justiça. “Há chances de uma decisão judicial favorável em relação ao aumento de imposto de importação, uma vez que a produção nacional não é suficiente para atender à demanda por módulos solares, tanto em quantidade quanto na especificidade necessária”, afirma Karina Santosa, da área de Sustentabilidade Corporativa do escritório Gaia Silva Gaede Advogados.
Em relação à decisão favorável à Aneel para não pagar os cortes de geração, há obstáculos. Ivana Cota, do escritório Ciari Moreira Advogados, diz que se as empresas podem ter sucesso se conseguirem demonstrar que há um desequilíbrio entre o investimento feito e a falta de infraestrutura adequada no sistema de transmissão, o que está fora do controle dos geradores de energia.
“A jurisprudência brasileira, no entanto, tende a ser cautelosa ao responsabilizar a Administração Pública nesses casos, o que pode dificultar uma vitória judicial", diz Cota. "Uma solução política ou administrativa pode ser eventualmente mais viável no médio prazo."
Como agente do mercado de energia, o consultor Henriques afirma que os dois casos servem de alerta para as empresas do setor. “As crescentes dificuldades de viabilizar projetos de geração distribuída, como com esse aumento de imposto de importação, refletem os mecanismos que o regulador do sistema de energia tem adotado para diminuir o número de empresas e pessoas que estão saindo do mercado regulado”, diz Henriques.
Segundo ele, isso prejudica o consumidor comum, que segue no sistema, obrigado a ratear um valor cada vez maior do custo de energia, pelo qual a geração distribuída está parcialmente isenta com os subsídios. “Isso tem impacto na geração de preço, no IPCA e na meta de inflação", diz.
Quanto aos cortes de geração pelo ONS, que de fato prejudicam as empresas de energia solar e eólica, o consultor diz que a abordagem tem de ser mais ampla.
“Muitas discussões estão pautadas pelo impacto setorial de medidas dos órgãos reguladores, sem entender que o regulador olha o sistema como um todo", adverte Henriques. "Para o ONS, os riscos não são individuais, e sim coletivos.”