Antes entre os melhores investimentos do ano, a bolsa brasileira tem sofrido com a saída de investidores estrangeiros em meio às pressões do governo americano sobre o País. Desde 9 de julho, quando o presidente Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre importações do Brasil, o capital internacional tem deixado a B3 diariamente. Até quarta-feira, 15 de julho, data dos dados mais recentes, a saída acumulada era de R$ 4,4 bilhões de reais.

Os números contrastam com a forte entrada de capital no primeiro semestre de 2025. Até aquele dia, o fluxo de estrangeiros para a bolsa era de R$ 27,93 bilhões. Dado o peso desse investidor no mercado brasileiro, o Ibovespa tem atravessado uma sequência de pregões negativos, subindo em apenas dois dos últimos oito pregões.

A virada de mão do investidor internacional pegou no contrapé a indústria de fundos de ações, que vinha aumentando significativamente o risco de suas carteiras para aproveitar o bom momento que vivia a renda variável.

Uma pesquisa divulgada pelo Bank of America (BofA) mostrou que o mercado entrou no mês de julho - e no segundo semestre - ainda aumentando posições consideradas mais arriscadas, ou seja, que podem subir mais na alta, mas também cair mais na queda.

O estudo mostrou que o nível de risco nas carteiras dos investidores voltou a crescer em julho, com um saldo de 6% dizendo estar mais exposto do que o normal. O patamar é o mais alto desde meados de 2021, quando o mercado passou a ficar, de modo geral, mais defensivo.

A confiança do mercado também se traduziu em um menor nível de caixa, que diminuiu de 7,8% para 6,2%, na média da indústria.

O setor de consumo discricionário, que engloba as principais varejistas e tem como característica sua maior volatilidade, foi o segundo em que os investidores estavam mais concentrados, atrás apenas do financeiro. De acordo com o BofA, quase 40% do mercado estava overweight (acima do peso) no setor e menos de 10% underweight (abaixo do peso).

“Os fundos de ações perderam muito patrimônio. Então, foram para o all-in, com a ideia de que, se não performarem agora, vão ficar para trás de seus pares e não vão conseguir captar. Eles não podem se dar ao luxo de perder o rali, com a entrada de estrangeiros”, afirmou um chefe de estratégia de ações de um grande banco.

(Em tempo, para aqueles que não jogam pôquer: all-in significa que um jogador aposta todas as suas fichas restantes em uma única jogada. É uma estratégia arriscada, frequentemente usada como último recurso quando um jogador acredita ter uma mão forte.)

O all-in na bolsa brasileira

O NeoFeed fez um levantamento com 25 cartas e conteúdos produzidos por gestores de fundos de investimento para entender as apostas que dominaram o mercado de ações — e como os investidores têm se comportado diante dessa mudança de cenário.

A leitura mostra uma indústria que vinha aumentando gradualmente sua exposição, com convicções elevadas em setores cíclicos, com os fundos geridos pela Moat Capital, Versa, Encore, Empiricus e Finacap entre os mais otimistas.

Vários gestores justificavam o otimismo com base em fatores como o posicionamento ainda leve do mercado local, os sinais de retomada no consumo e o forte fluxo de capital estrangeiro. Mas, com novos riscos entrando no radar, voltam a pisar no freio.

Esses fundos, que entraram o ano defensivos, aumentaram significativamente o risco a partir de março, quando o Ibovespa registrou sua maior alta mensal em sete meses, subindo 6,08%. Naquele mês, os fundos de ações livres renderam apenas 2,16%, pela média calculada pela Anbima. A partir dali, a indústria de fundos passou a render mais que o Ibovespa, com aumento das posições em ativos mais voláteis na bolsa.

A estratégia, até então, vinha dando certo. Até o fim de junho, essa categoria acumulava retorno de 18% contra 15,4% do Ibovespa. O risco é que o aumento da volatilidade no portfólio se traduza em quedas mais acentuadas em julho, agora que o Ibovespa está em queda.

O posicionamento mais agressivo dos fundos locais também foi registrado pelos analistas do Itaú BBA, após uma série de reuniões com gestores em São Paulo e no Rio de Janeiro. “Choose your high-beta picks”, resumiram os estrategistas em relatório, destacando o aumento de exposição a ações de consumo discricionário e capital markets, como XP e Inter.

Segundo o relatório, os gestores vinham migrando para papéis mais sensíveis ao ciclo doméstico — varejo, concessões, shopping centers — e enxergando mais upside em small e mid caps. A aposta era clara: nomes voláteis, mas com potencial de valorização maior em um cenário de continuidade do rali da bolsa. Essa característica, segundo o relatório, foi mais predominante entre as gestoras paulistas.

A Moat Capital é uma das gestoras que participaram dessas reuniões com o Itaú e que estavam seguindo essa cartilha. “No primeiro semestre, teve uma performance muito forte nas empresas ligadas ao ciclo de juros, com a economia e empresas indo bem. Vínhamos com exposição grande a empresas cíclico-domésticas”, disse Luiz Paulo Aranha, gestor da Moat Capital, em apresentação a investidores do resultado de junho. As apostas estavam especialmente em ações do setor de vestuário.

A gestora Versa Asset também vinha com alta convicção, com exposição líquida média de 200% no fundo Versa, alavancado via posições compradas e financiado por venda de índice. As posições estavam concentradas especialmente no setor de vestuário, com Lojas Renner como principal aposta.

“Esse setor está sendo empurrado por esse canhão que é a queda da inflação com mercado de trabalho aquecido”, afirmou o gestor Luiz Alves, em apresentação dos resultados.

Além da entrada de estrangeiros e da resiliência da economia local, a perda de popularidade do governo (e a potencial alternância de poder nas eleições de 2026) e a expectativa de queda da Selic ainda neste ano vinham sustentando o otimismo do mercado – teses que entraram em risco com a imposição das tarifas por Donald Trump.

De um lado, o impacto das tarifas sobre a inflação ainda é incerto; de outro, pesquisas mostram que o governo tem conseguido utilizar o embate comercial contra os Estados Unidos para aumentar seu capital político.

Do risco à cautela

Diante do aumento da percepção de risco, muitos investidores vêm buscando reduzir suas posições mais arriscadas. “Não posso falar pela indústria, mas dei uma reduzida no risco. O fluxo gringo inverteu bem nos últimos dias”, disse um gestor de fundos internacionais com foco em Brasil.

A Moat Capital e a Versa, que vinham mais agressivas, também afirmaram ter diminuído o risco de suas carteiras. A Moat praticamente zerou as posições em vestuário em julho, substituídas por ações que se beneficiam da queda de juros, mas são menos cíclicas, como Hypera e Rumo. “São ativos que dão mais segurança, mas ainda com um retorno bom”, disse Paulo Aranha.

Na Versa, a exposição líquida comprada de 200% caiu para próximo de 135%. Segundo Luiz Alves, esse movimento começou ainda no fim de junho, quando diz que percebeu sinais de virada do fluxo estrangeiro. O movimento de redução de risco também foi acompanhado pelos fundos da ASA, que também vinha overweight em relação ao Ibovespa.

O próprio estudo do BofA já vinha dando sinais de maior cautela, embora ainda mostrasse a indústria com posições mais agressivas. Ainda acima da média, o percentual de investidores que planejam aumentar alocações em bolsa caiu de cerca de 60% para 40%.

Ações de valor e de empresas de alta qualidade ganharam espaço, em julho, entre as que mais devem subir nos próximos seis meses, na avaliação de gestores. As de alta volatilidade, que lideravam o ranking até o mês anterior, passaram a ser a terceira classe mais apontada — ainda à frente de bancos, commodities, ações com dividendo elevado e teses de crescimento.

Apesar da maior cautela do mercado nos últimos dias, parte das gestoras manteve apostas elevadas na bolsa de valores. Esse é o caso da Finacap, que segue totalmente comprada. “É o menor nível de caixa que já estivemos, porque os balanços estão muito bons”, disse Luiz Fernando Araújo, CEO da Finacap.

Na avaliação do gestor, tem tido muito “ruído” com a história das tarifas, mas os fundamentos permanecem favoráveis. “Apesar da taxa de juros, ainda não se vê nas empresas mais importantes problemas de solvência, com o setor financeiro muito sólido e o varejo se recuperando. Tem tido muitas narrativas, mas, quando se olha o fundamento – que, para nós, é o que importa – a história é de uma evolução positiva nos últimos anos”, .acrescentou Araújo