O cenário econômico recente de Brasil e Estados Unidos seguiu trajetórias semelhantes, embora não simultâneas: aumento de inflação após migração do consumo de bens para o de serviços já na era pós-pandemia, o que obrigou a autoridade monetária a elevar a taxa de juros, seguido de queda lenta do índice inflacionário, que ainda se mantém resiliente por causa do mercado de trabalho aquecido.
A dúvida nos dois países nem é tanto se a taxa de juros deve começar a cair, porque há consenso neste sentido, mas quem deve iniciar primeiro o ciclo de queda. Para três especialistas ouvidos pelo NeoFeed, dois acreditam que o Brasil deverá sair na frente, mesmo porque iniciou antes dos EUA o processo de alta dos juros. Um terceiro preferiu não arriscar, observando que, em ambos, a inflação, mesmo em queda, continua distante da meta estipulada pela respectiva autoridade monetária.
“Acredito que o Brasil deverá começar a cortar os juros primeiro, já entre agosto e setembro, que é a mesma estimativa do mercado financeiro daqui”, afirma Daniela Lima, economista da gestora Kinea, braço de investimentos do Itaú.
A economista, porém, discorda da previsão de queda de juros nos EUA precificada pelo mercado de lá entre setembro e novembro. “É cedo demais; a queda de inflação mais rápida já aconteceu e agora eles enfrentam aquela inflação mais resiliente, que demora para cair”, acrescenta Lima. “Por isso calculamos o início da queda de juros nos EUA apenas no primeiro trimestre de 2024”, diz Lima.
Segundo ela, pelo fato de o Banco Central brasileiro ter começado a subir os juros muito antes e adotado uma política monetária mais restritiva, é natural que também comece a iniciar o ciclo de queda antes do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA).
Lima observa os mercados dos dois países olham a inflação de forma diferente. “Em termos de inflação, o Brasil tem um comportamento de ex-alcoólatra, com histórico de inflação elevada e de não cumprimento da meta e sem rigor fiscal, assim, quando pisa fora de linha, o mercado fica ressabiado”, diz ela. “O Fed e outros BCs do mundo analisam a inflação mais pela ótica da expectativa do mercado, com base no comportamento da economia.”
Queda consistente de inflação
O economista Mauro Rochlin, professor da FGV-RJ, lembra que o ciclo de alta de juros nos EUA chegou ao fim após o aumento de 0,25 ponto anunciado pelo Fed na primeira semana de maio, estabelecendo os juros na banda entre 5% e 5,25%. Por isso, acredita que deverá demorar mais para começar a baixar os juros que o Brasil – o BC mantém os juros em 13,75% desde agosto.
Rochlin, no entanto, acredita que a queda de inflação no Brasil é mais consistente. “Todos os indicadores cheios dos últimos 12 meses registraram desinflação, seja o Índice de Preços ao Produtor, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (IPA-DI/FGV); o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) e o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA)I”, afirma.
A tendência, segundo ele, é que o mercado tende a voltar a corrigir para baixo a inflação deste ano. “Se o ciclo de queda dos juros no Brasil começar em agosto não seria surpresa, assim como não me surpreenderia se as quedas forem mais pronunciadas, acima de 0,25 ponto, se o BC for ousado”, diz o acadêmico, lembrando que autoridade monetária ainda poderá analisar os índices de maio, junho e julho da inflação antes de tomar tal decisão.
O acadêmico diz que tanto o BC como o Fed usaram a mesma estratégia de visar a meta de inflação e o núcleo central do índice como o balizadores. “A diferença é que nos EUA os efeitos da política monetária vieram mais rápido, apesar de a inflação americana ser mais elevada.”
Para Raone Costa, economista chefe da Alphatree Capital, gestora de multimercados, a curva de juros dos dois países trabalha com perspectivas similares de queda. Mas evita cravar quem começa a baixar os juros primeiro.
"Embora a tendência de inflação é de queda, ela segue bem acima do patamar da meta estipulada pelos bancos centrais dos dois países e a economia, em especial o mercado de trabalho, continua aquecido lá e aqui”, adverte. "A rigor, a aposta mais segura é que os dois países não vão baixar os juros já."