O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu a autonomia da autoridade monetária, pregou um tom conciliatório com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – de quem vem sendo alvo de críticas por causa da política de juros altos mantida pelo BC –, mas evitou apoiar a mudança de meta de inflação, como deseja a equipe econômica, durante participação no CEO Conference 2023, evento do BTG Pactual.

Ao melhor estilo “Lula paz e amor” que o atual presidente da República adotou durante seu primeiro mandato para se aproximar do mercado financeiro, Campos Neto disse entender a pressa do governo federal em baixar os juros, atribuindo o aumento do prêmio de risco (expectativa de juros futuros do mercado) ao “investidor afoito”.

“Precisamos ter boa vontade com o governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem o princípio de seguir um plano fiscal com disciplina”, pregou Campo Neto.

Segundo ele, é possível conciliar uma política fiscal responsável com a parte social, com priorização de gastos e avaliação dos problemas existentes.

O presidente do BC também admitiu que é justo o governo questionar o juro alto.

“Faz parte do jogo; ter debate é legitimo e é trabalho do BC melhorar a comunicação, de forma didática e mais frequente, mas precisamos olhar o ciclo mais longo”, disse, apontando que mudança brusca na política de juros não é adequada no momento.

“Não estamos num período que é bom fazer experiências, temos investidores querendo entrar no país”, acrescentou.

Antes da participação de Campos Neto, André Esteves, chairman e sócio sênior do banco, deixou clara a sua posição sobre o desejo do governo em ampliar a dose de inflação no Brasil.

“Essa tese de ter um pouco mais de inflação para o juro baixar é perigosa para um país que tem um passado como o nosso”, afirmou Esteves. “Não podemos esquecer que somos um alcóolatra momentaneamente curado. Portanto, não nos chamem para uma degustação de vinho.”

Independência ou morte

Apesar do tom conciliatório, Campos Neto defendeu-se das principais críticas endereçadas a ele nas últimas semanas pelo presidente Lula, em especial sobre a autonomia do BC e a eventual mudança de meta de inflação.

“A independência do BC é importante, sempre que a inflação aumenta, a autonomia da autoridade monetária é desafiada”, afirmou citando países da América Latina que enfrentaram esse tipo de desafio e venceram.

“O Peru vive numa instabilidade política forte, mas sempre manteve o câmbio estável e seu banco central tem o mesmo presidente desde 2007”, afirmou.

Campos Neto foi mais enfático ao abordar a polêmica sobre a mudança de meta de inflação, pretendida pelo governo.

Encontro marcado no CMN

“É importante seguir as regras do jogo, quem determina a meta não é o BC, a meta de inflação não é instrumento de política monetária, e sim o estabelecimento da taxa de juros”, afirmou, lembrando que tal atribuição cabe ao Conselho Monetário Nacional (CMN).

O CMM é formado pelo presidente do BC (Roberto Campos Neto) e pelos ministros da Fazenda (Fernando Haddad) e do Planejamento (Simone Tebet).

“O presidente do CMN é o Haddad, temos um voto em três, expressei minha opinião sobre essa divisão, que é legítima”, afirmou.

Campo Neto disse que chegou a ser procurado por integrantes do Legislativo, que sugeriram votar uma lei estabelecendo apenas a unanimidade nas votações do CMN para mudança de meta. Ele afirmou ter recusado essa proposta.

“Isso não é o que diz a regra, se tivesse que preferir entre a unanimidade e o BC não ter voto no conselho, preferia essa última, que o BC atuasse só como assistente técnico na discussão”, afirmou.

Campos Neto disse também que a proposta de ajuste de meta de inflação tem divergências em vários países, mas poucos fizeram ajustes.

“Aperfeiçoamentos (sobre a meta de inflação) são bem-vindos para a melhoria da eficiência, mas entendo que o governo tem essa prerrogativa”, finalizou, evitando dizer o que vai defender na reunião do CMN, na quinta-feira.