Nem mesmo a Black Friday tem sido capaz de ajudar as ações do setor de varejo. Apesar das expectativas de que a data promocional poderia elevar as vendas das empresas e ser um gatilho de alta dos papéis, o que se vê no mercado é queda significativa das cotações nesta sexta-feira, 25 de novembro.
As ações da Lojas Renner registravam um dos maiores recuos por volta das 16h06, caindo 6,73%, a R$ 23,85. Os papéis da Americanas recuavam 2,68%, a R$ 10,88, as ações da Via caíam 2,51%, a R$ 2,33, o Magazine Luiza tinha recuo de 6,66%, a R$ 3,36, e as ações do Grupo Soma tinha baixa de 1,78%, a R$ 11,58.
O movimento de hoje não está descolado do que está sendo visto no Ibovespa, que recua 2,83%, aos 108.667,98 pontos, com os investidores mantendo o clima de preocupação com relação à situação fiscal do País a partir de 2023.
E a questão fiscal é o fator que está prejudicando o desempenho das ações do varejo nesta sexta-feira. Mesmo com pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) demonstrando que a intenção de consumo das famílias subiu pelo décimo mês consecutivo, alcançando o maior nível desde abril de 2020, o que vai ocorrer no próximo ano tem preocupado os investidores que olham para o varejo.
O mercado vem reagindo negativamente a sinais de que o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva pode elevar os gastos, o que poderia forçar o Banco Central a elevar os juros.
Até a equipe de Lula apresentar a chamada PEC da Transição, que prevê tirar o Auxílio Brasil do teto de gastos por tempo indeterminado, permitindo ao governo gastar quase R$ 200 bilhões acima do limite previsto para as despesas, a expectativa era de que o BC começasse a reduzir a Selic, atualmente em 13,75% ao ano, a partir do segundo semestre de 2023.
Agora, o movimento não está garantido, com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, emitindo alertas a respeito das consequências que injetar mais recursos na economia pode ter no lado monetário. E a sinalização de que o próximo ministro da Fazenda não será um técnico não está colaborando.
“Houve uma sinalização do BC sobre a possibilidade de um novo aumento nos juros, porque a inflação ainda não estaria dentro da meta prevista”, diz Vicente Guimarães, CEO da casa de análises VG Research. “Isso gerou um aumento nas expectativas de taxas de juros de longo prazo, impactando diretamente o setor de varejo que depende muito do crédito.”
O aumento dos juros teria também por consequência desacelerar a economia em um momento em que as famílias estão muito endividadas. A própria CNC informou que a inadimplência alcançou níveis recordes em outubro, com a proporção de famílias com contas em atraso atingiu 30,3%, o quarto mês seguido de avanço.
“No ano que vem, com as famílias endividadas, renda real consumida pela inflação e a perspectiva de consumo mais fraco, vai ser bem desafiador para as companhias de varejo, o que prejudica as ações”, afirma Fernando Ferrer, analista especializado no setor de consumo da casa de análises Empiricus.
Segundo os analistas, estes são os fatores de curto prazo que estão prejudicando o setor. Ao longo do ano, porém, os papéis de varejo têm tido um desempenho ruim diante das mudanças estruturais do mercado.
No acumulado de 2022, entre os destaques negativos estão o Magazine Luiza, com queda de 53,4%, e a Americanas, com recuo de 64,6%.
Segundo Murilo Breder, analista de investimentos do Nubank, muitas empresas, especialmente de e-commerce, têm sentido a intensificação da competição de grandes nomes internacionais.
“As empresas de varejo de vestuário, especialmente aquelas voltadas para os segmentos de baixa e média renda, têm sofrido com as empresas de fast fashion, as asiáticas, em que a marca pouco importa”, diz Breder.
Para ele, Magazine Luiza e Via vêm lidando com nomes como Ali Express e de empresas que podem queimar bastante caixa para roubar market share.
Estas condições acabam tirando o peso da Black Friday, que também já não tem mais a mesma importância de outrora.
Surgido nos Estados Unidos, a data ganhou popularidade no Brasil a partir de 2010, mas nos últimos anos as varejistas estão colocando pouca ênfase na data, diluindo as promoções ao longo do mês e sendo mais comedidas quanto a promoções, diante de um cenário mais complexo.
Fora que o evento acontece, pela primeira vez na história, com a Copa do Mundo, que geralmente acaba deslocando o consumo para poucos tipos de produtos e diminui o tráfego nas lojas.
“A Black Friday existe já há alguns anos e já não é um gatilho de valorização”, diz Breder. “Não espero grande coisa neste ano, acredito que o aumento das vendas estará em linha com o varejo. Ficaria muito surpreso se vier um crescimento de dois dígitos.”