Nova York - Nos EUA, tomar café é um ritual sagrado, assim como no Brasil. É raro não encontrar um norte-americano na rua sem seu minibalde à mão – seja ele térmico, trazido de casa, ou de redes como o Starbucks. O país tem o maior mercado de café do mundo, com receitas que ultrapassam US$ 80 bilhões, segundo o site Statista. O Brasil segue em segundo lugar com US$ 36,55 bilhões.
Por estar tão arraigado à cultura, é sintomático que o café absorva tendências dos universos de fitness e wellness. É o caso, por exemplo, do Bulletproof Coffee, o café “a prova de balas” (turbinado com óleo e manteiga) desenvolvido para dar energia sustentada para quem segue a famosa dieta cetogênica (que elimina carboidratos). Ou do latte com curcumina e outras especiarias (também chamado de “leite de ouro”), encontrado no Le Pain Quotidien, que atua como anti-inflamatório natural.
O chamado “café funcional” é um mercado em expansão, e não só nos EUA. De acordo com relatório da Mordor Intelligence, esse setor deve registrar uma taxa de crescimento anual de 5,9% até 2027. Nesse contexto, a moda dos cogumelos também prospera no café. No Whole Foods e na Amazon, hoje é possível encontrar diversas marcas de café em pó ou instantâneo com extratos de cogumelos funcionais (não os mágicos, é bom avisar).
O sabor do alimento é imperceptível, como as embalagens deixam claro, mas as funções atribuídas à bebida nossa de cada dia são nobres. Todos os cogumelos utilizados nos cafés oferecem benefícios para o sistema imunológico, sendo que alguns deles até teriam ação "anticâncer".
Também são ricos em antioxidantes que ajudam a combater a inflamação e a regular o açúcar no sangue. Pesquisas em animais ainda indicam que o cogumelo juba-de-leão (lion’s mane) pode melhorar o funcionamento mental e a memória. Já o cordyceps seria útil para turbinar a resistência física e a performance sexual, enquanto o reishi seria um relaxante natural.
Essas espécies são usadas há milênios pelos orientais como adaptógenos (substâncias extraídas de plantas que aumentam a resistência do corpo contra o estresse físico ou mental). O resultado da mistura é uma bebida mais suave para o estômago, que turbina os efeitos da cafeína sem causar a ansiedade típica de quem exagera na substância, nem o cansaço dobrado que surge quando o efeito estimulante vai embora. Por turbinar a imunidade, a bebiba ganhou mais representatividade com a pandemias do coronavírus.
A startup Four Sigmatic, de origem finlandesa, foi uma das pioneiras nessa área, com uma linha variada de cafés, cremes, chás e chocolates quentes com diferentes cogumelos e outros adaptógenos para serem consumidos em diferentes momentos do dia.
Seu fundador, Tero Isokauppila, conta que seus antepassados tomavam infusões de cogumelo quando não havia café disponível por causa da Segunda Guerra. Ao levar seu negócio e também se mudar para os EUA, sabia que seus chás não teriam espaço e decidiu apostar no café, com surpreendente sucesso. A bebida instantânea logo se tornou uma das mais vendidas da categoria na Amazon e é exportada para 65 países.
Outra startup a apostar no café com cogumelo é a Wunderground, lançada no ano passado em Seattle. “Estamos pegando a mais apreciada e ritualística bebida do mundo, tornando-a melhor, e fazendo com que você [consumidor] se sinta melhor”, resume a fundadora Jody Hall, famosa na cidade pela tradicional rede Cupcake Royale. Assim como a Four Sigmatic, o site da Wunderground oferece um verdadeiro curso sobre cogumelos funcionais aos interessados, além de programas de relacionamento com os clientes.
Educar o público sobre as propriedades dos cogumelos tradicionais, com ajuda do café, também parece ser uma estratégia para quem aposta que os fungos psicodélicos terão uma trajetória semelhante à experimentada pela cannabis na América do Norte.
A Beatrice Society Inc., plataforma canadense especializada na difusão de conhecimento sobre terapias com cogumelos alucinógenos, lançou no ano passado uma linha de cafés em parceria com a Subtext Coffee Roasters, de Toronto, que utiliza grãos da região de Acevedo, na Colômbia.
Um café turbinado no Brasil
No Brasil, o mercado de cafés funcionais tem um representante local em grande expansão. A Caffeine Army é uma startup baiana lançada em 2016 com uma pequena linha de produtos para preparar o famoso café “a prova de balas”. Em 2018, a marca lançou seu primeiro SuperCoffee e, hoje, conta com versões com colágeno, café verde, l-tirosina e coenzima Q10.
Apesar da inspiração nos produtos norte-americanos, a marca preferiu posicionar suas bebidas como “energéticos à base de café”, para bater de frente com os energéticos tradicionais, que não têm foco em wellness.
“São produtos cheios de açúcar ou estimulantes pesados, que proporcionam efeitos colaterais como taquicardia, ansiedade ou insônia”, diz o sócio e head de marketing da Caffeine Army Murilo Allan, sobre a concorrência.
O faturamento da empresa foi de R$ 160 milhões em 2021, e a expectativa é encerrar este ano com 2,9 milhões de latas vendidas. Allan conta que tem acompanhado a tendência dos cafés com extrato de cogumelo vendidos nos EUA, mas vê a ideia como algo distante, apesar de atraente.
“É uma pena que a legislação brasileira ainda seja proibitiva em relação a alguns desses ativos adaptógenos. Abririam oportunidades de desenvolver e entregar produtos ainda melhores para os consumidores do mercado de wellness”, diz Allan.