O anúncio do arcabouço fiscal feito na quinta-feira, 30 de março, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, causou reações em direções opostas, numa mostra do grau de expectativa que a divulgação das novas regras estava provocando.
Uma delas, positiva, foi concentrada no mercado financeiro e confirmada com a alta da bolsa e a queda do dólar logo após o pronunciamento de Haddad - o Ibovespa fechou o dia em alta de 1,89% e a divisa americana recuou 0,73%.
O otimismo na Faria Lima se deve ao fato de, em linhas gerais, o pacote fiscal conter os pressupostos que o mercado financeiro e o setor produtivo da economia vinham pedindo desde a posse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva – um plano estruturado da equipe econômica com controle de gastos, meta de superávit primário e previsibilidade.
Depois, ao longo do dia, com análise mais detalhada das medidas, o clima de euforia esfriou. Vários economistas e especialistas em contas públicas apontaram inconsistências técnicas por baixo das boas intenções contidas no plano.
“O governo, mais uma vez, deu mais atenção para o lado da receita. Não vi preocupação maior com corte de despesas e sim em evitar o aumento de gastos”, afirmou o economista Mauro Rochlin, professor da FGV-RJ, resumindo a maior crítica ao pacote.
A estratégia do governo consiste em limitar o crescimento das despesas federais ao longo de 12 meses a um aumento de 70% da receita no período, amarrando essa regra a metas anuais de resultado primário (diferença entre receitas e despesas do governo), para reduzir a dívida pública.
Com isso, o governo se comprometeu a fechar o ano com déficit primário de R$ 100 bilhões, o equivalente a -0,5% do PIB (Produto Interno Bruto). A proposta prevê zerar o déficit em 2024, obter superávit de 0,5% em 2025 e, no último ano do governo Lula, aumentar o superávit para 1% do PIB.
“A regra fiscal não é uma bala de prata que resolve tudo, mas o começo de uma longa jornada”, disse Haddad durante o anúncio. “Mas esse é o plano de voo.”
Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Bradesco, elogiou as medidas. “Seu conceito é a combinação de restrição de despesas e geração de superávits, o que aumenta a perspectiva de menos pressão fiscal no futuro, abrindo espaço para a queda dos juros.”
Mais uma banda
Para dar flexibilidade no controle da dívida pública, foi criada uma “banda” (espécie de intervalo) para essas metas, que variam 0,25 ponto porcentual do PIB para baixo e para cima, mecanismo semelhante ao sistema de metas de inflação.
Se o governo não conseguir atingir o piso da meta de resultado primário, o crescimento das despesas ficará limitado a 50% das receitas no ano seguinte.
Por outro lado, se o resultado das contas superar a banda superior da meta anual, o excedente poderá ser usado para financiar os investimentos – exigência do presidente Lula.
As regras que condicionam o aumento das despesas a uma parte das despesas têm várias travas, para impedir que sejam burladas por pressões políticas ou projetos de lei no Congresso.
Uma delas prevê um instrumento que impedirá o aumento de gastos mais acelerado quando houver expansão significativa na arrecadação, com estabelecimento de um piso e um limite máximo de crescimento real de despesas (acima da inflação), fixado entre 0,6% e 2,5% ao ano.
A fórmula acima, porém, terá de contemplar gastos previstos na Constituição vinculados à receita, como os recursos para saúde, educação e emendas parlamentares. Ou seja, essas despesas podem crescer acima de outros gastos.
Exceções como essa preocupam economistas e especialistas em contas públicas. As críticas se concentram na falta de detalhamento para evitar que o aumento de gastos, mais provável, supere o sarrafo estabelecido em relação ao crescimento da receita.
“Se as despesas se tornarem recorrentes e a receita não aumentar, o arcabouço poderá ficar comprometido”, advertiu Rochlin, da FGV. Segundo ele, o governo corre o risco de depender da aprovação da reforma tributária no Congresso. “Até isso virar receita vai uma grande distância.”
Durante o anúncio, Haddad se comprometeu a não aumentar a carga tributária nem criar impostos, mas deixou claro que vai buscar aumento de receita, que pode chegar a R$ 150 bilhões, taxando os jogos eletrônicos, as big techs e “aqueles que hoje quase não pagam imposto”.
Outras críticas reforçam a impressão de que o ponto frágil do pacote é a relação entre despesa e receita.
“Embora o ministro tenha falado em medidas para incrementar receitas com a correção de distorções no sistema tributário, não foram apresentados maiores detalhes, exceto uma previsão preliminar de um ganho de R$ 100 a R$ 150 bilhões”, advertiu Tiago Sbardelotto, economista da XP. “Assim, a regra apresentada não encerra a discussão sobre o orçamento dos próximos anos.”